Não Contemos ao Dia os Segredos da Noite (D. Marny & J.P. Gourévitch)

domingo, 16 de janeiro de 2011

A vida deles recomeçou com uma caixa de fósforos. Numa noite de tempestade.
A simplicidade das coisas é tão grande que, por vezes, parece tão inconcebível que se ignora. É simples demais e, por isso mesmo, passa ao lado. Só o difícil merece, realmente, atenção. Só o desafio, só aquilo que faz suar, correr, chorar imenso, merece realmente a pena. Como as roupas caras, só essas é que são as de melhor qualidade, porque são caras.
Ela nunca foi cara ou brilhante como as jóias da ourivesaria.
Nunca exigiu grandes investimentos.
Não era dispendiosa ou exigente.
Era simples. De tão simples ser, tornou-se estranhamente difícil. Tornou-se assustadora.
O amor é assustador por isso. Pela sua esmagadora simplicidade. O homem não gosta dessa simplicidade, gosta de complicar para justificar pequenos rasgos que só se explicam pelo seu amor ao sofá velho, pelo outro corpo já conhecido de cor, pela casa quente de outrora.
Há explicações, sim. Mas velhas, canções conhecidas, há muito tocadas, e que todos conhecem. Há camadas de cobardia arrumadas em gavetas de luxo. Há de tudo um pouco, menos simplicidade. Menos amor. Há de tudo, menos simplicidade. Menos amor. Menos verdade. Menos. Menos. Menos de ti.
Tens nos olhos sonhos carregados que não realizas. Tens nas mãos desejos que não agarras. E tens na boca anedotas que escondem inseguranças. Tudo menos simplicidade. Menos amor.
São todos ridículos, menos ela. Ela nunca foi cara ou brilhante como as jóias da ourivesaria.
Nunca fez tatuagens quando faltava o dinheiro para a comida ou contas da luz.
Era simples, bela, e assustadora.
 E por essa razão, exactamente por isso, trancou-a num segredo, convicto de que, jamais, poderia contar ao dia os segredos da noite.

Ao som de: Yellowcard – Gifts and Curses
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