Fome (Knut Hamsun)

sexta-feira, 25 de outubro de 2019


Quem abrir este livro acompanhará um homem que deambula, perdido em si mesmo, pelas ruas, pelos campos, pelas casas e lojas. Esfomeado. Nunca lhe conheceremos o nome e não é por acaso. 
Quando procuro por significados mais concretos para a palavra «fome», surgem-me definições como "grande vontade de comer" ou "urgência de alimento". E por alimento entende-se sempre "aquilo que se come". Mas nada disto me satisfaz.

Este livro é um desafio concreto para que mergulhe numa história que, inicialmente, lhe comprará a ausência de alguma coisa. Ficará cheio de um nada que é fome mas que nenhuma comida será capaz de matar.

Conhecerá um homem sem nome numa marca clara dessa ausência de si mesmo. Sonha escrever, quase se auto impõe a uma fome forçada e que lhe provoca, vezes sem conta, o desespero do corpo. Apesar da procura incessante por dinheiro, por comida, parece ser essa ausência ao longo de um tortuoso caminho, que o acorda vezes e vezes sem conta para a urgência da vida. É ele quem decide pela fome, pelo sofrimento a que se sujeita.

A fome deste homem, por muito palpável que possa ser, é acima de tudo uma fome que lhe vem da alma. Do intelecto, por vezes, arrogante. O vazio que sente, a deambulação por caminhos tortuosos, a dúvida, o preconceito social espelhado são sintomas de uma alma esfomeada que teima vingar.

Como se alimenta uma alma? 
É aqui que reside toda a urgência que Hamsun desejou escrever. A fome de uma alma não parece ser criteriosa ou padronizada quando pensamos numa forma de a saciar. A fome das almas é pessoal, tão única, tão individual que jamais alguém a poderá matar por nós.

Há quem diga que as almas se alimentam dos sonhos. E também os sonhos só a nós pertencem.
Este personagem decide largar tudo e caminhar. Nele vivem muitos e variados sonhos que, com o passar do tempo, se vão desnutrindo na falta de crença, de motivação, de ímpeto. Do que seja. Uma soma das falhas tão humanas que, na ponta da língua, sempre encontram alguma justificação. Seja a fome agonizante, seja o estômago agora cheio de mais, nada parece saciar verdadeiramente a alma deste homem. Apenas e só o sofrimento imposto.

Ler «Fome» de Knut Hamsun é como entrar num mar de aflições que não são nossas mas que, à força de acompanharmos o trajeto de um homem desconhecido, arrogante, por vezes tolo, empatizamos de tal forma com a sua perplexidade perante o mundo que desejaremos, inequivocamente, conhecer-lhe o destino.

Por «destino» diz-nos o dicionário que se trata de "uma combinação de circunstâncias ou de acontecimentos que influem de um modo inelutável." Perceberá então, caro leitor, como o destino aberto deste homem parecia estar traçado desde o início, que se permitiu sonhar com o nariz empinado e deixou, simplesmente, que o mar o acolhesse. Sem perguntas mas, provavelmente, com muitas respostas futuras às quais, nem eu, nem você, teremos acesso.

«Fome» é considerado um dos romances mais importantes da história literária da Noruega e da Europa, cuja estrutura narrativa é também diferente de tudo o resto, numa espécie de confirmação entre o sonho de ser escritor e as amarguras que o mesmo impõe a quem ousa. Esses esfomeados de alma.




Seja feliz,
e circunstâncias ou de acontecimentos que influem de um modo inelutável.

"destino", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/destino [consultado em 24-10-

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