Intimidade (Hanif Kureishi)

terça-feira, 15 de maio de 2018


Gosto de dicionários. Foi assim que descobri, à letra, o significado, aparentemente real, da palavra «intimidade»: qualidade do que é íntimo, essencial ou, tão somente, relações íntimas.
 
O que esperaria, você aí, da palavra intimidade? Hanif Kureishi faz-nos questionar, sem parar, sobre o que é a intimidade: como nasce, como se produz, como se mantém, como a podemos fazer engordar e perpetuar ao longo de todos os dias?
 
O autor atira-nos para dentro de uma casa e põe-nos, assim, a bisbilhotar os pensamentos deste homem, desta personagem principal, que de principal nada tem atendendo ao seu chão, pouco firme, uma carpete de questões profundas sobre uma vida que construiu, quase sem saber como.
 
Hanif Kureishi, com a sua «Intimidade», dá-nos a conhecer uma história penosa, escrita por mão firme e sem comiserações, mostrando-nos essa dicotomia do ser humano, repelida e desejada. O livro fala-nos desse homem que, depois de 6 anos de vida em comum com Susan, dos dois filhos pequenos, decide que está na hora de arrumar a mala e desaparecer. A cru. Sem papas na língua. Quer deixar tudo e aquela noite, em que o leitor o conhece, dita-lhe logo essa vontade inquestionável. Diz ele nunca ter amado Susan. Há uma Nina que, aparentemente, e só aparentemente, lhe mostrou essa sua possível competência. Parece bastar-lhe essa certeza mediada pela incerteza. São coisas.
 
O livro de Kureishi acaba por se revelar um desafio. Odiar o protagonista ou condoer-se com as suas dúvidas? Escolher-lhe a cobardia ou a coragem? Poderá o abandono de uma vida em ruínas, marcada pela rotina, ser visto de apenas um desses ângulos? Tudo por essa busca pouco definida?
 
Voltemos ao dicionário. O segredo está na palavra essencial. A intimidade é a estrada que se atravessa, é a gaveta que se revira ao contrário, é a sapateira que esconde o par do sapato, é tudo isso e mais, numa busca sem tempo a perder pelo que é, realmente, essencial. É todo um esforço de encontro a essa intimidade, que é tudo. Um tudo comparado ao cubo de Rubik: há uma ordem certa, uma cor no lugar certo, uma hora certa em que tudo faz sentido. Assim é a intimidade, uma espécie de jogo perspicaz e malévolo, a empurrar-nos pela incerteza, mas a empurrar-nos.

Terá este homem largado tudo em prol de um amor desconhecido?
Será essa ânsia de intimidade, a verdadeira, a casar fielmente com a cumplicidade, o motor que nos faz desistir dos dias mornos?
Leia e tente responder a si mesmo perante um livro que, mais do que introspetivo, nos provoca as dores de todas as emoções infecundas.
Por cobardia ou por coragem.
 
 

Boas leituras,

2 comentários:

Beatriz disse...

Denise :)
O livro é altamente autobiobiográfico e, como seria de esperar, não foi nada bem aceite pela família.

Li-o numa tarde em Londres há quase três anos,. Tem uma capa amarela shock icterícia. Muito linda ;)
Antes havia lido "O Buda dos Subúrbios" e "Álbum Negro".
Duas curiosidades:Kureishi começou por escrever pornografia e nunca leu Jane Austen por considera ser uma escritora para mulheres.

(Estou a ler "The haunting of Hill House, de Jackson, e a gostar bastante. Começa bem, na minha opinião: "No live organism can continue for long to exist sanely under conditions of absolute reality; even the larks and katydids are supposed, by some, to dream.")
Beijinhos

Denise disse...

Beatriz! :)

Sim, eu li um pouco sobre essa questão, também (desconhecia essa particularidade sobre Jane Austen, eheh!). Gostei muito. Há uns bons anos li «O Dom de Gabriel» mas, honestamente, já não me lembro muito da história. Vou ter de reler mas, quanto ao presente, conquista na hora.
«The Haunting of Hill House» foi a minha auto-prenda de Abril, mas ainda não li. Gostei tanto do «Sempre vivemos no castelo». As expectativas são grandes.

Beijinho e ótimas leituras!

CopyRight © | Theme Designed By Hello Manhattan