Nada (Janne Teller)

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

O livro da dinamarquesa Janne Teller, recentemente publicado no nosso país pela Bertrand Editora é, numa palavra, desconcertante. Quer queira, quer não, é um livro que obriga a uma profunda reflexão sobre o significado da vida, sobre os propósitos, as jornadas de cada um, os objetivos e sonhos.
Estaremos, de facto, reduzidos a nada?
Quando Pierre Anton  decide que a vida nada mais é do que um nada, isenta de qualquer significado, decide deixar de ir à escola para subir a uma ameixeira a contemplar o nada.
Os colegas da sua turma de 7ºano, intrigados, questionam a atitude do Pierre, que os atormenta lá do cimo da ameixeira com argumentos que se colam nas indecisões de cada um:
"- Se vocês viverem até aos oitenta anos, terão passado trinta anos a dormir, nove anos a assistir às aulas na escola e a fazer trabalhos de casa, e catorze anos a trabalhar. Como já todos passaram seis anos a ser crianças e a brincar, e vão passar pelo menos doze a limpar, a cozinhar e a cuidar dos vossos filhos, só vos restam no máximo nove anos para viverem (...)."
Perante as deambulações de Pierre, os amigos começam a sentir uma necessidade inexplicável de o confrontar, de o contradizer, de encontrar afinal o significado que a vida tem. Tem de haver alguma coisa, forçosamente, a fazer sentido.
É nessa premissa que o grupo de colegas decide, em conjunto, reunir o máximo de coisas pessoais e que muito lhes diga. Coisas essas que devem gritar significado em cada um deles.
 
A pilha de significado, criada e nascida numa serração, é apenas o prelúdio de uma catástrofe iminente. A pressão gerada em cada um deles, a intimidade de verbalizar a importância de uma ou outra coisa, bem como os limites que quebram nessa busca teimosa, torna-se o grande propósito de Teller, na ambição de nos mostrar a quente a frieza de cada um. A pilha aumenta não só em tamanho como na perigosidade que, aparentemente, o significado das coisas tem de ter.
 
Eu repito-me quando digo que este livro é desconcertante. Induz no leitor a urgência de olhar para dentro, de questionar valores, vontades e atitudes. Estaremos, de facto, reduzidos a nada  e, à custa disso mesmo, vivermos iludidos na esperança desenfreada de o contradizer?
 
Através de um grupo de púberes, Janne Teller, cujo livro chegou a ser proibido na Dinamarca, escreve incisivamente, sem dó nem piedade, numa confiança invejável sobre as fraquezas do ser humano, a podridão escondida na sombra de fazer prevalecer vontades próprias.
 
E você, até onde vai para provar ao mundo aquilo em que (supostamente) acredita?
"Pierre Anton tinha ganhado.
Mas em seguida cometeu um erro.
Virou-nos as costas."
Com um fim ainda mais aterrador e inesquecível, e comparado ao brilhante «O Deus das Moscas», Janne Teller figura, agora, como uma autora que irei, com toda a certeza, seguir de perto.
Um credo de tão bom.  
 
Uma das maiores surpresas literárias do ano, recomendo sem reservas.
Partilho um vídeo em que a autora fala um pouco sobre os pontos principais da obra:


 
Boas leituras,

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