Tu não és como as outras mães (Angelika Schrobsdorff)

domingo, 16 de junho de 2019



«Tu não és como as outras mães», de Angelika Schrobsdorff, não é um livro como os outros. É que nele conheceremos uma mãe, uma mãe que não é como nenhuma outra, não é mesmo. Não é uma propaganda tomada pelo excesso de afeto maternal, não senhor. Esta não é uma mulher, uma mãe, como as outras, o que faz deste livro um achado pela sua singularidade e pela veracidade que encerra. Inspirada na vida da própria autora, na sua mãe, conheceremos uma história de vida que merece ser lida na sua plenitude, sem julgamentos fáceis, que nos pede coração aberto e uma reflexão afinada após a última página. 

Else era especial.

"As pessoas, tanto homens e mulheres como crianças, iam ao encontro dela, procuravam a sua proximidade, o seu calor, o seu amor, a sua amizade. Ela deu tudo isso a muitas pessoas, deu tudo isso a muitas pessoas, deu tudo sem reservas, esbanjou, muitas vezes de forma insensata."

Else tinha um coração quente e avassalador. Amava sem freio, selvagem, um modo atípico naquele tempo de guerra, de contenção:

"«Devemos ter um filho do homem que amamos». Era a convicção dela e a ela se ateve. Incondicionalmente, com ou sem casamento, mas em qualquer circunstâncias nas condições mais adversas."

Else rapidamente aprendeu a tornar-se na mulher desejada. Aos poucos, foi aprendendo o que esperariam dela até ao momento de catarse, em que se apercebe das suas próprias pulsões, as suas vontades. Há um dia em que, um pouco descrente do amor que outrora conhecia, criou o seu modo de amar, uma flor que se expande em segundos, que nasce, desabrocha e faz cair, pétala por pétala, ilusões de um tempo há muito perdido. Uma mulher que morreu em si mesma e que nasce, imprevista, pronta para amar à sua maneira. E como amou.

Há inocência em Else. Uma inocência que é poesia. E bravura.

Este é um daqueles livros que só nos provam que a literatura é bálsamo. Quantas vidas vivas não persistem em livros? Mesmo personagens que nasceram das cinzas de uma aparente imaginação de escritor, contêm vida, muitas vidas. Estou certa. Aposto tudo em como a vida pulsa e como a literatura é esse motor, que nos empurra, que nos permite ver mais além, qual terapia, qual psicólogo. É a literatura. Angelika prova isso a si mesma e a todos nós que tivemos o privilégio de conhecer a sua vida, a sua mãe. Else é uma mulher inesquecível, é vida, é amor, é liberdade num tempo de opressão, é esperança.

«Tu não és como as outras mães» é um relato cru e simultaneamente emotivo de uma filha dedicada a esse amor de mãe, preponderante, único e negociante de futuros. A uma mãe que lhe comprou a curiosidade desde tenra idade. Contudo, mais do que esse amor por uma mãe tão única, tão fora da esfera das mães de avental e que cheiram a bolo de laranja a cada manhã de Sábado, é também um hino de voz grave a um trecho de História que não se esquece: a 2ª Guerra Mundial marca aqui o peso e a presença de uma quase segunda personagem.

Este livro é feito de uma mãe, de três filhos, de pais, de muitos amores, de guerra, de História, numa soma certa de que a vida é feita de pequenos intervalos. Os intervalos de calmaria após um novo desastre, um novo estremecimento. É esse intervalo, essa distância que nos leva de um desastre a um novo, lá na esquina, que nos faz viver a ideia da vida como um milagre.

Se ainda não pensa assim, faça o favor de começar agora.





Ao som de: Hollow Coves - These Memories

Seja feliz,

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