Alice eu fui (Melanie Benjamin)

sábado, 27 de fevereiro de 2021

A vida de Charles Lutwidge Dodgson, mais conhecido por Lewis Carroll, foi pautada pela peculiaridade. Em quase tudo. Era Professor de Matemática e também Reverendo, duas áreas díspares e distantes. A somar a isto, adorava contar e escrever histórias cheias dos mais intrincados pormenores. Assim nasceu "Alice no País das Maravilhas", uma aparente história para crianças, mas não só. Carroll foi exímio, numa das histórias mais célebres de sempre, a criticar, à laia da fantasia, uma sociedade inglesa dominada pelo poder do tempo e pela mão pesada (da suposta) moralidade. Uma história muito rica para quem ousar ver mais além.
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" - Em que é que estava a pensar, Alice? - interpelou-me Mr. Dodgson delicadamente. - Estava com um ar tão sonhador.
- Oh, só... estava só a reflectir na tragédia que é a infância ter de chegar ao fim."

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"Alice eu fui", de Melanie Benjamin, é uma biografia romanceada de Alice Liddell, a menina (de três irmãs) que inspirou o grande clássico da literatura infantojuvenil. Nesta história reconhecemos muitos dos traços do grande clássico infantil, contudo, numa perspectiva mais próxima da própria Alice.
Aqui conhecemos uma menina com um temperamento muito singular, muito vincado, prevendo uma mulher madura, consciente mas, na mesma medida, sonhadora.

Uma das grandes intenções da autora, mais do que os cuidadosos dados biográficos da narrativa, passa pela necessidade de questionar o quanto uma criança, que inspira um livro que todas as outras crianças vão desejar ser, pode ser influenciada para toda a sua vida. Alice foi a menina de um livro mas fora dele havia toda uma vida feita de muitas peripécias e desafios que teve de enfrentar na sua própria solidão.

Não é novidade, creio, do quanto se falou sobre a suposta pedofilia em torno de Lewis Carroll. Apesar dos estudos mais avançados da obra, nunca se chegou a um consenso sobre a veracidade da suspeita. As clássicas fotografias que tirava de meninas em poses mais sedutoras, é igualmente anotado na história condicionando, largamente, a infância de uma menina que nunca quis crescer.
 
A verdade é que «Alice no País das Maravilhas», num paralelismo com o «Peter Pan», é uma história sobre o desejo de permanecer, para sempre, no lugar quente da infância. Mas a vida vai passando, tantas vezes repleta de crueldades inesperadas, e o crescimento é a consequência da soma de dias que nunca se espelharam na ilusão dos sonhos das histórias de encantar.

Alice foi uma mulher plena, completa. A vida foi-lhe mostrando desafios aos quais, de forma mais ou menos evidente, superou e com eles, foi crescendo. Nesta obra, Melanie Benjamin oferece ao leitor uma visão mais ampla, que distancia a ideia programada de um livro que dispensa apresentações para, num cuidado profundo, nos colocar o olhar mais a nu sobre quem foi, realmente, Alice.

Mais do que uma personagem, Alice foi uma menina cheia de vida, cheia de sonhos e cheia de aventuras, para lá daquelas que a sua personagem viveu à força da imaginação de um homem que é, igualmente, personagem real na vida dela.

Entre realidade e ficção, «Alice eu fui» é um livro bonito pela porta que nos abre à imaginação de quem Alice poderia, realmente, ter sido para lá do imaginário de todos nós. Faz-nos questionar sobre o poder de uma história que quase se sobrepõe à vida tal como ela foi.

Uma bonita surpresa, sobretudo, para quem (como eu) é fã deste grande clássico da «Alice no País das Maravilhas».

Boas leituras.


Seja (muito!) feliz,


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