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quarta-feira, 15 de abril de 2020

Jovens corações em lágrimas (Richard Yates)

Contém spoilers.

As palavras de Richard Yates são pequenos embrulhos. São bonitos por fora mas dentro guardam uma tristeza cansada. Para quem é admirador atento, como eu, sabe que o autor tem uma forma tão característica de escrever a dor que, aos olhos de quem a lê, consegue ver-lhe beleza, a beleza que empurra as sombras.

Esta é a história de um jovem e bonito casal, Michael e Lucy. Conheceremos a sua jornada, como homem e mulher que se apaixonam, despertos para um mundo repleto de oportunidades, na semelhança das suas vontades e na pujança de um amor, segundo o seu íntimo, capaz de superar todas as coisas.

É na cerimónia do casamento que são feitos os votos de uma vida inteira, mas não será assim com este casal. Michael é um homem perdido em si mesmo, entregue a um trabalho que não gosta mas que lhe possibilita pagar as contas e o sonho, firme, em escrever poesia. Por outro lado, Lucy é rica, segredo revelado apenas e só depois do casamento. Se a intenção dura de Michael é prosperar na força do seu próprio empenho enquanto escritor, a riqueza da esposa ainda o amedronta mais. Nasce nele um constante desejo de emancipação, quase sexual. Ou se calhar, e sobretudo, sexual.

É sempre sobre a melancolia dos sonhos. Richard Yates tece sonhos tão bonitos e mostra-nos, a olhu nu mas repleto de sensibilidade, as entranhas que movem qualquer sonho: a deceção e o desespero.

Ao longo desta belíssima história conhecemos as dores de todas as personagens, sem exceção. Mas será em Michael e Lucy, agora pais de uma menina, Laura, e divorciados, que o enredo acontece e uma catadupa de sonhos infecundos dá lugar. 

Desde a nostalgia do que foi o casamento, aquela esperança vaga dos lugares onde fomos felizes mas que sabemos jamais poder voltar; a saudade do que foi sem nunca ter sido; as paixões que vão desabrochando em cada um deles, novos amores, novos desamores; vidas novas que vão construindo na base de sentimentos frescos mas mascarados com as mesmas crenças de não merecimento; e por fim, a procura de si mesmo através da arte.
"Sabes o que nos aconteceu, Lucy, a ti e a mim? Passámos as nossas vidas na expectativa. Não é a coisa mais diabolicamente absurda de todas?" p.175
Caro leitor, se ainda me acompanha, deixe-me dizer-lhe que as histórias de Richard Yates têm o poder de nos fazer chegar a ponta da faca, certeira, ao âmago das nossas próprias dores. É um exercício melancólico, é o confronto com esse desejo desmedido e traduzido em expectativas diabólicas para, no final, restar o sabor acre de memórias, tão só, sonhadas.

"Toda a gente está essencialmente só, dissera-lhe, e ele começava a ver que era verdade. Além disso, agora que estava mais velho, e agora que chegara a casa, talvez já não fosse importante saber como acabaria a história." p.459


«Jovens corações em lágrimas» tem já o seu lugar garantido nos melhores deste estranho 2020.


 Seja feliz,

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