A forma do corvo (DeSales Harrison)

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

O romance de estreia de DeSales Harrison, integrado na categoria de policial, foi uma boa surpresa. Este é um livro recheado de temáticas dentro de temáticas, numa soma complexa de medos, receios, sentido de pertença, ou a falta dele.

«A Forma de Corvo» narra a história de Daniel Abend, um psicanalista renomado e pai de uma adolescente. Vive a vida de forma tranquila, dedicado ao seu trabalho, em Nova Iorque, e à sua filha que lida com as típicas agruras da adolescência.

O livro começa com um curioso prólogo, cheio de questões que estalam, desde logo, nas primeiras páginas. O suspense típico deste género literário está muito bem conseguido nesta história em que a vontade de perceber, de compreender, acaba por se sobrepor a tudo o resto.

E porquê?

Por detrás das inúmeras questões, do suspense, da estranha morte de uma paciente de Daniel, bem como a sombra que parece estar sempre presente nos monólogos daqueles homem, levarão o leitor a procurar - atentamente - a raiz de todos os males.

«A Forma do Corvo» é um livro que nos vende a premissa do medo e aquilo que um pai é capaz de fazer pela sua filha. Após a morte da paciente de Daniel, envolta em mistério e surpresa, mais tarde, é a filha dele que desaparece, quase por magia.

Seremos já todos muito grandes e adultos para crer, de olhos fechados, nessa magia pré-paga. É precisamente esta a linha condutora de um livro capaz de surpreender. Lembra-se quando referi uma história repleta de temáticas dentro de temáticas? Pois bem. Nesta história, nada nem ninguém, é realmente o que parece ser. 

O primeiro livro do autor merece uma vénia pela forma como aborda a complexidade humana, a tentativa de perdão e a desejada rendição. Porque é esse o assunto que «A Forma do Corvo» escorre em cada página: na impossibilidade de apagar um passado pesado, pesa a necessidade de remediar o presente, como quem compensa, como quem lava pecados.

Se me pedirem um motivo para a recomendação deste livro, eu diria que por detrás de uma intrincada história, há a sombra de um corvo que vem determinado para lhe mostrar que o arrependimento é uma força e um confronto. Poucos são aqueles que, capazes de olhar para dentro, o enfrentam sem esperar uma condenação à medida de todos os males. É que, repare, mais cedo ou mais tarde, cada passo dado em falso, será o equivalente a uma distância diminuída de encontro à desejada rendição. Signifique isso a morte ou uma espécie de nova vida.

"Se estivessem lá e tivessem ganho, como eu, a forma de um corvo no cimo de um teixo - um corvo agachado, as penas desalinhadas negras como pez, rouco do seu sombrio e desconsolado colóquio -, teriam reparado no modo como eles caminhavam sem pressa, lado a lado, pelo caminho de cinzas, na direção do Sol que nascia e do portão leste do parque: a minha filha, Miriam Oppen, e o seu bondoso companheiro, a cabeça dele inclinada para ela para ouvir melhor."


Um livro sobre o amor mascarado pelos medos do passado.
Recomendo a todos, não fossemos todos nós feitos daquilo que já foi e não torna.



Seja feliz,

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