A menina que roubava morangos (Joanne Harris)

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020


Ler um livro de Joanne Harris é saber, à partida, que estão abertas as portas a um mundo muito singular. Quando falamos, especificamente, da série «Chocolate», então, todo esse mundo se torna ainda mais especial de tão único, tão bonito.

A história de uma mãe, guiada pelo misterioso vento, que decide ficar numa pequena (e peculiar) vila francesa prosperando com a chocolaterie, vendendo encantamentos através do chocolate, conquistou inúmeras pessoas ao longo dos anos, eu incluída. Era ainda adolescente quando me rendi à autora e, desde então, todos os seus livros são por mim abraçados numa grande expectativa. Quando a conheci pessoalmente, percebi que era a autora que sempre imaginara e isso, enquanto leitores, é a melhor coisa que nos pode acontecer, concorda?

Em «A menina que roubava morangos», o enredo centra-se em Rosette, a filha mais nova de Vianne. Sabemos que Rosette parece ter um atraso no desenvolvimento, impedindo-a de conversar naturalmente com as outras pessoas. Sabemos, também, que no mundo criado por Joanne Harris nada é realmente o que parece ser e, quase sempre, as verdadeiras respostas são dadas pelo vento, que surge inesperado, envolto em novas surpresas.

Esta história é feita de uma quinta muito especial, de confissões de um velho ao conhecido e peculiar padre da vila, à relação desse mesmo senhor com Rosette e o momento em que, à sua morte, decide pôr aquele terreno em nome da menina. Este é o grande enredo que se ramificará a muitas outras questões.

Todos naquele lugar cospem intigas e questões feitas na ânsia de saberem os motivos de tal decisão. Há familiares zangados que vêem, assim, as partilhas roubadas e o desejo de prosperar com o trabalho de Narcisse, o velho que nos narrará grande parte desta história.

Não é novidade nenhuma, se é conhecedor da obra de Harris, que o mistério adensa à medida que as páginas avançam. Acalme o coração pois terá acesso a todas as respostas, desde as atitudes de Narcisse - reforçadas por um passado atormentado, de quem procura rendição no momento da morte - aos anseios do padre Reynaud, também ele coberto pelo peso do passado e, por fim, aos medos enraizados de Vianne.

Todas as personagens se unem, sem fios visíveis, no receio que todos têm da perda e da rejeição. Este livro, mais do que a intriga sobre decisões aparentemente pouco pensadas quando um idoso põe o seu melhor terreno em nome de uma menina que nem é sua familiar, é também uma exaltação à família, e muito particularmente, à maternidade.

Aqui nasce também uma história sobre a mãe enquanto pássaro, que inicialmente prepara o ninho mas que o tempo, e o vento, a empurram para o voo da sua cria. Ser mãe, creio, é muito isto: acolher, ensinar e empurrar. Vianne vê-se assim enredada no seu medo pesado da solidão, este, balanceado com o desejo maior de todos: a felicidade das suas filhas.

Joanne Harris surpreende com mais um livro muito especial, num cenário já conhecido e que, após a leitura, deixa desde logo, muitas saudades.





Seja feliz,

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