A ilha e os demónios (Carmen Laforet)

quarta-feira, 23 de maio de 2018


Carmen Laforet foi uma conceituada escritora espanhola. Conhecida, sobretudo, pelo seu livro «Nada» (vencedor do Prémio Nadal em 1944), a autora desenvolveu a maioria da sua obra centrada na ditadura de Franco.
 
O livro de hoje, «A Ilha e os Demónios» tem fortes pinceladas autobiográficas. É a história de Marta, uma ilha e os seus demónios. Também Carmen Laforet, aos dois anos de idade, passa a viver em Las Palmas, fruto da condição profissional do seu pai, arquiteto. Além disso, a autora viveu, na infância e sobretudo na adolescência, uma má relação com a sua madrasta. À semelhança, a nossa personagem Marta vive igualmente uma relação tensa com a sua cunhada Pino, mulher azeda com os amores deslocados.
 
Tal como uma ilha, Marta vive apenas rodeada do seu irmão José, a cunhada Pino e Teresa, a sua mãe acamada há muitos anos, na sequência de um acidente de automóvel que lhe levou o pai.
 
São estas as personagens basilares de um livro que decorre lentamente: todos os pormenores, sobretudo os mais penosos, são relatados com a força de um mar revolto, mas sem pressas.
 
O sonho de Marta é abandonar a ilha e conhecer o mundo, outras oportunidades, outra vida menos limitada às descobertas pelas quais tanto anseia. Pelos tumultos da II Guerra Mundial, que não tarda em chegar, e pela insegurança, a visita de três familiares, ditará o acontecimento mais importante para a jovem, a possibilidade de mudar a sua vida. Com a chegada dos parentes, Marta acreditou piamente que a fuga pela qual tanto desejou, estaria cada vez mais perto de chegar.
 
A tia Honesta, irmã do tio Daniel e a esposa deste, Matilde, acompanhados do seu amigo Pablo, um pintor, desembarcam na expectativa da menina. Contudo, nada do que antevira como bom, o foi de facto.
 
José, rapaz que conseguiu alcançar uma boa posição social na vida, vê na visita dos parentes a possibilidade de, finalmente, diminuir o seu tio, mostrando-lhe quem manda agora, literalmente. O rancor de José é, igualmente mas numa outra perspetiva, vivido por Pino, sua esposa: esta é a mulher que ambicionou sonhar com homem rico, que o consegue, mas que será relegada para um segundo plano, sem atenções de jovem casada, sem afetos demonstrados, apenas uma vazio acompanhado de uma casa para governar. Teresa, sempre Teresa, a ocupar-lhe um espaço que é seu.

O ambiente naquela casa, à semelhança do que vivemos um pouco na casa dos familiares de Andrea em «Nada», é sombrio e pesado. José ordena, Pino obedece, Honesta compra atenção e o casal, Daniel e Matilde, vivem à margem.
 
Será no desenrolar desses dias sombrios, cada um com os seus próprio demónios e fraquezas, que Marta tentará aproximação com todos eles, e todos eles sem exceção, a tomarão apenas como uma criança pequena que pensa saber escrever e criar histórias sobre mitologia.
 
Como uma rajada de vento inesperada, Marta travará conhecimento mais profundo com Pablo. Daí nascerá uma amizade, praticamente, unilateral. A jovem deslumbra-se pelo encantamento que a idade de Pablo lhe garante, pelas histórias que conta, pelo passado de viagens e de um amor conturbado com a sua mulher. Marta está apaixonada, mas ainda não o sabe.
 
Será essa mesma paixão, acompanhada do conflito interno que sempre acontece quando confrontados com a realidade dura dos adultos, que Marta crescerá na força do tempo. Torna-se mulher do dia para a noite, os pés parecem enfim assentar num chão que desconhecia, dando-lhe essa fortaleza típica dos que foram desiludidos. Daqueles que, sem querer, viram mais do que o suposto.
 
Na sombra dessa mesma desilusão, Marta será enfim capaz de exorcizar cada um dos seus demónios partindo, pelo seu próprio pé, em busca do que sempre sonhou.
A ilha, essa, será sempre sua.
 
 

Boas leituras. Seja feliz,

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