Angel (Elizabeth Taylor)

segunda-feira, 2 de março de 2020

Sabemos que estamos perante um bom livro quando nele vive uma personagem que se consegue diferenciar dos inúmeros que fomos lendo ao longo da vida. Assim é «Angel», escrito por Elizabeth Taylor.

Uma jovem rapariga de 15 anos, Angel, diminutivo de Angelica, sonha tornar-se numa escritora de enorme sucesso. Um sonho que lhe surge na iminência de um castigo da sua mãe, que lhe descobre a tendência para mentiras e efabulações. Na tentativa desesperada de fugir a um castigo, Angel adoece ficando entregue à sua cama e ao quarto solitário. Esse será o ambiente em que a escrita toma lugar numa espécie de analgésico e de resposta às dores sempre tão indecifráveis da adolescência.

Angel sonha com a «Mansão Paraíso» onde a sua tia trabalha como governanta. Parte das suas mentiras vivem naquela casa, que não conhece em detalhe, apenas na sua imaginação fértil e desorganizada. Sonhar viver lá. Sonha com um mundo na palma da mão.

No momento em que se entrega a uma dedicação completa à escrita, desiste da escola e escreve sem parar, dias e noites a fio. Nasce um livro, nascem também as inúmeras tentativas de encontrar um editor. Após recusas consistentes, a jovem é finalmente recebida por dois editores que se interessam pela confusão literária que produz, num misto de ridicularização e encantamento, aqueles casos em que o feio, de tão feio ou inusitado, ganha um interesse significativo. O interesse aumenta ainda mais quando confrontados com uma jovem de apenas 15 anos de idade, igualmente fantasiosa.

Angel escreve de forma peculiar, pensamentos ordenados pela força de uma imaginação muito própria, sombria e perdida. O sucesso que almeja, de uma forma inesperada pelos próprios editores, chega sem parcimónia e a jovem rapidamente alcança a riqueza que sempre desejou. 

O enredo, inicialmente, compra-nos a falsa ilusão dos bons resultados de um trabalho árduo, as suas recompensas, o louvor à determinação e resiliência. Mas Elizabeth Taylor tinha um propósito totalmente diferente com este ardor de Angel: eis que a vida nos pode desafiar e eis que lhe podemos fazer uma careta de quem diz sermos capazes de lhe fazer uma rasteira, negando as lições que tem para nós, mas e depois? O que acontece depois de tamanha ignorância?

Tudo na vida desta mulher é um "quase". Creio que não lhe consigo definir melhor a sensação de vazio que Angel traz, simultaneamente carregando uma lição de vida muito recheada. Ela é quase escritora de sucesso, pois o seu sucesso é um contra resultado fruto de uma escrita que de tão estranha, se entranhou nos outros. Ela é quase amiga, quase esposa, quase dona de um animal de estimação. Angel é um quase de possibilidades que a vida lhe foi dando e das quais decidiu apenas retirar um só lado da equação: o seu.
"Até aí, tinha encarado o amor com fria aversão. Ela queria dominar o mundo, não uma pessoa."
A mãe amou-a por inteiro. Nora, amiga fiel, amou-a por inteiro. E até a sua tia, em algum momento, lhe dedicou o mesmo amor. Mas nada disso satisfazia o coração frio de quem nega o afeto como salvação.

Gradualmente, na medida em que conquista todos os desejos, incluindo a própria Mansão Paraíso, há uma névoa calma e constante que lhe começa a pairar sobre os olhos. É o derradeiro momento em que o amor sempre prevalece e a sua ausência traz agruras incapazes de competir com o dinheiro vivo que só conquista coisas, nunca pessoas.

"Uma flor dificilmente pode despertar alguém.
Só te estou a avisar. A flor em si não aquece nem arrefece. Eu sei como ela é. Sinto-o nos ossos. Para ela nada é trivial, porque está ávida de amor (...)."

Elizabeth Taylor oferece-nos um livro ímpar, sobretudo pelos sentimentos que nos despoleta sempre que pensamos em Angel. Desde a incredulidade perante a sua frieza até, num extremo completamente oposto, a sua compaixão pelos animais, o leitor cai redondo sem a certeza de gostar ou adorar tamanha figura. Acredite, é impossível amar Angel mas é igualmente impossível ser-lhe indiferente, sobrando ainda uns laivos de compaixão, quase pena.

Por tudo isto, e pela escrita limpa de Taylor, este livro figura como um dos melhores deste ano. Resta o sentimento de uma personagem que se diferencia de tal forma que é capaz de engolir o livro que a criou, assim como engoliu cada dia da sua própria vida, motivada por um ego cego capaz de a arruinar sem que disso tivesse qualquer noção.

 "O pânico dissipou-se. Angel sentiu-se maravilhosamente aliviada. Percebeu que não ia voltar a passar por tudo, afinal estava em casa, na sua cama, e com toda a sua vida atrás de si. Sou Angel Deverell, disse, e as palavras soaram muito altas e triunfantes, ecoando pelo quarto. Nora não ouviu nada, já que nada havia sido dito. (...)"


Recomendo com todas as mãos e mais algumas emprestadas. 
Muito, muito bom.


Seja feliz,

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