De Charlotte Bronte para Constantin Heger
Amor não correspondido
Quatro anos depois de rejeitar um honrado pedido de casamento, Charlotte Bronte descobriria também as agruras de um amor não correspondido. A jovem promessa literária e a sua irmã, Emily, tinham sido enviadas para um internato em Bruxelas onde, em troca de leccionarem, aprenderiam o francês, e onde se apaixonaria pelo director da escola e seu tutor, Constantin Heger, que, ao que tudo indica, amava lealmente a sua mulher.
Já de regresso ao Reino Unido, não consegue esquecer o seu amor e escreve-lhe quase todas as semanas cartas perturbadoramente honestas nas quais declama o seu amor sem pudores. Aliás, a mulher do professor tem mesmo de lhe pedir que escreva no máximo a cada seis meses. A maioria das cartas foram destruídas pelo próprio Heger, que as rasgava sem lhes responder; felizmente a intuição feminina da sua mulher percebeu que provinham de uma escritora que se tornaria uma lenda da literatura. Ia buscar os pedaços de papel ao lixo, reconstituindo estes testemunhos de amor genuíno e sem qualquer esperança de reciprocidade. Charlotte morreu, tal como as irmãs, Emily de tuberculose, antes de chegar aos 40 anos.
8 de Janeiro de 1845
Quando a Taylor regressou, perguntei-lhe se tinha alguma carta para mim. - «Não, nada.» - «Paciência», respondi. - «A sua irmã chega em breve», retorquiu. Depois a menina Taylor voltou para trás para dizer: «Não tenho nada para si do Sr. Heger, nem carta nem mensagem.»
Tendo compreendido o que ela queria dizer, pensei naquilo que diria a outra pessoa em circunstâncias semelhantes: «Tem de se resignar e, sobretudo, não se afligir de um desgosto que não merece.» E tentei não chorar e não me queixar.
Mas quando não nos queixamos e nos tornamos tiranos de nós próprios, as nossas forças revoltam-se, e paga-se a calma exterior com uma luta interior quase insuportável.
Não entendo paz nem sossego, nem de dia nem de noite.
Quando adormeço, tenho sonhos que me atormentam onde o vejo sempre severo, com ar sombrio e irritado comigo.
Perdoe-me, portanto, se tomo a liberdade de voltar a escrever-lhe. Como poderei suportar a vida se não fizer um esforço para aliviar o meu sofrimento?
Sei que vai ficar impaciente quando abrir esta carta. Vau voltar a dizer que me exaltei, que tenho pensamentos obscuros, etc. Senhor, eu não tentarei justificar-me, aceito todo o tipo de críticas. Tudo o que eu sei é que não posso - não quero - resignar-me a perder completamente a amizade de meu mestre. Prefiro sofrer a maior dor física a ter o coração constantemente dilacerado por amargos arrependimentos. Se o meu professor me retirar por inteiro a sua amizade, ficarei sem qualquer esperança; se me der alguma - apenas alguma - , já ficarei contente. E, feliz, terei alguma razão para viver, e trabalhar.
Senhor, os pobres não precisam de muito para viver - apenas mendigam as migalhas de pão que caem da mesa dos ricos -, mas se essas migalhas de pão lhe forem recusadas, eles morrem de fome. Eu também não preciso de muito carinho por parte das pessoas que amo. Nem saberia o que fazer com uma amizade inteira e completa - não estou habituada - , mas o senhor manifestava outrora, quando eu era sua aluna em Bruxelas, algum interesse por mim, e eu desejo manter esse interesse, por pouco que seja - desejo-o tanto como desejo a minha própria vida.
Talvez me diga: «Já não tenho por si nenhum interesse, menina Charlotte, já não é da minha casa, já a tinha esquecido.» Então, Senhor, diga-mo francamente. Seria um choque para mim, mas não faz mal, sempre será menos hediondo do que a incerteza.
Eu não quero reler esta carta, vou enviá-la tal qual como a escrevi. E, no entanto, tenho a sombria consciência de que algumas pessoas frias e sensatas que a lessem diriam que não estou no meu perfeito juízo. Como minha única vingança, desejo a essas pessoas um só dia de sofrimento que experimentei nos últimos oito meses. Veríamos então se elas não ficariam tão irracionais como eu.
Sofre-se em silêncio enquanto temos força para tal e quando essa força falta falamos já sem medir as nossas palavras.
Desejo-lhe felicidade e prosperidade,
CB
Retirado daqui
E pensar que esta carta nasce das mãos que deram vida a uma das personagens mais vibrantes e corajosas de sempre, Jane Eyre.
5 comentários:
Olá, Denise,
Acho que acabei de ficar com o meu próprio coração partidinho com o desespero das palavras da "menina" Bronte:C primeiro, tenho que fazer uma comparação: afinal não é só de agora que os destinatários do amor feminino se dão ao desplante de não responder a uma mensagem...
Segundo, grande mulher (a do professor) que resgatou a correspondência. Quantos mais pedacinhos de vida de bons autores não se terão perdido por aí?
Ainda não li "Jane Eyre", mas deste ano não pode passar...
beijinhos e boas leituras!
Adorei Jane Eyre. Continua a ser intemporal. Absolutamente delicioso.
O livro é parcialmente autobiográfico e melhor ainda por issso.
Mas é de partir o coração.
Todas as Brontë eram criativas, incluindo o irmão.
Uma grande fuga à vida infeliz que lhes calhou.
Uma grande pena terem morrido tão cedo.
Bom fim-de-semana
Olá Su!
Também penso na imensidão de preciosidades que se terão perdido.
É uma boa coletânea, esta.
Beijinhos e boas leituras!
Olá Beatriz!
Jane Eyre é um dos meus livros preferidos de todo o sempre.
Gostei muito de ler a biografia das irmãs, já há uns bons anos, todas elas especiais e de uma enorme fortaleza de espírito, pelo menos, na vontade de o transmitir aos outros :)
Beijinhos e boas leituras!
Olá!!!
Fiquei, tal como a Su, com o coração despedaçado!
Conseguimos ver a genialidade da escritora nesta carta, não é? E, de certa forma, explica a forma real como ela descreve o sofrimento da sua criação, Jane Eyre.
Fiquei com vontade de ver este livro...como são as restantes cartas??
Beijinhos e boas leituras
Olá Kel :)
O livro é interessante, com uma estrutura boa de cartas de amor atendendo ao seu conteúdo e ao tipo de amor nelas contido.
Temos cartas de Freud, Pessoa, Florbela Espanca... muito bom! Recomendo.
Beijinhos e boas leituras!
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