O Professor (Frank McCourt)

sexta-feira, 19 de novembro de 2010


Enquanto espero a aula acabar, desespero mais um bocado. A cabra da stôra não se cala, enfiaram-lhe uma pilha no rabo, é mais rápida do que os cabrões dos coelhos da televisão, a tocar o tambor.
Por muito que pense, nunca vou entender esta praga a que chamam professores. Entram na sala, com fatinhos de vómito e cara a condizer. Gritam só porque ainda não me sentei, ou porque desviei o olhar para as grandes mamas da Catarina. Enfim. Não gosto disto.
Gostava que entendessem que nós, alunos, não precisamos desta merda para nada. Eu preciso mesmo é de um telemóvel novo, mas neste momento, preciso de sair daqui.
Quero lá saber da história de uns velhos que fizeram não sei o quê…, digam-me lá, os bacanos já morreram há montes de tempo, não é? Dasse
Depois começam com aquelas tretas de teres uma profissão, como é, como é…, seres alguém na vida! É isso mesmo! Tipo… eu já sou alguém, não preciso de procurar nada, tudo vem parar aqui, à minha mão.
Agradeço ao espelho, todos os dias, esta cara e este corpo. O meu penteado, os meus piercings e as roupas, dão-me livre-trânsito para a cama delas.
Será que o Sócrates tem disso? Fala, fala… que temos de ser isto e aquilo, … o caralho nem um curso tem!
Aqui entre nós…, na Assembleia da República ele consegue portar-se pior do que eu! É uma grande proeza. Grande Sócrates! (Vêem? Eu até sou um gajo interessado, vejo notícias e tudo!)
Estudar, ser alguém na vida. Yah, yah…
Abençoado toque!
Vou bazar.
Stôres, não se preocupem. Vou continuar a fazer o que tanto mandam: ser alguém na vida.
O Pedro está lá fora à minha espera, salto a rede, e lá vamos nós: para a nossa vida de pós mágicos.

Ao som de: Metro Station "Shake It"



Aos alunos.
Dedicado aos "meus" adolescentes. Ao D. e ao J. em especial.

No País das Últimas Coisas (Paul Auster)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010


“Acabei de chegar ao País onde tudo desaparece. Acabei de chegar onde sei que te posso encontrar.
Vejo carrinhos de compras nas ruas mortas. As pessoas, sôfregas, correm. Tu, algures, corres por mim.
Roubaram a minha mala, eu quase deixei que assim fosse. Não preciso dela. Preciso de ti.”

“Tudo desaparece por aqui. Hoje já não há nada aqui, ontem havia. As ruas já não são ruas. As casas, podres, servem de grandes lareiras públicas para atenuar o frio. Tenho a certeza que vieste procurar-me, é por isso que não consigo parar de correr, mesmo com esta chuva.”

“Os meus sapatos não aguentaram tanta chuva. Parei de correr, encontrei este banco de jardim.”

“Estou cansado como a merda, mas não consigo parar de correr. Vejo, lá ao fundo, um banco de jardim, como aqueles que tu gostas. Corro até ele.”

“Sou fraca. Sou como vidro, dizias tu. Desta vez, ignorei o cansaço e assim que me sentei naquele banco, lembranças bravas ergueram-me com a força de Ulisses. Continuo a correr para ti.”


“A ilusão da corrida disse-me que estarias naquele banco, como naquela tarde verde. A ilusão é mentirosa, e eu sou estúpido. Mas não vou parar.”

“Há um comboio, podre, lá ao fundo da rua. Eu não aguento mais. Parto o vidro, entro, e sento-me num daqueles bancos comidos pelo tempo, e por bichos mais fortes do que eu. Adormeço, de fome e frio.”

“Estou todo fodido. As minhas pernas começam a desaparecer também, nesta terra de tudo e nada. Encontro, lá ao fundo da rua, um comboio, podre. Encosto-me nele, e sinto a chuva em mim. Eu não aguento mais, … mas só poderei desaparecer quando te encontrar.”

Simplesmente dedicado.

Ao som de: Angels and Airwaves "Breathe"

A Solidão dos Inconstantes (Raquel Serejo Martins)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A chuva beija a janela, sôfrega. Eu invejo-a.
Os ponteiros confrontam-me, desafiantes, e eu sei cada movimento teu.
Esta é a hora em que estás a sair do trabalho, certo como os cereais que compras todas as Segundas-feiras. Desces as escadas calmamente, agora vais pegar no guarda-chuva, preocupado em molhar o cabelo, meticulosamente penteado.
Dizes, gentilmente, boa tarde às pessoas que mais detestas. Chegas a casa e descarregas a tua simpatia mascarada, o teu penteado começa a desfazer-se também. Um sorriso começa a crescer, acompanhado das horas felizes da função pública.
Em ti é tudo tão feliz. Tudo tão maravilhosamente programado, e feliz!
Para mim, a felicidade é feita de lágrimas. É chuva nos pés. É algodão doce nos cabelos, migalhas no sofá, livros espalhados pelo chão, lençóis que sabem histórias.
Vou deixar um dos meus vestidos no armário. Para te destabilizar.
Desculpa. Não consigo ser feliz com tanta felicidade passada a ferro.

 


Ao som de: Hootie and the Blowfish “ Let her cry”

Pobby and Dingan (Ben Rice)

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Os amigos podem ser de vidro. Partem-se todos os dias. Mas na minha cabeça, os amigos, o meu Pobby e Dingan, têm brilhantes no umbigo, têm borbulhas que desaparecem na hora do baile de finalistas, e sabem todas as minhas canções preferidas.
Os meus amigos voam pelas linhas do telefone e limpam-me as lágrimas. Também me deixam copiar nos testes, mesmo quando ando a apalpar o rabo do Rui, em vez de apalpar os livros.
Correm comigo e mentem comigo. À velocidade da luz. Quais gémeos! Nascemos no dia em que nos sentámos na mesma carteira.
Os meus amigos roubam CD e sapatilhas nas barbas de quem for. Porque são os meus amigos.
Agarram-me quando caio da janela. Agarram-me quando estou quase a cair na rasteira dos pais. Agarram-me porque sim.
Os meus amigos têm brilhantes nos umbigos. Fazem-me voar para lá daquilo que os outros dizem, e sabe bem!
Vamos correr para a mina.
Podemos morrer lá. Ficaremos juntos para sempre.

A ti, Joana.
Um eterno abraço à adolescência que vivemos.

Ao som de: Nirvana “Smells Like Teen Spirit”

A amizade é um paradoxo doce.

A Pérola (John Steinbeck)

domingo, 14 de novembro de 2010

Não ter.
Mais rico do que ter.
O «não ter» permite sonhar e encher o coração com o cheiro do mar. Não ter faz correr, faz gritar, faz. Não ter faz, suavemente, mexer o coração.
Não ter é o caminho da esperança, onde te agarras ao boneco de infância e amealhas cada gota de inocência que te resta.
Caminhas com a alma plena, nesse caminho de «não ter», nada temes e tudo procuras, com todo o amor que semeaste em ti mesmo. Amadurecido para alguém. Brilhante, pronto a ser colhido.
E agora que tens, paradoxalmente, tudo se esvaziou pelo medo. Um vazio que enche, e sufoca a garganta com delicada luva branca.
O medo casou com a ganância, nasceu o receio. Foges de tudo que, de coração cheio, procuraste nesse «não ter», agora tão rico…
Volta atrás. Veste quem eras.
A simplicidade do «não ter» é tão magicamente bela: quebra o medo de perder, a essência pura para quem sabe amar…
A vida pode ser uma pérola.
Liberta-a, será tua, e serás tu, de coração pleno.



Dedicado às pessoas que amam mal.
Ao som de: Incubus “I miss you”

Livro fechado

sexta-feira, 12 de novembro de 2010


Lê-me depois de me fechares, pois é nesse momento, no fim de tudo ter dado, que mais precisarei de ser lembrado. Depois de vazio, para lá da alma e da sombra confortavelmente escondida, leva-me contigo, e liberta-me em cada gesto teu, em cada passo, em cada abraço.
Liberta-me e permite que me vejam com olhos de ler, como os teus fizeram. Lê, inspira cada palavra. Fecha-me e expira, ao Mundo, as novas partículas da tua alma.
Eu sei que sou.
Sou a fotografia da tua alma.



Ao som de: Radiohead “Karma Police”

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