O Senhor das Almas (Irène Némirovsky)

terça-feira, 3 de setembro de 2019


Irène Némirovsky foi uma escritora judia. Nasceu na Ucrânia em 1903 e morreu durante a II Guerra Mundial no campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau.
O seu livro mais conhecido, e aquele considerado como o melhor, é «Suíte Francesa», livro esse envolto numa história, por si só, muito bonito. Foi escrito à mão pela autora durante a Guerra, em segredo. Nunca o chegou a terminar por ter sido presa e, mais tarde, acabar por morrer (1942) no campo vítima de tifo.
A sua filha mais velha, Denise Epstein-Dauplé guardou durante anos o caderno sem o conseguiu abrir. Inicialmente a jovem considerou que se trataria de um diário pessoal da mãe e, só mais tarde, percebeu que se tratava de um belo romance. Seria em 2004, em França, que «Suíte Francesa» veria a luz do dia tendo sido igualmente publicado em muitos outros países, tornando-se um dos livros mais aclamados internacionalmente.

Mas hoje não estou aqui para lhe falar desse livro em particular, apesar de o ter na minha estante a aguardar uma oportunidade de leitura (algo me diz que não faltará muito).

«O Senhor das Almas» é o livro de que hoje falarei. É obrigatório fazer um alarido grande em torno da sensibilidade da escrita desta autora. Já havia lido «O Baile» há uns bons anos e já naquela altura fiquei impressionada pela subtileza, pelo encanto e feminilidade que Irène colocava na sua escrita, de uma forma muito consistente, muito notável.

Em «O Senhor das Almas» conheceremos o Dario Asfar, um médico meteco que decide largar uma vida de pobreza para se instalar em Nice. Nessa viagem traz consigo a esperança de dias melhores, na tentativa desesperada de possibilitar a Clara, sua esposa que acaba de trazer ao mundo o filho de ambos, uma vida com melhores condições, um futuro dourado.

O leitor perceberá que a jornada de Dario será muito difícil, repleta das mais variadas provações. Este é um livro que retrata magistralmente a pobreza e o desejo quase incontrolado de singrar na vida, de prosperar.

A primeira provação será quando a sua senhoria o confronta com as dívidas que já então estalavam na sua carteira vazia. Na dificuldade que lhe percebeu, deu-lhe a oportunidade de esquecer  a dívida (pelo menos temporariamente) se estivesse disposto a fazer um abordo a Elinor, a namorada leviana do seu filho. Dario acata, movido pela enorme necessidade. 

Não ficaria por aqui: a vida de Dario parecia destinada a fracasso atrás de fracasso. São muitas as passagens que demonstram de forma quase palpável o desespero de um homem de família sem nada para comer.

Será nesse limiar de desespero e parca esperança, que lhe surge a ideia de génio capaz de lhe mudar as cartas do destino: Dario cria, à luz da psicanálise, tão em voga naquela altura, uma nova teoria intituladada «A Sublimação do Eu». Tudo isto surge também, e muito bem descrito, à luz da sociedade de então: a riqueza da maioria das pessoas parecia de nada valer, tão centrados que estavam nos seus receios, nos seus vazios e anseios díspares. Será Wardes que personifica esse estado constante de ansiedade, amargura e incerteza. Caso para se dizer, caro leitor, que são muitas as vezes em que as desgraças de uns engrandecem os outros. Basta referir, em jeito de exemplo, o estimado José Gomes Ferreira quando escreveu, mais ou menos assim, que em momentos de tristeza, uns choram e outros vendem lenços de papel. Dario optou por esses metafóricos lenços de papel e uma teoria terapêutica muito duvidosa mas que lhe granjeou a fama.

Lembra-se de referir o desespero quase palpável de um homem de família a viver a iminência da fome? Creio que seja este o ponto sensível deste livro. Apesar de lhe parecer pouco provável após o breve enquadramento da história, «O Senhor das Almas» é também, e largamente, um livro sobre a parentalidade. Mais tarde perceberá que Daniel, o seu filho, não admirará em nada a conduta de seu pai, este que mudara o trajeto da sua própria vida movido pelo seu enorme amor ao filho.

Deixo-o em considerações profundas, assim espero.
Até que ponto será possível prever as nossas ações, em benefício dos nossos filhos, como certo ou errado? Como lidar com a aversão de um filho após tamanhos sacrificios e renúncias?

No caso de Dario, com esperança, esse outro lado do amor.






Recomendo muito a leitura deste livro.

💓

Seja feliz,

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