Pão de Açucar (Afonso Reis Cabral)

quarta-feira, 4 de março de 2020


O meu irmão quer muito conhecer a obra de Afonso Reis Cabral. Li este «Pão de Açucar» em dois dias e fui a correr dizer-lhe que se quer conhecer bem a escrita do Afonso, e gostar, tem de começar pelo «O Meu Irmão».

Redundâncias à parte, acredito que esta seja uma verdade: ler Afonso Reis Cabral traduz-se numa infinidade de horas boas, contudo, para conhecer o autor em primeira mão, penso que esta não seja uma boa escolha. Creio que este livro retrata apenas uma parte do autor enquanto que, no caso de «O Meu Irmão», vemos a essência nua e crua de um escritor que já dispensa apresentações. E que bom que assim é.  

Em «Pão de Açucar», o autor debruçou-se sobre o caso Gisberta, o caso que correu muita tinta em Portugal, sobre um grupo de adolescentes que torturou e assassinou um transexual. O caso não é novidade para ninguém assim como a incredulidade pela forma como, na altura, foi conduzido.

Talvez motivado por tudo isto, e pela inércia de um processo imerso em águas da bacalhau, Afonso Reis Cabral pesquisou e escreveu uma espécie de relato jornalístico misturando pontas soltas e resultando, depois, num romance.

A escrita de Afonso é das mais bonitas das quais já tive o privilégio de ler. Escreve despojado, de forma limpa, conciso quando tem de ser, por vezes subtil ou pertinente mas sempre, sempre, numa voz poética que o caracteriza. 

Se o enredo não é propriamente uma novidade, é no entanto a porta que nos abre para conhecermos um outro lado daquele grupo de adolescentes, também eles, na semelhança de Gisberta, escorraçados por uma sociedade impávida e serena, centrada num umbigo muito maior.


Desde a caracterização à personalidade tão bem construída de todas as personagens, até ao momento de maior violência descrita, este é um livro que prospera, ou seja, cresce-lhe o impacto à medida que avançamos até chegar lá, ao momento derradeiro em que a crueldade dos homens nos é exposta sem pudores e que, por isso, nos choca e nos envergonha. 

Um livro para ler, remoer e partilhar com toda a gente.


Seja feliz,

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