As Raparigas (Emma Cline)

domingo, 1 de janeiro de 2017


No Verão de 1969, na Califórnia, a história de Emma Cline retrata a vida de Evie, uma adolescente igual a tantas outras que verá a sua vida transformar-se, irremediavelmente, a partir do momento em que se cruzará com Suzanne: uma jovem que, na companhia de outras, se veste de forma diferente, caminha de forma diferente, sorri de forma diferente, vive de forma diferente, muito longe de qualquer convenção social.

O encantamento que terá na vida de Evie é enorme, fazendo-a ultrapassar barreiras em que a própria jamais acreditou conseguir. O livro de Emma Cline é um retrato muito fiel das amarguras tão profundas da adolescência e o quanto o desamparo vivido nessa fase poderá terminar num abismo incalculável.
"Demorei um momento a processar esta ideia de que os pais não tinham esse direito. De súbito, pareceu-me uma verdade gritante. A minha mãe não era minha proprietária só porque me dera à luz (...)."
Ao sentir a própria família desmoronar-se, Evie percebe o quanto a vida no rancho com as raparigas faz mais sentido, longe de qualquer regra imposta por um adulto que, afinal, não consegue manter-se erguido nas próprias pernas nem, muito menos, promover os afetos na medida de outrora. Nada parece fazer sentido na vida de Evie, exceto, o encantamento quase doentio por Suzanne.
 
Suzanne é leveza e representa a liberdade e o crescimento que Evie sente que precisa, que nunca teve e que sem aquela rapariga, jamais conseguirá.
 
O primeiro livro de Emma Cline, apesar de um tema muito recorrente, a fazer-me lembrar «Raposas de Fogo» de Joyce Carol Oates ou a conhecida personagem Laura Palmer, pela fragilidade emocional e consequente rutura, consegue sobressair-se pela beleza da escrita: a autora escreve com muita sensibilidade, chegando de uma forma muito subtil ao âmago áspero da adolescência juntando-lhe, ainda, e com grande proeza, rasgos de uma poesia que surge inesperada.
 
Destaco, mais do que o enredo - que não deixa de ser muito bem conseguido - a estrutura da obra, a escrita, a forma como envolve e compra a curiosidade do leitor e guia, sem grandes aparatos, a um fim digno de filme (há, inclusive, a possibilidade da história ser adaptada ao cinema pela mão do produtor Scott Rudin).
 
"Todos nós queremos ser vistos."
 
Creio que esta frase resume, de rajada, a vida de Evie: a vontade de ser vista, de ser amada e reconhecida imperou, juntamente com um contexto de vida que a empurrou, sem questionar mas apenas para justificar, caindo num abismo que lhe duraria a vida inteira.
 
Por tudo isto, e levantando apenas um pouco do véu, só posso recomendar.
 
Boas leituras!

4 comentários:

redonda disse...

Um Bom Ano, com muitos livros e tudo de bom!
um beijinho
Gábi

Denise disse...

Obrigada Gábi! :)
Tudo de bom para ti, um 2017 em grande!

Beijinhos

creepysantos disse...

Olá, descobri o teu blogue através do teu perfil do instagram.
Gostei muito desta opinião: a forma organizada como apresentas o livro e o que gostaste nele.
É um livro pelo qual estou muito curioso, e consegui ficar com mais vontade de o ler.
Também sou booktuber, caso te interesse podes passar pelo meu canal :D
» youtube.com/creepysantosvs

Denise disse...

Olá Vasco!

Muito obrigada pelas simpáticas palavras :)
Volta sempre.
Este livro é uma boa surpresa, leva e complexo ao mesmo tempo. As temáticas abordadas serão, para todo o sempre, um tema a desbravar.
E eu vou, com toda a certeza, conhecer o teu canal.

Beijinhos e boas leituras

CopyRight © | Theme Designed By Hello Manhattan