O Corpo (Hanif Kureishi)

segunda-feira, 19 de agosto de 2019


Imagine-se idoso, caro leitor. Velho e cansado.
Imagine-se a viver num corpo que se tornou rebelde e desobediente, que não marcha como o desejado, não obedece como o desejado e, o pior, não ousa seguir-lhe os sonhos como outrora. Porque está cansado, descrente, um pouco arrogante até.

É assim que se encontra a personagem principal deste romance do conhecido autor britânico Hanif Kureishi. A premissa é esta: para todas as pessoas que vivem cansadas dos seus corpos, esticados pela idade, existe a possibilidade de o trocar, como quem vai ali aquela loja trocar uma camisa por umas calças.

Dá que pensar, não me dirá? 

Ao longo da jornada deste homem, serão muitas as vezes em que você se encontrará, eu diria, um pouco chocado. Vamos lá ver, não é todos os dias que nos acenam com a possibilidade de trocar de corpo quando a insatisfação impera. Diga-me lá que não pensa o mesmo?

É impossível não projetarmos as dores da personagem em nós mesmos. Sejamos mais velhos ou ainda jovens. Projetar o futuro no corpo que sempre nos acolheu. Como será? Corresponderá, sempre e metodicamente, aos comandos? E se assim não for, como lidar com isso? Com a amargura de um tempo que passa, que nos guarda fielmente memórias de tempos tão frescos, tão jovens para, de um momento para o outro, nos fazer sentir encarquilhados dentro de nós mesmos?

Foi neste embalo desamparado que a personagem de Kureishi encerrou uma aventura para a vida inteira. Numa conversa banal conhecerá o homem que lhe possibilitará mudar de corpo. Escolhe um corpo jovem, capaz, de pénis avantajado e segue a sua vida, numa experiência de pelo menos seis meses. Seis meses ricos em experiências e aparentes felicidades.

Lembra-se de lhe ter apontado a necessidade de, também nós, projetarmos as nossas necessidades quando o assunto é o declínio do corpo? É que ao longo de toda esta história o impacto da velhice e do avançar dos anos é retratado quase comicamente sem, no entanto, espreitar um pouco de mágoa pela inevitabilidada de vida.

A ter de escolher um conceito, ou uma definição que facilmente caracterize este livro seria, precisamente, essa dura temática que é a inevitabilidade das coisas, da vida em si mesma.

Não lhe vou contar o final desta história. Não só porque não gosto de coscuvilheiros literários com o gosto mórbido em estragar experiências leitoras, como também pelo facto - mais importante - de que quando o leitor lá chegar, a esse derradeiro final, também se sentirá velho, angustiado e talvez, um pouco perdido. E não, esse sentimento de confusão e incerteza não lhe imprimirá, de todo, a necessidade de um novo corpo.

💓

Uma história provocadora a inspirar em qualquer leitor uma máxima muito pertinente apesar de aparentemente óbvia:  nem só de um corpo se faz um homem. Concorda?

Recomendo que pegue neste livro agora mesmo e comece a pensar. Muito.


Seja feliz, na sua pele. Votos de uma boa semana.

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