A ler "A Prisioneira"

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

"Assim, quando um amor nasceu de uma hora angustiada relativa a uma pessoa, da incerteza sobre se poderemos retê-la ou se nos escapará, esse amor traz a marca dessa revolução que o criou e bem pouco tem a ver com o que até então tínhamos visto quando pensávamos nessa mesma pessoa."

 
Marcel Proust
A Prisioneira | Em Busca do Tempo Perdido (Volume 5)
 
 
Penso que ninguém escreveu tão bem o amor como Proust.


Nada (Janne Teller)

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

O livro da dinamarquesa Janne Teller, recentemente publicado no nosso país pela Bertrand Editora é, numa palavra, desconcertante. Quer queira, quer não, é um livro que obriga a uma profunda reflexão sobre o significado da vida, sobre os propósitos, as jornadas de cada um, os objetivos e sonhos.
Estaremos, de facto, reduzidos a nada?
Quando Pierre Anton  decide que a vida nada mais é do que um nada, isenta de qualquer significado, decide deixar de ir à escola para subir a uma ameixeira a contemplar o nada.
Os colegas da sua turma de 7ºano, intrigados, questionam a atitude do Pierre, que os atormenta lá do cimo da ameixeira com argumentos que se colam nas indecisões de cada um:
"- Se vocês viverem até aos oitenta anos, terão passado trinta anos a dormir, nove anos a assistir às aulas na escola e a fazer trabalhos de casa, e catorze anos a trabalhar. Como já todos passaram seis anos a ser crianças e a brincar, e vão passar pelo menos doze a limpar, a cozinhar e a cuidar dos vossos filhos, só vos restam no máximo nove anos para viverem (...)."
Perante as deambulações de Pierre, os amigos começam a sentir uma necessidade inexplicável de o confrontar, de o contradizer, de encontrar afinal o significado que a vida tem. Tem de haver alguma coisa, forçosamente, a fazer sentido.
É nessa premissa que o grupo de colegas decide, em conjunto, reunir o máximo de coisas pessoais e que muito lhes diga. Coisas essas que devem gritar significado em cada um deles.
 
A pilha de significado, criada e nascida numa serração, é apenas o prelúdio de uma catástrofe iminente. A pressão gerada em cada um deles, a intimidade de verbalizar a importância de uma ou outra coisa, bem como os limites que quebram nessa busca teimosa, torna-se o grande propósito de Teller, na ambição de nos mostrar a quente a frieza de cada um. A pilha aumenta não só em tamanho como na perigosidade que, aparentemente, o significado das coisas tem de ter.
 
Eu repito-me quando digo que este livro é desconcertante. Induz no leitor a urgência de olhar para dentro, de questionar valores, vontades e atitudes. Estaremos, de facto, reduzidos a nada  e, à custa disso mesmo, vivermos iludidos na esperança desenfreada de o contradizer?
 
Através de um grupo de púberes, Janne Teller, cujo livro chegou a ser proibido na Dinamarca, escreve incisivamente, sem dó nem piedade, numa confiança invejável sobre as fraquezas do ser humano, a podridão escondida na sombra de fazer prevalecer vontades próprias.
 
E você, até onde vai para provar ao mundo aquilo em que (supostamente) acredita?
"Pierre Anton tinha ganhado.
Mas em seguida cometeu um erro.
Virou-nos as costas."
Com um fim ainda mais aterrador e inesquecível, e comparado ao brilhante «O Deus das Moscas», Janne Teller figura, agora, como uma autora que irei, com toda a certeza, seguir de perto.
Um credo de tão bom.  
 
Uma das maiores surpresas literárias do ano, recomendo sem reservas.
Partilho um vídeo em que a autora fala um pouco sobre os pontos principais da obra:


 
Boas leituras,

Palavra mal colocada #11

terça-feira, 26 de setembro de 2017





Há expressões que me despertam coisas más.
(Risos)




Economia emocional

segunda-feira, 25 de setembro de 2017


"Um pouco de desprezo economiza bastante ódio."
Jules Renard
 
 
 
Boa semana,

O Jardim das Borboletas (Dot Hutchison)

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

«O Jardim das Borboletas» de Dot Hutchison irá, certamente, provocar-lhe uma revolta nas entranhas. O leitor viverá numa eterna curva de Gauss cujas probabilidades de consternação, irritação, impotência e uma náusea sem fim, serão altamente garantidas.
 
Não estamos a falar de um livro que não supere expectativas. Não é bem essa a questão. Estamos, antes, a falar de um livro que pela temática em si, choca e oprime.
A história começa com um relato policial sobre a existência de um misterioso jardim com direito a borboletas e um empenhado Jardineiro. Esqueça agora os filmes da Disney porque: 1) as borboletas são raparigas e 2) o Jardineiro guarda-as em cativeiro para abusos de toda a espécie. 
 
Independentemente da escrita pouca madura de Dot Hutchison, esta é uma história que o prenderá pela curiosidade. São muitas as pontas soltas capazes de o fazer refletir: a personalidade do Jardineiro, dos seus filhos e, sobretudo, das meninas que representam as borboletas.
 
Ao mais astuto não faltarão as questões perante algumas atitudes e condutas por parte das raparigas, mais especificamente, a personagem principal, Inara.
Com é possível, perguntariam, uma jovem violada constantemente, entregar-se de ânimo leve ao filho do Jardineiro? Em que o sexo com ele chega a ser "(...) divertido."?
 
É possível sim. A Psicologia poderá explicar isto com base em duas Síndromes similares: A Síndrome de Estocolmo (simpatia gerada na vítima pelo abusador) e a Síndrome de Lima (inversamente, o abusador desenvolve sentimentos de afeto pela vítima). O ponto alto deste livro, pessoalmente, é que é possível interpretar e localizar as duas síndromes na história.
Há, no entanto, um objetivo particular na Síndrome de Estocolmo: a adaptação psicológica para a sobrevivência. É neste ponto que a complexidade humana só se vem a comprovar através das aparentes distorções de conduta numa situação de extrema pressão psicológica.
 
«O Jardim das Borboletas» é esse retrato fiel de um cenário macabro e as tentativas inconscientes e (aparentemente) distorcidas de um grupo de jovens a quem o destino lhe reservou a pior história.
Mais do que a história em si, recomendo o livro de Dot Hutchison sobretudo pelo alarme à complexidade do ser humano que não pode, nem deve, ser desconsiderada.
 
 
Esta leitura contou com o apoio:
 
 
 
Boas leituras,
 

[Ainda sobre a] Humidade

quinta-feira, 21 de setembro de 2017


O conto que dá título ao livro do brasileiro Reinaldo Moraes continua a dar-me que pensar. Esse em particular. Um Liminha que se apaixona perdidamente por uma Mariana. Porque ela é linda de mais. É encanto. É samba em dias de Inverno. É luz que lhe escurece as entranhas. É a esperança da carne. É um tudo e um nada. Um olhar distraído que lhe compra a atenção toda.

Este conto pergunta-me qual será então a verdadeira motivação de um amor que já nasceu - aparentemente - mas sem se materializar em si mesmo. Como pode? Afinal que gatilho ativa esse estado que todos invejam, que todos temem, que todos querem como animais desemparelhados?

Qual será a verdadeira essência? São os olhos? São as ancas? São as promessas de um fogo que desperta lá por baixo, sobe e inflama tudo o resto? O que é Liminha? Que tinha a Mariana para dar cabo de ti até ao fim?
 
Muito bom.
Para ler. Para reler. Para divagar.
 


A (Dis)funcionalidade do Amor

domingo, 17 de setembro de 2017


Amar é sofrer. Para evitares sofrer, não deves amar. Mas, dessa forma vais sofrer por não amar. Então, amar é sofrer, não amar é sofrer, sofrer é sofrer. Ser feliz é amar, ser feliz, então, é sofrer, mas sofrer torna-nos infelizes, então, para ser infeliz temos que amar, ou amar para sofrer, ou sofrer de demasiada felicidade - espero que estejas a perceber.
 
Woody Allen



As nossas almas na noite (Kent Haruf)

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Tudo começa quando Addie, de setenta anos e viúva, se cansa de passar as noites sozinha.
As noites custam a passar e o vizinho Louis, também ele sozinho, parece ser a companhia certa. Num compromisso vago, numa espécie de logo se vê,  aceita a sua proposta: "(...) passar a noite. E conversar."
 
Das noites surge uma ligação muito especial. A partilha de uma cama de conversas durante a noite ditará uma proximidade de quem aos poucos se liga pelas parecenças da solidão. Essa ligação é amizade que cresce, amor que solidifica e saudade que transforma.
 
Com o passar das semanas, as noites parecem já não bastar. Então, sem medos, assumem essa amizade capaz de vencer mexericos e atritos de vizinhos, também eles, ansiosos e expectantes de sorte parecida.

O livro de Kent Haruf é uma lufada de esperança e a certeza de que o amor é descarado, num sentido de humor muito próprio e cujos caminhos serão sempre como Deus: misteriosos.

Mais do que uma história de amor, este livro obriga-nos a refletir sobre as fragilidades da terceira idade, a perda e o luto, as condutas politicamente corretas, seja lá o que isso signifique, e o poder da família em estreita batalha com as vontades próprias.

Estará uma pessoa mais velha condenada às convenções dos mais novos? Estará a pessoa mais velha incapaz de amar e viver como quiser porque a vergonha perante os outros tem de imperar?
Acredite quando lhe digo que Kent Haruf o obrigará a refletir profundamente sobre estas questões, sobre o poder do amor, da solidão e das segundas oportunidades para quem não sabe, nem quer, desistir de viver.


Recomendo com ambas as mãos e mais houvessem.
Boas leituras.


 
Um leitura:

A Estrada Subterrânea (Colson Whitehead)

quarta-feira, 6 de setembro de 2017


 
«A Estrada Subterrânea» de Colson Whitehead, vencedor do Prémio Pulitzer 2017 e o National Book Award 2016, ambos para ficção, conta-nos a  história de vida dos antigos escravos numa plantação  de algodão no estado sulista da Georgia, centrada na jornada de uma jovem mulher, Cora.
"Cora é uma jovem escrava numa plantação de algodão. Parece-lhe impossível fugir ao seu destino sombrio. Até que ouve falar da estrada subterrânea."
Cora, cujo pai morreu ainda antes dela nascer e cuja mãe a abandonou, também ela para fugir, é solitária, peculiar e determinada. Nunca lhe parecera possível escapar do destino cruel em que vivia, no entanto, a chegada de Caesar à plantação, muda-lhe o rumo. A estrada subterrânea surge como a possibilidade de uma fuga tantas vezes idealizada.
 
A título de curiosidade, não há, na verdade da História, uma estrada subterrânea propriamente dita. O que naquele tempo se emergia perante a vida pautada de crueldade para com os escravos, era uma rede de apoio através de vários abolicionistas que, contra todo o sistema, facilitavam os meios possíveis para a fuga dos escravos que decidiam fugir, arriscando eles próprios a sua vida. Entre negros e brancos.
 
O autor refere-se a esses caminhos de uma forma sublime e quase fantástica. Há uma salvação em cada estrada subterrânea, uma esperança que se estende até à próxima paragem, incutindo-lhe características tão específicas que, até ao leitor mais desatento, não as esquecerá. Tornam-se reais pela força, provável, de se quererem verdadeiras.
 
É nesse misto entre a ficção e a crua realidade da escravidão, que Whitehead nos aflige, nos inquieta e nos obriga a refletir sobre um período na história do qual, de alguma maneira, todos nós fazemos parte.
 
Cora representa uma época: o martírio de quem suporta uma vida pautada por abusos, uma desumanidade que nos dói crer e depois, o sonho e a esperança. O amor também.
 
"(...) é algo em que qualquer escravo está sempre a pensar: de manhã, à tarde e à noite. A sonhar. Todos os sonhos são de fuga, mesmo que não pareçam."
 
Numa escrita que apavora, com a mestria de nos transferir, de rajada, para um outro tempo, assusta e prende. Afinal, poderá Cora ser verdadeiramente livre depois de tamanhas provações?
Um livro que reúne um pouco de cada coisa em si mesmo: é um romance, é uma fantasia e é, acima de tudo, uma viagem. Uma viagem de quem foge para se tentar encontrar lá mais à frente.
Cora é, indubitavelmente, uma personagem da literatura que ficará para sempre.
Leia. Conheça. Depois diga-me de sua justiça.

Que livro lindo.
 
 
 
Com o estimado apoio:

Oh! Love, love!

terça-feira, 5 de setembro de 2017

 
Já tinha saudades da Sarah.

Enredados

domingo, 3 de setembro de 2017



Não conseguimos alcançar uma rede como a deles.
Em nós a vida acontece num corrupio agitado, feliz, de quem conta as horas ausentes.
Tens o cheiro dos Domingos, seja Segunda, seja Terça.
Não conseguimos alcançar uma rede como a deles.
Eles que mostram segmentos rotineiros de vidas, aparentemente felizes. Há um tempo para tudo lá, desde a cozinha tradicional ao novo corte de cabelo. Há também espaço para ovações de uma vida espiritual rica, consistente, de mão dada com o coração sempre sintonizado. Na rede. Sintonizado na rede.
Onde é que eu ia? Nós: as horas passam e o entusiasmo cresce na medida da ausência que morre, cada vez mais próxima de ti. Para te tornar a ver, com olhos de ver. É o chegar a casa, a reclamação do sofá, da almofada, do gato que nos mia. Também ele te reclama.
Os livros caem no chão.
Sem arnês. Sem redes.
Como nós.
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