Vivemos num presente. Nostálgicos pelo passado feliz. Ansiosos pelo
futuro que ainda não chegou.
Nesta sequência, dou comigo a pensar, vivemos apenas num limbo entre o
cá e o lá. Entre esse passado feliz, uma saudade que quebra, e esse futuro
desconhecido com promessas na algibeira.
Vamos, assim, largando pedaços de nós mesmos num passado de saudade
cada vez maior, cada vez mais penoso, num desejo atroz, infantil, de alcançar
um futuro promissor.
O presente ficará sempre por desembrulhar.
Eu chamar-lhe-ia a avidez de ser feliz. A avidez é tanta que o tempo
passa (passado) por nós, a oportunidade surge (presente) e nós, sem sapatos
(olhos), continuamos a correr nessa busca desesperada, e burra, que nunca chegará
(futuro). Já passou, afinal.
Ao som de várias saudades presentes.
1 comentário:
Cada coisa a seu tempo tem seu tempo.
Não florescem no inverno os arvoredos,
Nem pela primavera
Têm branco frio os campos.
À noite, que entra, não pertence, Lídia,
O mesmo ardor que o dia nos pedia.
Com mais sossego amemos
A nossa incerta vida.
À lareira, cansados não da obra
Mas porque a hora é a hora dos cansaços,
Não puxemos a voz
Acima de um segredo,
E casuais, interrompidas, sejam
Nossas palavras de reminiscência
(Não para mais nos serve
A negra ida do Sol) —
Pouco a pouco o passado recordemos
E as histórias contadas no passado
Agora duas vezes
Histórias, que nos falem
Das flores que na nossa infância ida
Com outra consciência nós colhíamos
E sob uma outra espécie
De olhar lançado ao mundo.
E assim, Lídia, à lareira, como estando,
Deuses lares, ali na eternidade,
Como quem compõe roupas
O outrora compúnhamos
Nesse desassossego que o descanso
Nos traz às vidas quando só pensamos
Naquilo que já fomos,
E há só noite lá fora.
Ricardo Reis, Cada coisa a seu tempo
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