A desobediência (Alberto Moravia)

quinta-feira, 28 de junho de 2018


Alberto Moravia foi um escritor e jornalista italiano. As temáticas das suas obras estão, maioritariamente, relacionadas a maturação sexual, o autoquestionamento, a procura de si mesmo e simultaneamente, a alienação.
 
O livro de hoje, «A Desobediência», é um romance altamente biográfico. O autor, quando adolescente, sofreu de tuberculose, tendo vivido um período de saúde muito frágil e delicado, situação que acabou por se refletir severamente no seu desempenho escolar.
 
Também Luca, personagem deste pequeno livro, é acometido por uma crise existencial muito profunda na fase da adolescência. Sabemos que, por si só, a adolescência surge recheada de conflitos interiores, desde o sistema endócrino a exigir uma reorganização, pondo em sobressalto todas as hormonas, como também, a nível emocional. São as questões sem fim, são os fundamentalismos baratos, é o distanciamento das figuras parentais, a razão sempre direcionada para o mesmo lado.
 
Luca está revoltado. A vida não lhe faz sentido. Nada do que encontra o parece encantar ou imprimir-lhe a vontade de viver. O amor dos pais é descabido, visto apenas como um propósito. Os estudos acarretam igualmente uma visão focada para a ambição das pessoas. Os bens materiais, esses, são caprichos para uns míseros segundos de contemplação, algum prazer, também ele efémero.
 
Nessa angústia, Luca decide desistir de viver, aos poucos. Há a necessidade de se distanciar de tudo aquilo que é apregoado como bom, como impulsionador de boas emoções. Ele deseja definhar, entrar num jogo de desobediência pelas leis impostas pelos adultos. Para tal, começa por se desligar dos seus bens materiais, dos seus jogos, dos seus livros, do seu dinheiro.
A sensação de perda, de vazio, vai-lhe justificando esse jogo imposto à lei do não sentir. Continua essa jornada, desistindo de ser bom aluno, desinteressando-se pelos colegas, resistindo a tudo o que se possa revelar uma boa experiência. Pensemos numa espécie de vácuo emocional: era assim que Luca estava decidido a passar os seus dias, numa espécie de morte, mais do que desejada, anunciada.
 
No momento em que os seus primos têm de passar uma temporada na sua casa, algo de novo será vivido por Luca: a vinda da preceptora das crianças, uma mulher madura, roliça e de olhos brilhantes, mudará a direção do seu desejo de desobediência, a perceção real do seu jogo começa a desviar-se perante os seios destemidos da mulher, por entre a blusa que, teimosamente, tende a abrir enquanto brinca com as crianças, revelando todo um mundo de sensações novas a este jovem.
 
E um beijo acontece. A preceptora beija-o sem rodeios. Convida-o sem rodeios a visitar a sua casa. Com muitos rodeios, de quem não se permite às reais vontades, Luca resiste. Nega. Não vai. Mais tarde, porém, não resiste e procura-a. Quis o destino que a mulher morresse dias depois, sem a oportunidade de a rever.
 
A raiva por ter sido obediente, sem ser capaz de se contrariar, inflama-se na alma e no corpo, adoecendo gravemente. De cama, com febres altas, comendo quase nada, Luca começa a alucinar. Nesse seguimento, uma enfermeira é contratada pelos pais e todo um novo ciclo de emoções, temores, perceções novas lhe surge pelo coração adentro.

Entre o desejo de desobedecer a si mesmo e a vontade profunda de se permitir sentir, Luca conhecerá novas sensações com esta mulher, igualmente madura, experiente, com uma história de vida repleta de segredos, mas de desejos também. Será esta enfermeira a despertar o corpo latente de Luca, iniciando-o sexualmente.

Este é o culminar da sua desobediência, levando com ele, agora, novas perceções, novas ideias, uma nova forma de estar na vida, como quem encontrou, enfim, um sentido para si mesmo, para os dias que passam, para tudo. Essa resposta é o amor. A certeza de que ao longo de todo o seu caminho, poderá aspirar aos desejos profundos de outrora, a esse pulsar que vem de dentro, dessa procura constante de algo que não se vê mas que se sabe encontrado no momento certo.

O pequeno livro de Moravia fará o leitor regressar aquela fase em que as dúvidas existenciais carimbam todas as horas do dia. Dúvidas que se prolongam por toda a vida, numa procura desenfreada do caminho certo, do destino que se aguarda a cada decisão firmada.
 
 
 Gostei muito desta leitura e só a posso recomendar sem reservas.
 
 
Boas leituras,

1 comentário:

Beatriz disse...

Olá, Denise :)

Desconhecia este livro.
De Moravia só li 2. "Os Indiferentes", de que gostei bastante e "A Romana", de que não gostei assim tanto.

(A sua ex-companheira, Elsa Morante, escreveu também um bildungsroman que me agradou muito: "A Ilha de Arturo". A Relógio d'Água está em vias de publicar brevemente um outro livro seu.)

Boa sexta-feira e óptimo fim-de-semana.
Beijinho.

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