Jó: romance de um homem simples (Joseph Roth)

terça-feira, 22 de setembro de 2020

Foi a minha estreia com Joseph Roth e não poderia ter corrido melhor. Gostei muito deste que é, na semelhança do título, um livro simples. E quem minimiza a simplicidade talvez não entenda que abarca em si as mais importantes grandezas da vida. 

Na história de Mendel Singer, judeu, homem simples, professor e pai de família, vive os seus dias na rotina e de quem já pouco pede de novo. Espera o nascimento do seu quarto filho, o Menuchim. Mas contra tudo e todos, a quem sempre fora brindado com filhos fortes e saudáveis, Menuchim parece ter um atraso de desenvolvimento severo, as palavras não se formam, nem tão pouco lhe saem corridas pela boca fora. Isso é motivo de preocupação e da dúvida que a fé rejeita sempre. Nessa tristeza, Singer acaba por se afastar da mulher, Deborah, a quem deixou de desejar, como se o amor entre ambos fosse mau agoiro, como quem previne.

Joseph Roth escreveu uma história sobre o poder da fé e os milagres que acontecem, sempre, pelas caminhos menos esperados, precisamente aqueles que rejeitamos à partida, convictos de que temos algum poder sobre as leis do Universo.

É também a jornada de uma família que larga tudo, em busca de um futuro melhor e procurando proteger a filha mais nova das tentações a que sucumbe sem olhar para trás. Partem para a América, vão ter com o filho que lá prospera. Cá, fica Menuchim, pela deficiência e pelo fardo que não podem suportar.


Lembra-se quando referi que o poder da fé e o milagre como resposta surgem sempre pelo caminho menos esperado? Pois bem, leia este pequeno livro e permita-se a acreditar um pouco mais, sem arnês, nas infinitas possibilidades que a vida nos dá. Há um milagre em cada esquina. Basta saber olhar. Olhar um pouco mais, desacreditar um pouco menos. 

Mendel Singer é disso exemplo.

 

Um livro ideal para restaurar a fé, tantas vezes perdida nos afazeres de uma vida tão cheia e tão vazia.

💓

Seja feliz,


Longe do Paraíso (Sacha Sperling)

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

 

 Hoje falo-lhe de um livro que não gostei mas que, ainda assim, pela temática que traz, acaba por se tornar relevante.

A escrita de Sacha Sperling é pouco desenvolvida, é crua e vai direta ao ponto, por vezes, até de mais. Talvez se possa ajustar mais ao público adolescente, contudo, a estrutura narrativa não me convenceu de todo.

Escrevo sobre ele pela relevância da temática que o autor aqui imprime: o desamparo na adolescência e a pornografia como caminho possível. Falamos aqui de Mona, uma adolescente muito bonita e integrada num contexto familiar de abandono, de descuido e de muitas faltas. Ela rouba, muitas vezes por despeito, sente-se dona de um mundo que sabe que irá conquistar.

Também a personagem não me convenceu mas sei que, creio que tenha sido intencional, a pessoa de Mona é um conjunto trabalhado na sequência de tudo aquilo que lhe vai acontecendo. A adolescência, por si só, uma das fases de desenvolvimento mais difíceis, é terra fértil à sensação de desamparo e de incompreensão.

Assim, Mona começa a perceber o seu corpo como a via para sair de um mundo que não gosta, que repele e rejeita estando para isso preparada para arriscar tudo. Quando digo tudo é o mais fundo dos limites que possamos pensar. A pornografia torna-se o meio para atingir os seus fins distorcidos.

Como já disse, nada me convenceu nesta que considero uma história mal escrita, mal construída e com um desfecho cheio de pontas soltas e muitos milagres de que a boa escrita não é feita, de todo. 

Ainda assim, pesa aqui a reflexão que fiz após a leitura sobre um tema que, nós, adultos, desejamos evitar porque é inconveniente e, acima de tudo, muito triste. Até onde estão quebradas as nossas crianças? Numa época em que mais se registam perturbações mentais nas crianças e nos adolescentes, este mundo retratado pelo autor deveria empurrar-nos para questões que estão tão mal resolvidas e que carecem, urgentemente, de um olhar mais atento.

Falo das famílias disfuncionais, falo de pais e de mães que não estão preparados para o desafio de cuidar de uma criança e orientar-lhe os passos. O resultado só pode ser desastroso e se, também como eu, o leitor não simpatizou com Mona, assim à primeira vista, é precisamente porque ela é o resultado de muitos dias de abandono, de maus tratos que culminam naquele abismo de que, quanto mais se olha, mais depressa se entra nele.

E quando se sai, os danos de um mundo sombrio que nenhuma criança deveria conhecer, ficaram na pele para todo o sempre.


"Pouco me importa quem adormece ao meu lado, acabo sempre por sonhar sozinha."

 

 Boas leituras!

Seja feliz,


Uma terra distante (Daniel Mason)

domingo, 20 de setembro de 2020

Se aquando a leitura de «O Afinador de Pianos» percebi a beleza e sensibilidade da escrita de Daniel Mason, agora, com este seu «Uma Terra Distante», solidifiquei essa certeza. O autor escreve com o coração nas mãos e engane-se o leitor que isso signifique uma escrita cheia de floreados. É o contrário, é uma escrita tão limpa e verdadeira que não precisa de mais nada para emocionar.

Em «Uma Terra Distante» conheceremos a história da inesquecível Isabel, uma menina com uma intuição muito afiada, uma consciência expandida para lá daquilo que (ainda) consideramos anormal:


"(...) a mãe explicou-lhe que havia certas pessoas para as quais não era tão grande a barreira entre este mundo e o outro."

⃟ 

E assim é Isabel, com os sentidos à flor da pele e um coração que lhe orienta os passos. Aqui conheceremos a história de vida desta menina de 9 anos de idade e acompanharemos o seu crescimento até se tornar numa adolescente mais espigada. A família, assim como todos os vizinhos, vivendo numa região muito sacrificada e castigada por grandes secas e pela miséria que daí resulta.

Quando o irmão, um sonhador e apaixonado por música, decide largar tudo e viver na cidade, Isabel sente-se perdida. A relação que tem com o irmão transcende todas as coisas e por isso mesmo, talvez na força do destino que só Deus conhece, mais tarde, os pais cada vez mais fragilizados pela pobreza, mandam também a menina para a cidade, para viver com a prima Manuela e, assim ajudar a família e salvar-se também a ela.

Nesta jornada acompanharemos as agruras, os desafios que uma menina pequena como Isabel terá de atravessar. E fá-lo com a determinação dos que têm fé. Dizem que a fé é a crença naquilo que não se vê e não há exemplo melhor que caracteriza essa proeza como esta caminhada de Isabel na busca incessante pelo seu irmão, entretanto desaparecido.

São muitos os que falam nas coincidências para justificar ou explicar trechos da vida que não se explicam. Assim é o reencontro lindo de Isabel com o seu irmão. Poderia contar-lhe tal qual como foi mas, acredite, este é um dos finais de um livro mais bonitos que alguma vez tive a oportunidade de ler.

Um livro sobre o poder da dor na mistura da fé que nem sempre se encontrar e, por fim, o sonho nas mãos como resposta, como uma promessa.

 

"É assim que as coisas são? Sempre, toda a vida, um mundo de pessoas a quererem saber o que vais ser, qual é o teu ofício e qual é o teu objectivo? (...) eu rir-me-ia desse género de pessoa que viva sempre no futuro." 

⃟ 

 

Tenho sido feliz nas leituras. Mais um livro de enorme sensibilidade que hoje lhe recomendo, e sem reservas.

 

💗

Seja feliz,


Nô e eu (Delphine de Vigan)

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

«Nô e eu», de Delphine De Vigan, conta-nos a história de amizade improvável entre Lou e Nô. Lou é uma adolescente de 14 anos, sobredotada e com alguma dificuldade ao nível das competências sociais, isolando-se no seu próprio mundo. Nô é uma rapariga sem-abrigo, de 18 anos de idade.  

Dizem muitas vezes que a beleza da vida é a sua imprevisibilidade. Dizem que a vida pode mudar de um momento para o outro e mesmo sabendo disso tão bem, a nossa tendência é desacreditar. Mas quando esses momentos despertam, levando-nos a rotina dos dias, então sim, sabemos que a vida nos quer mostrar alguma coisa. 

É o que acontece quando o professor a relembra de um trabalho de investigação e ela, do nada, aponta o tema dos sem-abrigo, tentando levar à turma um conhecimento mais alargado daquela realidade. É também num desses acasos que nunca o são, que conhecerá Nô, perdida na estação de comboio, com uma bagagem que não a leva a lado nenhum a não ser a um canto qualquer reservado da rua onde possa viver os dias.

Assim nasce uma amizade feita de contrastes, revelando aqui a fase da adolescência como a única em que somos capazes de nos sentirmos heróis, o sangue que pulsa agitado nas veias e nos assegura que podemos mudar o mundo, que podemos mudar tudo aquilo que, aos nossos olhos, está errado.

A personagem Lou é memorável. É uma adolescente que caminha com um sonho em cada pé, firme na  certeza de ter um lugar no mundo que faça a diferença, que se importe, que lute, seja lá o que isso for.

Ao longo desta belíssima e comovente história, o leitor terá a oportunidade de olhar mais de perto para as agruras de não ter onde viver, da bondade, do poder da família, da amizade e do amor.

No fim, Lou aprenderá a sua lição de vida. Porque é muito isto o que acontece nestas páginas: uma jornada de auto descoberta no reflexo do outro, pois será sempre no contraste de não nos sabermos sós, que podemos crescer entre semelhanças e diferenças daqueles que nos rodeiam.

Nas suas muitas reflexões filosóficas e crises existenciais, Lou, ponderando sobre o «Principezinho» chega a uma conclusão que retrata, na perfeição, a lição de vida que Nô lhe deixou:

 ⃟

"Se calhar é só isto que conta, se calhar basta-nos encontrar alguém que possamos guardar no coração."

  ⃟

Há pessoas que são lições. Assim é a amizade de Nô, uma espécie de bagagem que enche a mala de Lou, como quem a prepara para esse mundo dos adultos, em que nada é feito desse preto e branco tão tranquilizador. Que a vida é tudo menos essa conta certa, antes um mar de eternos cinzentos, uns mais claros, outros menos.


Um livro indicado para todos, não apenas para os adolescentes. Um livro que é um lembrete sobre o poder de alguém na nossa vida, como um marco que nos divide a sua chegada entre o «antes» e o «depois» de nós mesmos.


Com o apoio:


Seja feliz,


Jezabel (Irène Némirovsky)

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

  Poderá conter spoilers (e muito suspense!)
 
Considerado um dos romances mais importantes de Irène Némirovsky, «Jezabel» é uma história sobre o egocentrismo desmedido, quase patológico de Gladys Eysenach, mulher rica, acostumada desde sempre a uma vida de luxo, de beleza e de galanteio.

Ao longo do livro uma das personagens chamará Gladys de Jezabel, cujo título esconde a personagem bíblica da Rainha Jezabel, conhecida pela sua maldade, preversidade e domínio sobre o marido, Acabe. Na Bíblia, era uma mulher conhecida pelo seu fanatismo religioso, impulsiva e violenta. 
 
Esta associação não surge ao acaso, comprovando uma vez mais a forte influência da relação conturbada da autora com a sua própria mãe. Em «Jezabel», Gladys foi tida, ao longo de toda a vida, como uma mulher fascinante, de enorme beleza e rica, porém, aos sessenta anos de idade é acusada de assassinato de um jovem, considerado por todos o seu amante.

Este é o cenário que o leitor encontrará logo nas primeiras páginas. A autora aguça-nos a curiosidade quando nos coloca o desfecho desta personagem sem que se lhe conheça o princípio das coisas. A leitura torna-se frenética, movida pela curiosidade do que terá levado Gladys, mulher tão distinta, a cometer um crime de tal magnitude. 

E é nesta fase, sem rodeios, que a vaidade e o egocentrismo desta personagem o deixará de boca aberta. Gladys tem um medo gigantesco de envelhecer. Pautou, desde sempre, a beleza como marco do seu sucesso junto dos homens, a quem sempre lançou olhares atrevidos, como quem conquista quase sem querer.

"Que agradável era ver um homem aos seus pés... Que havia de melhor no mundo do que o nascimento deste poder de mulher?"

Frívola, fútil, egocêntrica, casou por conveniência mas quis o destino que o seu marido rico morresse. Dessa relação, nasce uma filha, com quem manterá uma relação conflituosa, determinada pela recusa da mãe em ver a jovem crescer. O amadurecimento da filha, a beleza da mocidade, entram em contraste com o seu próprio declínio e isso, Gladys não consegue aceitar.
 
Na barra do tribunal saberemos que a filha morreu quando jovem. Descobrir o motivo desta morte desvendará, ao leitor curioso, todo o percurso absolutamente intragável de uma mulher pequena, numa espécie de infantilidade grotesca. 

Quando a filha se apaixona perdidamente e é pedida em casamento, a mãe, assustada com a aproximação veloz da sua velhice e incapacidade de seduzir quantos homens quisesse, nega-lhe o casamento. Pede-lhe um adiamento de três anos. E há um motivo nisso. O confronto com o crescimento da rapariga confirmará à sociedade a mentira que sempre teceu sobre a sua idade, retirando-lhe sem pejo dez anos. Viveu os 40 como tendo 30 e assim sucessivamente, mas o tempo passava no reflexo da filha e quando esta engravida, há todo um explodir de pequenas catástrofes em cadeia empurrando-a para onde se encontra agora, em tribunal, como arguida.
 
O que terá acontecido? Quem seria aquele jovem assassinado? 

Irène Némirovsky é uma das minhas autoras preferidas de sempre. Em «Jezabel» comprova, uma vez mais, a mestria para contar histórias sobre a complexidade humana e até onde se permite ir em prol dos pensamentos fúteis que levam tudo à frente, deixando para trás aquilo que realmente deveria impor-se: o verdadeiro amor, o verdadeiro afeto. Aquelas coisas tantas vezes subestimadas num contraste doente pelas aparências de um bom corpo, de uma cara ausente de rugas.


Um dos melhores da Irène. Gostei imenso e só posso recomendar.

 

Uma curiosidade que me aconteceu enquanto escrevia este texto: através da simpática Bárbara (conheçam o trabalho dela, aqui ) fiquei a saber que há um outro livro da autora publicado cá, pela Sistema Solar, «O Caso Kurílov». Todas as minhas pesquisas incidiam nas editorias Relógio d'Água e Cavalo de Ferro pelo que não conseguem imaginar a minha felicidade neste momento. Bárbara, obrigada mais uma vez! : )

Seja feliz,


A ler Jó

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

"Quando rezava, afundava a cabeça nas mãos mais tempo do que habitualmente, como se criasse as suas próprias noites, para nelas enterrar o medo, e as suas próprias trevas, para nelas, ao mesmo tempo, encontrar misericórdia."

 

Joseph Roth | Jó, Romance de um homem simples 


Seja feliz,



Até ao fim da terra (David Grossman)

terça-feira, 15 de setembro de 2020

 
Escrever a beleza da dor é algo que, à primeira vista, nos pode parecer difícil ou até impossível. Se é dor, a beleza parece ficar instantaneamente de lado. Mas David Grossman transforma a dor de uma mãe numa jornada de verdadeira beleza.
 
"Até ao fim da terra" é uma história de amizade, de amor, de família e, nessa mistura, o poder do passado que não se apaga, que prolifera pela vida toda, dando forma sólida ao que virá.

Acompanhamos a história de Ora e a amizade inesperada e eterna com Ilan e Avram, em contexto de guerra. Ilan tornar-se-ia o seu marido, anos mais tarde, com quem viria a construir a sua família. A amizade criada num passado que nunca deixou de o ser, guarda-os para sempre num fio que, independentemente das agruras da vida de cada um, jamais os separará. Estão unidos para sempre e é essa união que dá forma a uma das histórias mais bonitas que já li.

"Dá-me a mão, depressa. 
Mas temos autorização? 
Não sejas palerma, dá lá. 
Não, não percebeste, é por causa do isolamento. 
De qualquer maneira já fomos contagiados. Mas talvez... 
Dá-me lá a tua mão!"

Quando o filho de Ora, Ofer, decide voluntariamente alistar-se novamente ao exército, quando para ela já se reservava ao direito de festejar a sua desmobilização, não aguenta o peso da notícia. Transtornada ainda pelo divórcio recente com Ilan, e como quem se rebela, decide também ela partir naquela que seria a viagem de uma vida, sem conforto nem segurança, na tentativa sonhada de sofrer os sofrimentos do filho e assim evitar-lhe a dor. Uma mãe que decide entregar-se a um sofrimento feito de fé e salvação. 
 
Será nesse trajeto que a adolescência passada volta a ganhar forma, assim como os fantasmas que tenta ignorar. Avram, o amigo que a amou assim que esbarrou os olhos nela, ainda adolescente, está igualmente perdido e atordoado pelas mazelas que só a guerra inflige. Ora resgata-o e desafia-o para que ambos assumam a empreitada daquela viagem. Será entre medos, receios e muitas adversidades que Ora e Avram fazem uma sentida homenagem ao passado, arrumando-o nos lugares certos, reavaliando cenários, retomando uma via que assumiram de sentido único. 

David Grossman escreveu um dos romances antiguerra mais bonitos e inesquecíveis. Empurra-nos para o confronto que é imaginar a dor de viver uma guerra e de ver o filho lá, por decisão própria. Depois, lidar com o tanto que não lhe disse, com o passado que esconde segredos que lhe mudarão a vida para sempre.

Adornada por uma escrita de enorme beleza, esta é também uma grande história de amor e de confronto direto com o peso do passado, como quem modelou o que virá, e se na hora H falha a força para encarar a verdade do presente, sempre tão misturada nas histórias passadas, a vida estanca para deixar de ser. É dessa coragem que Ora é feita, quando no pior momento da sua vida, na iminência de perder o filho para a guerra, arregaça as mangas e encara, bem de frente, os seus fantasmas, numa espécie de expurgação de culpas e a humildade de quem espera, por fim, a redenção da alma feita alvoroço.


"E no fim, vais ver, ainda daremos à luz um livro. 
Ela ri baixinho para as estrelas que lhe piscam."
 
 
 💓
 
 
Um dos melhores livros que li este ano.
Leia. Leia já.


Seja feliz,


Book Love (Debbie Tung)

segunda-feira, 14 de setembro de 2020


O título não engana. Este é um livro para todos aqueles em que a literatura, mais do que um prazer entre tantos outros, é um modo de vida. Todos os amantes de livros conseguirão rever-se nas inúmeras situações que a autora retrata. Aqui revemos o drama dos livros emprestados, a dificuldade de lidar com pessoas barulhentas quando aquilo que se quer é ler, a tendência a cheirar os livros como se fossem perfume, vibrar com as personagens como se fossem pessoas como nós e os momentos de desespero quando terminamos um livro que se tornou memorável, entre tantas outras questões que só os leitores com L maiúsculo, orgulhosamente, entenderão.
Uma preciosidade escrita pela mão da ternura que só um verdadeiro leitor revê em si mesmo.
Aliado a tudo isto, o trabalho gráfico da autora é tão bonito que só intensifica os sentimentos de felicidade que, aposto, lhe serão garantidos neste "Book Love".

 

Seja feliz,


Uma pequena sorte (Claudia Piñeiro)

domingo, 6 de setembro de 2020

«Uma pequena sorte», de Claudia Piñeiro, é um convite direto às questões que tanto nos assolam sobre o poder das escolhas, assim como a validade das mesmas, tantas, a durarem uma vida inteira.

É o que acontece com a personagem principal desta história, que nos chega como Mary Lohan, Marilé Lauría ou María Elena Pujo. Na sequência de uma escolha, a vida dela acaba por se ramificar em muitas outras diferentes. Ao longo da leitura o suspense, a dúvida e a curiosidade vão-se adensando na mesma medida em que nos cresce uma compaixão pelo desamparo desta mulher.

Este é um daqueles livros em que muitas vezes afirmo a necessidade de o ler sem qualquer arnês. Com isto quero dizer que existem histórias que resumidas em exaustão, perdem a força. Há um segredo, que por sua vez se torna num confronto que pede uma escolha. Dessa escolha, uma vida inteira muda sem que, no entanto, impeça o passado de voltar certeiro, um ajuste de contas como só Deus sabe preparar.

É um livro bonito sobretudo pela temática que pode, e é, igualmente estendida à complexidade deste mundo em que vivemos, das pressas, dos medos e receios de quem não sabe o que anda a fazer. Porque é isto o que se passa aqui: apesar de não serem, obviamente, todos os leitores a reverem-se numa mulher atormentada pelo passado, há um fio que nos liga a todos. O fio feito das escolhas diárias na nossa vida, aquela voz interior que nos tenta guiar sem, no entanto, deixar de nos fazer questionar a validade dos nossos próprios passos.

As infinitas possibilidades de um gesto nosso têm tanto de belo como de assustador. É uma balança cujo prato nunca saberemos bem o mais pesado, o mais leve. Dizem que é isto viver, saber escolher e assumir o peso das nossas ações. É aqui que Claudia Piñeiro surge nesta história muito crua, muita viva, para nos relembrar que sabermos de antemão das supostas regras da vida, não nos deixa mais sossegados. O coração continuará sempre pesado e a oscilar entre essas duas medidas e o dia em que seremos chamados a contas.


Uma boa surpresa.

Happily Ever After (Debbie Tung)

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

 A descoberta do trabalho de Debbie Tung figura já como uma das melhores do ano. É uma ilustradora inglesa com um enorme sentido de humor por detrás do flagelo da introversão. Só quem é realmente introvertido poderá, mais de perto, identificar-se com as inúmeras situações que a autora coloca na sua história quando se casa e começa a partilhar a vida com o seu extrovertido marido.

É um livro acima de tudo escrito e desenhado pela mão da ternura. Independentemente desse «espaço entre o felizes para sempre», cheio de desafios, dificuldades, cedências e algumas dores de cabeça, há a esperança do amor como resposta, sempre procurado por este que é um casal igualmente inesquecível.

Entretanto, já tive a oportunidade de ler os três livros da autora, tal foi o meu entusiasmo com o seu trabalho. A questão da introversão é basilar e acompanha todas as suas (bonitas) histórias. 


Em breve venho falar-lhe dos outros livros assegurando, desde já, que seja introvertido, ou não, as histórias de Debbie são essenciais no sentido de praticarmos aquela que deveria ser a máxima entre os seres humanos: respeitar a diferença, integrá-la e permitir que todos possamos ser felizes, tal como somos.


Gostei imenso e não será surpresa quando lhe disser que recomendo todo o seu trabalho, sem pestanejar.


Boas leituras e uma boa sexta-feira!

💖

Seja feliz,


Com amor

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Estes livros contam, para mim, as histórias de amor mais bonitas de que tenho memória. Em todos eles há uma sombra, um espaço de tempo para que o amor vá ganhando forma, revelando-se ao jeito que cada um o perceciona, sem falsas ideias de uma perfeição que só estraga.
O amor é alimentado por percalços contínuos, sustentado nas certezas de quem sabe isso mesmo e se ergue para, convicto, separar o trigo do joio.
Como quem prepara a terra dos bons frutos, para lá das agruras do(s) tempo(s).


Seja feliz, 

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