Em Parte Incerta (Gillian Flynn)

sábado, 11 de janeiro de 2014

Atenção: S P O I L E R
 
 
O tema deste livro é bem trabalhado, mas acredito que podia ser bem melhor. Houve momentos em que me senti ridiculamente irritada com a previsibilidade do enredo, como certas partes do diário da Amy. Qual é a mulher apaixonada que é tão estúpida que não percebe as mudanças do marido, agora infiel? Desde o início da leitura que a Amy - realço que esta a minha mera opinião - se tornou a minha grande suspeita.
Quando digo que o tema do livro é bem trabalhado, sim. Acredito que sim, porque mais do que todas as peripécias policiais, a autora enfatiza a relação/casamento como a grande máxima: a complexidade das relações. E nesse sentido, não podia ter expressado melhor essa grande complexidade humana no que se refere ao amor, ao desejo de sermos amados e no abismo absurdo em que por vezes se cai nessa tentativa de alcançar o supremo sentimento. Aí penso que conseguiu. Mas, sem deixar de referir, de uma forma um tanto ou quanto, exagerada. Não me cativou. Achei certas partes verdadeiramente atrofiantes.
Vamos começar pela questão inicial, supostamente o gatilho que encolerizou a Amy: o enamoramento Amy e Nick.
A própria admite não ter começado da forma correcta. E que forma correcta seria essa? Sendo ela mesma. É que lá está. O grande problema das relações, sejam elas de que foro, é não começarem por um princípio básico: a transparência de carácter. Assume-se uma personagem, como nos filmes ou nos livros, daquilo que é suposto ser, daquilo que é suposto o outro gostar, para cativar, para agradar, para se tornar desejado. Tudo muito belo, encantador, um verdadeiro encanto. Outra questão: até quando?
Esse tipo de encanto, essa personagem transformada tem sempre um prazo de validade, por norma, curto. É como um balão que vai enchendo na medida do desejo do outro, por norma um desejo grande, e obviamente acaba por rebentar. É que, afinal, o desejo do outro não faz qualquer sentido. "Eu também tenho os meus desejos, e ele não vê!" ou "Afinal, agora que mostrei este meu balão rebentado não consegue ver para lá dele!". Oh, que chatice. Isto afinal não tem piada nenhuma.
O que acontece depois? O encantamento desaparece como o vestido da Cinderela, às 24H em ponto. Tudo volta à essência do nascimento, ao temperamento de base, ao carácter daquilo que sempre foi, e sempre será. Mas há outra questão importante aqui. Vamos pensar.
O que origina essa necessidade de agradar tanto, mudando temperamento e personalidade? A Amy responderia: "...a certeza de ter um lugar cativo e vitalício na vida de alguém, a qualquer custo. Ser amado, porque se quer e porque é assim e mais nada." 
Eu e o meu sistema límbico, arrumadinho no sítio certo, diria tão simplesmente: "falta de amor próprio."
Essa falta de amor próprio justifica a pobreza da maioria das relações, que sujeitam a uma série de atitudes imprevisíveis, descontroladas e prolongadas no tempo em que o resultado só pode ser pior, pior e pior.
A juntar a toda esta soma infeliz, quando as duas pessoas se enraízam de tal forma nessa pobreza de espírito, deixam de acreditar noutra possibilidade.
 
Não foi um livro que me cativou, mas a complexidade em torno das relações, do egoísmo, da necessidade de sermos amados a todo o custo, da psicopatologia, todos esses temas misturados, acabaram por tornar a leitura possível.
 
 
Muitas leituras.
 
 
 
Sinopse em www.wook.pt: Uma manhã de verão no Missouri. Nick e Amy celebram o 5º aniversário de casamento. Enquanto se fazem reservas e embrulham presentes, a bela Amy desaparece. E quando Nick começa a ler o diário da mulher, descobre coisas verdadeiramente inesperadas…
Com a pressão da polícia e dos media, Nick começa a desenrolar um rol de mentiras, falsidades e comportamentos pouco adequados. Ele está evasivo, é verdade, e amargo - mas será mesmo um assassino?
Entretanto, todos os casais da cidade já se perguntam, se conhecem de facto a pessoa que amam. Nick, apoiado pela gémea Margo, assegura que é inocente. A questão é que, se não foi ele, onde está a sua mulher? E o que estaria dentro daquela caixa de prata escondida atrás do armário de Amy?

Com uma escrita incisiva e a sua habitual perspicácia psicológica, Gillian Flynn dá vida a um thriller rápido e muito negro que confirma o seu estatuto de uma das melhores escritoras do género.

 


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