O lugar das coisas perdidas (Susana Piedade)

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

 

 «O lugar das coisas perdidas» é o segundo livro da autora Susana Piedade, finalista do Prémio Leya com o romance «As histórias que não se contam».

Há temas difíceis de serem tecidos numa história e acredito que o desaparecimento de uma criança, seja um deles. Susana Piedade soube como o fazer, deixando o leitor, também ele, com o sentimento de invisibilidade perante a impotência que não nos permite mudar o rumo de uma história que se adivinha, na melhor das hipóteses, sem resposta definitiva.

"Quando uma criança não volta para casa, até os mais próximos se tornam suspeitos."

Numa pacata vila de província, uma criança desaparece naquela típica sombra, ou tempo que congela, em que não há vivalma que tenha visto seja o que for. Todos os desaparecimentos parecem feitos de uma sombra que transforma a leveza típica de uma criança, numa espécie de maldição partilhada. A rua parece engolir todos os olhos que poderiam testemunhar, e evitar, as tragédias ali sempre tão prontas.

Conheceremos a história de Mariana, rapariga que desde a infância foi sendo surpreendida pelas vicissitudes da vida.  Desde a tragédia na ponte que levou a mãe e os irmãos, sente-se-lhe a vida presa por pouco. Salva-a a tia, que lhe abre a porta e a sustenta. A adolescência veio acompanhada pelos amores apressados e quando se vê grávida, o namorado também se apressa a fugir.

Se inicialmente a gravidez a amendronta, gradualmente, transforma-se na sua salvação. A Alice rapidamente se transforma no centro do seu mundo e com o seu crescimento, também Mariana cresce por dentro, torna-se mulher, mais segura, mais pronta.

Susana Piedade escreve uma história que é um crescendo de desgraças intercalado por breves momentos em que a vida sossega e se distrai. O nascimento de Alice e os anos que se seguem na maternidade, são o ponto alto da vida desta jovem mãe para, num estalar de dedos, tudo desmoronar, mais uma vez.

Ali ninguém parece culpado e todos parecem culpados. Instala-se na vila um clima de constante desassossego, de novidades que afinal são mentiras, de mentiras que afinal até poderiam ser verdades. Num tema difícil como este, a autora criou um ambiente de dúvida que prevalece. Uma dúvida que acaba por resumir todas estas 254 páginas. Na infelicidade de um tema muito atual, muito presente nos noticiários, a autora, sabiamente, lança-nos um fio de reflexão muito pertinente: mesmo que julguemos saber a verdade, há todo um mundo cão, obscuro e cruel, que se sobrepõe à curta sensação de paz que uma aparente verdade pode trazer.

Se por momentos o fim desta história o deixar arreliado, pare, sossegue com o livro no colo e pense. Pense no quanto o mundo tem andado ao contrário, o quanto andamos todos desaparecidos na falsa ideia de controlo quando, na verdade, a vida está sempre pronta a surpreender-nos e, nem sempre, pelos melhores motivos.


Um livro que foi uma surpresa. Uma boa surpresa.

Permita-me que lho recomende.


 

Seja feliz,


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