Os Buddenbrook (Thomas Mann)

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

O próprio Thomas Mann considerou o seu primeiro livro, escrito aos 26 anos de idade, como "saga familiar", sendo esta uma das classificações tipológicas mais aceite, assim como "romance de família" ou "romance de gerações". A acção do livro decorre em Lubeck, terra natal de Thomas Mann e vem contar-nos a história de uma família burguesa afetada por um declínio progressivo. Ao longo de quatro gerações, a decadência familiar vai-se sentindo de mais forma evidente, iludida apenas por breves momentos de suposta estabilidade.

Thomas Mann escreveu, num reflexo muito realista, o perfil psicológico e o estatuto social burguês, assim como uma aprimorada construção da mentalidade burguesa, incluindo um conjunto de traços comportamentais muito específicos, e peculiares, além da nítida superioridade daquela classe e sua mentalidade.

Desta forma, ao longo das referidas gerações, a narrativa incidirá como maior nitidez na quarta geração e a regressão às anteriores, como um fluxo de tempo e a decadência iminente ao leitor mas, até então, desconhecida ou não aceite pelos mais novos Buddenbrook.

 

Um dos aspetos mais pertinentes ao longo da história é a própria casa de família, uma quase personagem em si mesma. Há uma relação muito estreita entre o espaço em que a história é narrada e a própria temática de falência, de decadência familiar. De forma linear, e resumida, enquanto o patriarca Johann Buddenbrook se esmera em fazer crescer a firma homónima de cereais, contribuindo para uma imagem social da família alto-burguesa tida em conta por toda a sociedade, o seu filho Jean acaba por contribuir para a redução moderada do capital da empresa, independentemente dos seus esforços contrários, assim como os netos Thomas, Tony e Christian (geração na qual o enredo se foca), acabam por realizar a alienação do património da família sendo, por fim, o bisneto Hanno a ditar, pela força de um destino talvez, a extinção completa da estirpe Buddenbrook. 

Mas acredite o leitor que nem tudo é negativo à medida que vamos conhecendo o declínio desta família. Na mesma medida da queda do património, da falência familiar, há na mesma medida um crescimento emocional e intelectual dos homens da família. Se até então os temas empresariais e económicos giravam, forçosamente, em torno da família inteira, eis que se assiste a uma nova tendência de vislumbrar e desbravar assuntos relacionados com a religião, com a filosofia, teatro e música, quase como muletas que justificariam a queda fatídica e, paralelamente, a mentalidade burguesa muito tacanha e restrita.

O autor, muito novo no momento em que criou a obra, confessou-se fortemente influenciado pelos trabalhos de Tolstoi e Turguenev. Apesar do enorme sucesso que viria a ter, «Os Buddenbrook» não teve grande aceitação inicial por parte do público da terra natal do autor e isto porque a maioria dos familiares e amigos conseguiram rever-se em muitos momentos da história, sentindo-se ridicularizadas. Há quem defenda que surgiu, na altura, uma lista com os nomes das figuras romanescas aludindo às supostas pessoais que estiveram na base criativa do autor.

O subtítulo não dá azo a grandes erros. Esta é a história de uma família e sua decadência financeira, pessoal e, até, moral. Ler «Os Buddenbrook» pode, facilmente, assemelhar-se ao ritmo de um pêndulo. Se a festa de inauguração da casa assume o ponto máximo do sucesso, felicidade e ascenção da família, rapidamente o pêndulo assume o movimento contrário que, ao longo das gerações, acaba por eclodir com a mesma força, derrubando tudo o que fora antes construído. 

Se inicialmente as festas eram rituais quase sagrados, dando-se igual importância ao entretenimento musical, à confecção da comida e ao sabor da mesma, gradualmente, a necessidade de cada personagem parece impor-se.

Johann, casado com Antoinette, é um dos membros mais dedicados ao crescimento da empresa. Thomas, Christian e Tony são três dos filhos nos quais se reflete todos os desenvolvimentos da história. Nascerá ainda Clara, num nítido paralelismo dessa decadência,quando nasce precocemente, num dia de Primavera, fora de tempo, quase destinada a um fim igualmente prematuro. Há muita simbologia na obra de Mann o que, na minha opinião, só o eleva ainda mais a um dos melhores clássicos de sempre. 

As personagens são feitas de uma riquíssima complexidade e igual humanismo sendo, tantas vezes, impossível ao leitor não se emocionar com os azares de algumas personagens, particularmente, de Tony, a irmã mais velha e a que deposita na firma e na família as respostas a todos os seus sacrifícios e, acredite, esta será uma das personagens que Deus colocará, constantemente, à prova.

O irmão mais velho, Thomas, acabará a liderar a empresa e a família. Também esta personagem será dedicada ao nome e estatuto social que a família deposita, numa ansiedade crescente em não desonrar a imagem dos antepassados. Já Christian, irmão mais novo, é a personagem sempre doente, adivinhando um TOC profundo e uma quase hipocondria como resposta do seu eterno desejo ao ócio.

Gradualmente percebemos que, à semelhança do pai, também Thomas tem uma saúde precária. Assumindo as rédeas da empresa até à exaustão, adivinhamos que o declínio está próximo, independentemente de todos os seus esforços mentais para reverter a situação. O seu casamento, também ele pensado de forma estratégica, não só nos relembra o seu amor por Anna e tudo o que desistiu em prol do nome «Buddenbrook». O mesmo se vive, até de forma mais intensa, com a história inesquecível de Tony, junto ao mar. E seu Morten que "ficou nas pedras."

Esse é registo principal: o sacrifício da maioria das personagens em nome da família, da empresa e de tudo o que isso implica. O momento do centenário da firma é o ponto máximo que prediz o declínio total, de tudo e de todas. Nesta fase, também a casa assume, uma vez mais, o poder enquanto personagem. Após a morte da mãe, a venda da casa é inevitável. Este é o princípio do fim.

Se para Thomas, cada vez mais débil e cansado, a esperança residia em Hanno, o seu filho ainda pequeno e feito de uma sensibilidade enorme, também essa ideia sai completamente fora dos seus intentos mas, para o saber, o leitor terá de ler uma obra muito profunda sobre a importância da família e a necessidade de olhar para dentro colocada, quase sempre, em segundo plano. 


Apesar de«A Montanha Mágica» ser considerado o melhor livro do autor, e mesmo sendo um livro num tom totalmente diferente, «Os Buddenbrook» entrou, rapidamente, na lista das minhas melhores leituras. É um livro sobre uma época e é também um livro sobre questões imutáveis, transversais a todas as gerações e, talvez por isso mesmo, nos invoque tanta empatia e o desejo de que as personagens que por ali vivem, fossem um pouco mais felizes.


Seja feliz,

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