Mágoas da Escola (Daniel Pennac)

domingo, 23 de junho de 2013

A leitura deste livro, leve na escrita, forte no conteúdo, proporcionou-me momentos de verdadeiro fascínio. Lamento, como em muitos outros casos, não ter tido a oportunidade de o ler mais cedo, contudo, veio a tempo para integrar esta eterna escola de vida que todos nós frequentamos. Com mais ou menos vontade. Mais ou menos empenho. Mas estamos aqui como resultado de uma escola passada sob várias perspectivas, ângulos e memórias.
Quando o autor refere "Estatisticamente tudo se explica, pessoalmente tudo se complica" somos lançados para o grande centro de tudo o que nos pretende transmitir: o aluno como ser individual, muitas vezes embrenhado em turmas de 30 alunos e proclamado, constantemente, no plural ao invés de o ser feito no singular. Na primeira pessoa. Com qualidades. Com defeitos. Com os atrasos. Com os progressos. Com as singularidades de estudante.
Baseado na própria experiência do autor, também ele considerado um "cábula" quando era mais novo, é possível com esta leitura entrar na comunidade escolar através do olhar criterioso do autor e analisar conscientemente a importância vital da escola. Analisar o sofrimento do «mau aluno». É uma abordagem que foge à regra, no sentido em que comumente se pensa o «mau aluno» como o desmotivado, desinteressado e causador de 98% dos problemas que circundam a escola.
É possível conhecer a visão do «mau aluno» e o sofrimento que muitos deles carregam juntamente com o peso dos livros na mochila. A dúvida, a incerteza do não ser capaz, a questão premente sobre até que ponto valerá o esforço quando todos os professores sabem que «não sou capaz». O melhor mesmo é arriscar com um «não quero saber disso!» bem treinado nas palavras, a alto e bom som. Mas... isso o quê? O que é, afinal, esse «isso» que tantos «maus alunos» proclamam à boca cheia, certos da sua certeza, mas incertos na sua definição? É assim... uma bola de neve que começa a crescer, e a dor. Lá bem do lado do coração.
Com base em tantas dúvidas há a procura de um sofá que dê conforto e, simultaneamente, que seja berrante. Que seja colorido e que permita chamar a atenção porque já que o «mau aluno» nada mais pode fazer, pode sempre destacar-se por outra coisa qualquer que para quem sofre, logo está à mão de semear. Encham-se as mãos e sejamos maus, com muitas crueldades para lançar, dentro e fora. Um grito ausente ao sofrimento da certeza por alguém imposta do «não ser capaz». Como Pennac o refere: "O nascimento da delinquência está no investimento secreto de todas as faculdades da inteligência na astúcia".
Falar é fácil, é sempre fácil. Mas na verdade eis que surge O professor. O que é capaz de ver para além dos cadernos pretos que nada escondem. O professor que se destaca pela sua singularidade, pela sua vontade de aprender porque, afinal de contas, o fascínio numa sala de aula acaba por nascer desse fascínio do saber, mais do que propriamente no saldo, exacto e correcto, do que foi ensinado. "(...) conheces a diferença entre um professor e um utensílio? Não? O mau professor não tem conserto".
E depois, bem, depois há algo a acrescentar a toda esta análise e que me parece a cereja no topo do bolo: a distância entre um aluno perdido e o professor, que muitas vezes sem saber, poderá salvar-lhe a vida. A tudo isto se junta uma palavra que o cábula fez questão de, muito receoso, falar sobre ela:
"Há um método? (...) Não falta métodos, o que mais há são métodos! Os professores passam o tempo a refugiar-se nos métodos, quando, no fundo, sabem perfeitamente que o método não basta. Falta-lhe qualquer coisa.
- Que é que lhe falta?
- Não sei dizer.
- Porquê?
- É um palavrão.
- Pior que «empatia»?
- Sem comparação. Uma palavra que não pode ser proferida numa escola, num liceu, numa faculdade, ou seja em que sítio for, deste género.
- Ou seja?
- Não, realmente não posso.
- Andá lá!
- Não posso, é como te digo! Se disseres esta palavra falando de instrução, és linchado.
- ...
- ...
- ...
- Amor."
 
Por muito fácil que falar seja, em certos casos, sobre a escola e os «maus alunos», é possível, na verdade, fazer mais e sobretudo, olhar mais. Olhar com o coração.
Foi a isto que Daniel Pennac se propôs: com a sua própria experiência tornou-se ele professor, adquirindo uma sensibilidade que lhe moldou a percepção da escola e dos alunos perdidos. Perdidos como o próprio autor um dia esteve, mas com a certeza de que poderia vir a deixar de estar.
 
 
"Cada aluno toca o seu instrumento, não vale a pena contrariá-lo. A delicadeza está em conhecer bem os músicos e encontrar a sua harmonia".
 
 
 
Um livro verdadeiramente notável sobre o mundo escolar e muito para lá dele. Recomendo vivamente!
 
 
 
www.wook.pt: Em Mágoas da Escola, Daniel Pennac aborda os problemas da escola e da educação desde um ponto de vista insólito - o ponto de vista do mau aluno. Pennac, que foi ele próprio um péssimo estudante, analisa a figura do cábula outorgando-lhe a nobreza que merece e restituindo-lhe a carga de angústia e dor que inevitavelmente o acompanha.
Misturando recordações autobiográficas e reflexões acerca da pedagogia e das disfunções da instituição escolar, sobre a dor de ser um mau estudante e a sede de aprendizagem, sobre o sentimento de exclusão e o amor ao ensino, Daniel Pennac oferece-nos, com humor e ternura, uma brilhante e saborosa lição de inteligência.
Mágoas da Escola é um livro único e irrepetível, que todos os pais e todos os professores não podem deixar de ler - e dar a ler.

Fio Solto (Dennis Cooper)

terça-feira, 18 de junho de 2013


Dennis Cooper escreve um livro envolto numa violência tão esmagadora, que é impossível deixar o leitor indiferente perante o mesmo.
A homossexualidade é o ponto central do livro. A adolescência é o cenário que abraça a dúvida, a confusão, o receio dessa mesma homossexualidade vivida intensamente, mas nunca assumida. Ou estranhamente assumida.
A violência e crueldade, bem ao jeito de «Columbine» é, na minha opinião, o que mais se destaca no livro. Uma mente desequilibrada que começa a destacar iludidas prioridades, que não o são, afinal de contas. Há uma distorção plena de conceitos, uma moralidade distorcida na própria pele em que, forçosamente, o resultado não poderá ser feliz. Para ninguém.
O trabalho de Dennis Cooper é centrado nesta temática reforçando, globalmente, a questão do preconceito face à homossexualidade e os consequentes crimes de ódio.
Numa era em que tanto se fala de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, co-adopção, entre outra questões, dou comigo a pensar sobre até que ponto está realmente o mundo aberto às novas mudanças e o quanto o preconceito ainda prevalece…

 
Realço este livro sobretudo pela pertinência da temática, do preconceito e da violência entre os jovens. Uma boa aquisição.
 
 
www.wook.pt: Larry is a teenager wrestling not only with his sexuality and his physical relationship with his brother, but with the very point of his existence. When a senior pays him to kill a fellow pupil and retrieve a notebook, it seems simple, but once he delves into the notebook, complications arise.

Servidão Humana (W. Somerset Maugham)

sábado, 15 de junho de 2013


 
Livros do Brasil, Colecção «Dois Mundos», eis a edição que tenho deste livro. O mais interessante foi o dia em que o comprei, o lugar mágico e a data escrita no livro, por alguém desconhecido, a tinta azul clara: “Dezembro, 1933”. Alguém o leu nessa altura. E agora, foi a minha vez. Estamos a falar de um livro verdadeiramente velho, num estado de degradação enorme e com aquele típico, e fantástico, cheiro a velho. Um livro já com uma história ainda antes de o abrir.
Introduções à parte, feliz de mim por ter aberto este livro que já se ia perdendo (mais ainda!) no tempo e na minha estante. Estamos, de facto, perante um livro digno de obrigatoriedade a todo o leitor digno, que se preze como tal.
Philip retrata um pouco daquilo que há em todos nós. Em qualquer momento da vida existiram dúvidas sobre o chão que pisamos, sobre o papel que assumimos e sobretudo, sobre as pessoas que nos servem de modelos, ou que supostamente nos deveriam amparar. E não o fazem. Não o fazendo, surgem novas ambições, novas muralhas, novas percepções de uma vida outrora mal arquitectada.
É assim, numa jornada intensa, que assistimos às dores e anseios de Philip. Aos medos e ambições que se vão misturando, ora numa esperança vã, ora numa repulsa constante que assegura o lugar estático do coração. Para não doer mais. Para cegar e seguir em frente.
Viver. Viver assim e porque sim. Livre. Viver mais além, num futuro que se avizinha, só amanhã. O amanhã é um comboio que anda, depressa, que não estanca em nada que possa trazer alguma mágoa, como o passado assim fez. Para Philip a vida acabou por se deixar tornar numa triste soma de passados e congelar um presente, iludido na esperança de um futuro isento de qualquer dor. Haverá maior sofrimento do que viver livre, eternamente procurando o sentido dessa mesma liberdade? 
O sentido. É porque no meio dessa ambicionada liberdade, alcançada numa digna jornada, Philip encontrou o que faltava dar sentido a tudo isso…
O amor.

 
Um livro para falar dele a toda a gente!
 
 
 
www.wook.pt: Servidão Humana é um dos romances mais emblemáticos do século XX e a obra-prima de Somerset Maugham. Esta narrativa clássica de entrada na idade adulta conta a história de Philip Carey, alter ego do autor na sua juventude, dividido entre o fervor religioso da família e o desejo de liberdade que os livros e os estudos lhe dão a conhecer. Na sua ânsia por independência e aventura, Philip sai de casa em busca de uma carreira como artista em Paris. Mas os seus planos vão ser postos em causa quando se apaixona perdidamente pela mulher que mudará a sua vida para sempre.
Relato inigualável sobre o poder do desejo e da sede de liberdade do homem moderno, Servidão Humana coloca-nos friamente perante a nossa própria visão da vida, as nossas dúvidas e o poder transformador das decisões.

Citação

terça-feira, 11 de junho de 2013




 
 
 
"A saudade é a memória do coração."
(Coelho Neto)
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

A Fera na Selva (Henry James)

sábado, 1 de junho de 2013



Destino. Palavrão feito de papas na língua que mais não passam do que isso mesmo: promessas de um amanhã que acaba por nunca chegar. Muita treta para pouca acção. Medo. Cegueira brutal. Insanidade ao mais alto nível. Efeitos secundários da ilusão, esse vestido de que por vezes é feito esse destino, oh, tão desejado destino. Que trará ele na manga, amanhã? Será amanhã que tudo isto vai mudar? É que não vejo nada.  John Marcher nada vê, mas continua nessa busca, insana, nessa visão profética, quase, da fera que saltará da selva. Um dia. Um dia. Um dia. Num futuro que o destino trará, assim. Porque sim. Enquanto deambulas pelas ruas cinzentas de Londres, ou enquanto sonhas acordado com a servidão estranha de May. Amor? Escravidão? O que foi aquilo tudo, afinal? Foi o destino a trabalhar? Destino. Ou, o amor é uma boca que cala perante olhos fechados. Será, May? E a entrega que o amor implica? O amor também se zanga. Mas há o ...
Destino. Destino. Destino. E há que esperar por ele.
E depois, ausência do destino? Um olhar. Uma confirmação desse tempo congelado e tudo muda. O destino sempre lá estivera, barro por moldar, folhas por escrever, o destino estivera lá. John Marcher, de tanto procurar, adormeceu num egoísmo incapaz de encontrar 1cm para lá do próprio umbigo. Nesse cobiçado comboio do destino descobriu, depois da sua passagem, que o coração está lá e pode quebrar.
 
 
 
Recomendo.
 
Quem já leu? O que acharam? :)
 
 
 
Ao som de: Aqualung "Brighter than sunshine"
 
 
 
 
 
www.wook.pt: O destino é uma fera na selva, que prepara o salto para nos atacar quando menos esperarmos. Pelo menos é isto que John Marcher acredita que o seu particularíssimo destino lhe reserva. Algo de avassalador, como um terramoto, algo que o distingue e que torna a sua vida - à espera do salto da fera - diferente da de todos os outros mortais… Esta pequena novela de Henry James, justamente considerada um dos momentos mais altos da sua obra, trata os temas universais do amor, da solidão, da morte e do sentido da vida de uma forma surpreendente e inesquecível para qualquer leitor que se tenha alguma vez cruzado com ela. Tal como foi o caso de Patrícia Reis, que assina o prefácio em forma de carta ao autor desta e de muitas outras obras que a marcaram. Uma pérola, um clássico e uma meditação sobra a vida e a forma de a ganharmos ou perdermos nos gestos e nos sentimentos de cada dia.
 
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