O Baile (Irène Némirovsky)

terça-feira, 10 de março de 2015


A juventude é a embriaguez sem vinho.
Goethe
 
 
A adolescência é assim. Quem é que esquece essa fase do desenvolvimento humano em que as hormonas decidem ir à discoteca todos os dias?
O pequeno livro de Irène Némirovsky é o registo breve dessa agonia do corpo e da alma que reclama mais do quer, e não pode ter. De uma adolescente, com o corpo a formar, e a alma tão completa em si mesma, que ama desesperadamente alguém que ainda não chegou. Uma pequena a ganhar pernas de mulher, a ansiar caminhar por si mesma, a crescer com valores dignos só de si, tão mais completos do que esses pais, agora novos ricos, tenros nessa vida desejada.
Inspirado na relação difícil com a mãe da autora, este livro sublinha a dificuldade de Antoinette ser compreendida pela própria mãe, de fazer prevalecer os seus pequenos desejos, transparentes como a sua idade.
A adolescência pode ser um grito sem som. O desfecho que Irène Némirovsky criou para esta pequena história não poderia ser prova maior disso mesmo, cujos valores e sentimentos ressoam em cada canto de uma sala vazia, onde horas antes um suposto Baile prometeria sonhos de papel.
Um desfecho que, curiosamente, muito me lembrou o meu estimado John Steinbeck, onde a moralidade sempre se destaca, onde os valores e reais necessidades acabam por se evidenciar mais do que as meras aparências.
 
Gostei muito.
Boas leituras.
 
 
Irène Némirovsky nasceu a 11 de Fevereiro de 1903, em Kiev, Ucrânia, numa família de banqueiros judeus.
A sua infância decorreu num tempo de violência e pogroms anti-semitas.
O seu pai, Leon, não praticava a religião judaica, o que permitia à família frequentar a sociedade russa culta e europeizada. Irène teve mesmo uma preceptora francesa que lhe ensinou História e lhe leu Os Miseráveis quando contava apenas sete anos.
Em 1912, as perturbações políticas e as manifestações anti-semitas levaram o pai de Irène a enviá-la, e à mãe, Fanny, para França. Em Paris, Fanny levou uma intensa vida social, deixando a filha entregue à sua preceptora.
Em 1914, a família fixou-se em São Petersburgo.
A Revolução de Outubro de 1917 leva a que o pai de Irène seja perseguido. A família Némirovsky oculta-se num pequeno apartamento moscovita, em cuja biblioteca Irène lê Huysmans, Maupassant, Wilde e Platão. Em Fevereiro de 1919, mãe e filha refugiam-se na Finlândia, disfarçadas de camponesas, com jóias e dinheiro ocultos nas vestes. É já na Finlândia que Irène começa a escrever.
Depois de uma passagem por Estocolmo, a família instala-se em Paris, onde o pai de Irène refaz a sua fortuna a partir de uma sucursal do seu banco russo.
Ao regressar a Paris, Irène tem dezasseis anos.
Licencia-se em Letras e publica, sob pseudónimo, em revistas. Goza de bastante liberdade como resultado do abandono maternal e das longas ausências do pai.
Frequenta os meios intelectuais dos exilados russos, onde encontra Michel Epstein, um banqueiros com quem se casará em 1925.
As tensas relações de Irène com a sua mãe, Fanny, vão fornecer-lhe tema para algumas das suas obras. Fanny despreza a filha, que considera uma rival.
Obcecada pelo envelhecimento, apresenta-a como irmã mais nova no baile que o pai organiza em honra dos seus 18 anos. Pelas mesmas razões, pede-lhe para abortar quando Irène lhe anuncia a gravidez, pois recusa-se a ser avó.
David Golder, publicado em 1929, é o primeiro romance de Irène Némirovsky e foi saudado pela crítica como uma obra-prima. O Baile, publicado em 1930, teve igual aceitação. E durante os anos 30 Irène publica nove romances e uma antologia de contos.
Irène vai tornar-se popular nos meios intelectuais parisienses, onde através do seu editor, Grasset, encontra Cocteau, Monrand e Montherlant. Mas os seus dias felizes vão terminar com a subida de Hitler ao poder na Alemanha em 1933.
Inicialmente, Irène não tem a noção do perigo que corre, apesar de o seu pai lhe ter recomendado, em 1926, que partisse para os EUA. Considera-se uma escritora francesa, mãe de duas crianças francesas e afastada das suas raízes judaicas.
Por outro lado, nem ela nem o marido haviam solicitado a nacionalidade francesa, e quando tentam fazê-lo em 1938 é já demasiado tarde.
Em 1940, as tropas alemãs ocupam Paris e o governo colaboracionista de Vichy aplica com zelo as leis alemãs antijudaicas. Michel Epstein é impedido de exercer a profissão de banqueiro e Irène proibida de publicar e receber direitos autorais. Apesar do apoio do seu editor, Albin Michel, a situação degrada-se. A 13 de Julho de 1942, Irène é presa pela polícia francesa, internada em Pithiviers e depois deportada para Auschwitz, onde morre a 17 de Agosto (o marido será igualmente morto em Novembro de 1942). As duas filhas são salvas in extremis e internadas num convento.
 

2 comentários:

Carlos Faria disse...

Já ouvi elogios a esta escritora judia-franco-ucraniana, sobretudo da sua obra Suite Francesa que andei à procura, mas ainda não encontrei.

Denise disse...

Olá Carlos!

Elogios merecidos, na minha opinião. Gostei muito deste primeiro livro que li da autora.
Agora espero ter oportunidade de ler a sua primeira obra: "David Golder".
A Relógio D'Água tem alguns livros da autora editados mas de facto, não encontro lá o que o Carlos refere...

"O Baile" pode ser uma boa aposta para começar!

Boas leituras

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