As horas nuas (Lygia Fagundes Telles)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Lygia Fagundes Telles é das autoras brasileiras mais conceituadas. Os seus romances são, acima de tudo, de aprendizagem em que os iniciandos são mulheres (Regina Louro). Se em «Ciranda de Pedra» acompanhamos a história de uma menina em formação, em «As horas nuas», lê-se a história de uma atriz famosa, Rosa Ambrósio, agora, confrontada com o envelhecimento, fim da carreira e consequente crise existencial. A história vai oscilando entre passado, presente e anseios do futuro. A sua vida é analisada por Rahul, o seu gato. E se a visão de Rosa Ambrósio, a nossa atriz, parece toldada pela bebida, o gato consegue vê-la muito bem. E que gato este. 

Todas as personagens desta história parecem ter um traço comum, traço esse que as une pela ideia de desamparo. De alguma maneira, mais ou menos evidente, cada uma das pessoas que circula na vida de Rosa Ambrósio parece perdida em si mesma, como se a vida que lhes tivesse passado por cima antes que tivessem acordado, calçado os sapatos e corressem atrás dela.

A sensação de desamparo, e algum dramatismo, é vivido ainda mais na pessoa de Rosa, atriz com um ego que transcende a linha do aceitável e que à laia de já não ter a atenção que tanto gostaria, inventa dores, lamentos e mergulha bem fundo num passado que o leitor, só mais tarde, perceberá como a raiz de todas as incertezas desta mulher.

Nada lhe parece ter corrido como verdadeiramente desejado, à exceção, talvez, da fama que conquistou. Rogério, marido falecido, era a jóia que a estimava. Mas Diogo era o amante que a fazia relembrar o primo Miguel. E que, de um momento para o outro deixa de aparecer. A vida da atriz começa a ser comandada pela espera e esperança do seu retorno. Cordélia é a fiel empregada que lhe ouve os lamentos e a ajuda a minimizar as vergonhas de ser velho e de não conseguir mover as pernas quando quer.

Depois, a filha Cordélia só a enche de ralações. A jovem formosa só gosta de homens mais velhos, pouco interessantes de cabeça e, pior ainda, de corpo. Diz ela que gosta de lhes dar prazer, e quase desmaia nesses anseios. 

Rosa Ambrósio não sabe o que fazer da vida num ponto em que parece impossível voltar atrás. Quem a ouve, atentamente e quase sem voz, é Ananta, a sua psicóloga. Também ela parece feita de pó e de um desamparo que, por sua vez, parece palpável. Uma mulher jovem, bonita, com cara de virgem, ainda assim. Como pode?

É assim este livro de Lygia Fagundes Telles. Há a ideia constante de uma insegurança transversal a todas as personagens, personagens essas que são quase os alicerces de um teatro cuja personagem principal é a estimada e inesquecível Rosa. O peso e a amargura desta mulher é tão grande, tão avassalador, que na dor, parece levar todas as pessoas com ela. Como lhe disse, um desamparo sem fim, como quem faz perguntas sabendo, de antemão, que as respostas nunca chegarão ou, tão pouco, satisfarão. 

Esta é também uma história de segredos e de sombras. As personagens desaparecem sem deixar rasto e nesse paralelismo surge Rahul, o gato atento e que sabe tudo o que se passa, melhor do que ninguém.

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Mais do que uma história sobre o peso do envelhecimento mal digerido, esta é a história de vida de uma mulher que foi bafejada por uma dor adolescente que lhe tolheu, à partida, a condição de uma vida plenamente feliz. Sabe aqueles momentos da vida, derradeiros, que ora pendem para o lado mau ou para o lado bom, definindo o futuro que se aproxima já nas próximas horas? Assim foi com Rosa Ambrósio mas esse momento pendeu, dramaticamente, para uma negatividade que quase a protegeu a vida toda, uma quase vitimização de quem não supera o passado, mal tolera o presente e confronta o futuro zangada e desprovida de esperança.

À medida dos pensamentos desordenados da personagem, o leitor acompanhará o seu percurso de vida e vai percebendo, com a ajuda de um gato atento e muito perspicaz, o quanto somos feitos de uma soma de dias pesados e do esforço comum a transmutá-los, tornando a vida um pouco mais leve, mais suportável, mais merecedora. 

 

Gostei imenso deste livro, o segundo que leio da autora e, obviamente, pretendo conhecer mais. Aliás, há já um livro da autora que está na lista para comprar e que é o seu «As meninas». Já leu? Conhece a obra da Lygia? O que me diz a respeito?

 

Boas leituras e seja feliz,

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