«A de Açor» não é um livro fácil. De todo.
Uma história (verídica) que voa direta ao tema frio do luto. Digo frio, porque o é. E só quem tem conhecimento de causa, terá igualmente a arrogância para o dizer à boca cheia.
Helen, após a morte do pai, perdeu o chão, as estribeiras, o tão falado norte e tombou sem pouso certo.
A nossa tendência será sempre a de fugir aos temas que mais doem, às coisas mais cinzentas ou mais difíceis. A tendência a evitar, a deixar ficar, a tentar no dia seguinte, quem sabe. Logo se vê, proclamam uns, assim só por dizer, outros talvez convictos apenas de momento.
Mas quando a morte chega, magistralmente, tudo para.
Os planos que se adiaram, os dias que se escoaram na pressa de tantos outros, as raivas infrutíferas com condutores desajeitados, e tantos que mais, congelam sem direito à misericórdia de um pensamento vindouro. Porque tudo parou num aqui e agora, frio e invocador de milhares de questões sem resposta.
Apesar da dificuldade inerente à temática, este livro deve ser considerado pela sensibilidade que transmite, bem como pelas dificuldades adjacentes a que tantas vezes o ser humano se auto induz numa tentativa de afogar um sofrimento que, apenas e só, poderá escoar-se quando confrontado de frente.
Tão somente, Helen, desde pequena admiradora de aves de rapina, decide, após a morte súbita do pai, largar tudo e treinar um açor.
O leitor acompanhará a sua nada fácil jornada, lidando com a perda e ausência do pai, de todos à sua volta, confrontada com uma solidão que se torna palpável no avanço dos dias e que tenta, desesperadamente, acalmar numa proximidade bonita com a ave.
Helen Macdonald partilha com os leitores momentos da sua história verdadeiramente emocionantes.
Sabiam que um açor também pode brincar? Pois pode.
«A de Açor» mais do que um relato emotivo de confronto com a morte, um testemunho bem desenvolvido sobre as aves de rapina com aspetos verdadeiramente curiosos, é uma história que se repete em cada casa perdida. São dores partilhadas. Investimentos falhados. Motivações em dúvida. Esquecimentos forçados. Objetivos distorcidos, de quem procura na natureza um esconderijo que permite esquecer.
No fim, nascem lições que se juntam como um esquema árduo de matemática.
Todas as ações se somam, entre falhanços e sucessos para, mais tarde e gradualmente, se ser capaz de subtrair a dor fria da ausência.
Recomendo.
2 comentários:
Comprei-o há pouco tempo precisamente porque a perda da autora me é familiar. Provavelmente será doloroso de ler, mas às vezes é preciso encarar a dor de frente. Obrigada pela opinião, gostei muito de a ler :)
Olá Célia :)
Muito obrigada.
É um livro pesado mas, paralelamente, revela um lado muito sensível e bonito de confronto ao luto, ao sofrimento.
Vale a pena!
Boas leituras
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