O Meu Irmão (Afonso Reis Cabral)

sábado, 31 de janeiro de 2015


Este livro captou-me desde logo a atenção. Caso para dizer, foi amor à primeira página.
A escrita de Afonso Reis Cabral é distinta. Faz os olhos correrem e atropelarem-se por mais. É lindíssima.
 
"Ele era amor em carne, amor em força bruta. Amor à flor da pele, como se o botão que gere a intensidade desse tipo de sentimento estivesse desregulado muito para lá do on." (pág.95).
 
À primeira vista, um tema banal. Um tema simples centrado na relação de dois irmãos, um deles com Síndrome de Down. Mas o autor fez deste livro muito mais do que isso. Retratou a urgência do amor, da normalidade e da condição humana de tal forma, assegurando desde logo a atenção daquele que tentar assumir indiferença. Porque vai ser impossível, garanto-vos, ser indiferente à história do Miguel. E do seu irmão.
Não se trata de romantismo. Ou lamechice. Muito pelo contrário. A história encaminha-se de um modo que, por vezes, sentimos nós no estômago ou vontade de embrenharmos nela e mudar o rumo das coisas. Depressa. Pelo bem do Miguel, que por ser como é, se tornou perfeito. É a própria vida. Assim. Não carece de mais. Não precisa de se levantar de manhã a pensar como será o decorrer do dia. Como o seu irmão.
 
"O Miguel não pensava na vida - ele era vida, respirava-a com naturalidade, enquanto eu ansiava por fazê-lo." (pág. 202)
 
Temos o bem e o mal. Transferido nestas duas personagens. Não se trata de conhecer a Síndrome de Down propriamente dita. Não se trata de conhecer as limitações da deficiência propriamente dita. Não se trata de nada disso e tudo isso em si mesmo.
 
"Por mais couraçados que nos tenhamos tornado, persistimos, como crianças, numa birra inexplicável por afecto." (pág.202)
 
Procura de amor. Procura de um lugar no mundo. Através do amor que tenham por nós. Seja ele qual for. Um amor fraternal que seja a resposta final a uma vida vazia, sem sentido, já cinzenta, cheia de cinza, dando forma oca aos dias forçados pelo pulsar do relógio cansado. O irmão pedia isso ao anjo caído. Mas havia entre eles um mal maior de nome Luciana.
Um amor imprevisível. O amor que fazia da deficiência uma normalidade. Fazia da deficiência o lugar perfeito e razoável. Um paradoxo cheio de forma. Uma forma raivosa e difícil de entender ao mais comum dos mortais.
 
O sentido de proteção. Como forma de redenção. E por isso, plenamente justificado.
 
"Regressamos lado a lado, devagar, tacteando. Perto do caminho que sobe para nossa casa, estreito-o com força. Murmuro-lhe ao ouvido «Miguel, não sei o que dizer», e ele responde «Não digas nada». (pág. 365)
 
 
 
 
Afonso Reis Cabral. Prémio Leya 2014. Um promissor jovem autor.
Um livro merecedor.
 
Boas leituras.
 
 
 

3 comentários:

chuva disse...

Poxa...! Que intensidade. Só mesmo aqueles que vivem na pele é que conseguem passar para fora as delicadezas desta vivência...

Carlos Faria disse...

Tenho ouvido opiniões contraditórias sobre o livro, mas curiosamente aquelas que vêm de bloggers que me dão maior confiança são maioritariamente positivas e já me despertaram interesse em adquirir o livro.

Denise disse...

Chuvinha :)

Sem dúvida.

Carlos,
Obrigada pela visita.
Sim, acredito que vale bem a pena adquirir o livro. Gostei imenso e penso que estamos perante um jovem escritor muito promissor.

Beijinhos e boas leituras

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