Mulheres Excelentes (Barbara Pym)

segunda-feira, 15 de março de 2021

Sobre "Mulheres Excelentes", de Barbara Pym, John Updike disse "Uma lembrança surpreendente de que a solidão pode ser uma opção (...)". Creio que talvez seja uma das formas mais inteligentes de trazer a lume a grande essência desta história.
Aqui conheceremos Mildred, uma jovem com trinta e poucos anos, solteira, e que vive sozinha. A história começa no momento em que vê chegar os seus novos vizinhos, os Napier. A senhora é antropóloga e o marido, oficial da marinha. Só pela distâncias de tais áreas, a nossa jovem torceu o nariz, mas veremos.
Atrás da cortina, a nossa personagem vai seguindo os passos dos recém-chegados mas, mais tarde, e quis o destino, que se cruzasse com a Helena Napier quando se dirigia ao contentor do lixo. Começa uma amizade sem saber bem como mas deixa-se arrastar em parte por um sentimento de vazio que se tem instalado na sua vida ao longo dos anos.
Desde o trabalho monótono ao tempo que dedica às benfeitorias da igreja, onde estão os seus dois grandes amigos, o Padre Malory e a irmã Winifred, vai vivendo os dias na tranquilidade de quem sabe o que espera.
A relação conflituosa do casal vizinho vem agitar a sua vida calma, monótona e muito arrumada. Através de uma série de quezílias entre a esposa e o marido, e um terceiro elemento para reforçar a fragilidade do casal, Mildred vê-se envolvida numa trama em que tem um papel apaziguador, de quem é vista com sabedoria para dar e vender quando, nem ela mesma, se perceciona assim.
Barbara Pym foi uma autora conhecida, particularmente, pelo tom irónico que atribuiu às suas histórias e à forma como aborda o tema da mulher na sociedade. É visível a distinção nítida entre homem e mulher, sendo que a mulher excelente é aquela que tem os maiores méritos mas que por ser "uma boa mulher", não atrai o interesse dos homens. Entre ironias e farpas bem afiadas a toda uma sociedade que continua a priorizar o homem como detentor de escolhas e o especialista em definir a distância entre certo e errado, a autora vai-nos divertindo com uma língua muito afiada e um dedo em riste às formas tacanhas de pensar o papel da mulher.

Repare, ao longo desta história, Mildred percebe que está cansada de os aturar. Que na verdade a paz da sua casa, os horários que define para si mesma e as amizades que decide semear, são de exclusiva decisão sua. Esta mulher excelente ficou cansada de apaziguar todas as vidas, menos a sua. 

É aqui que o pensamento de Updike ressoa na minha forma de ver e analisar este livro. A solidão é, para surpresa de muitos, uma opção e talvez por isso mesmo, de solidão não tenha nada, sobretudo pela forma, também tacanha, como a maioria pensa. Se uma mulher está quase a pisar a barreira dos 40 anos e vive sozinha, solteira, deve ser muito solitária. Entenda-se solitária como sinónimo de uma enorme tristeza. Não é isso que acontece quando conhecemos Mildred, uma excelente representante, eu diria, de todas as mulheres que são felizes na presença de si mesmas, na vida que construíram e que, por isso, não mudariam nada.

Um livro com alguns laivos de comédia mas, na minha opinião, é sobretudo um livro sobre a figura desenquadrada da mulher que tanto insistem em perpetuar.

Apesar de ter acolhido este livro com enormes expectativas em torno da ideia de comédia e de que me iria rir bastante, pois na altura estava a precisar disso mesmo, acabou por se tornar numa interessante, e mais aprofundada, experiência de leitura.


Seja feliz!

2 comentários:

Bárbara Ferreira disse...

li este há alguns anos e, embora tenha outros da autora à espera na estante, ainda não aconteceram. na altura achei piada, sim, mas concordo que é um retrato muito mordaz de uma pessoa que não se enquadra naquilo que esperam dela... pertinente.

Denise disse...

Apesar de ter gostado bastante, ia com uma expectativa de algo mais cómico. É tal como dizes, é um retrato bem mordaz.
Boas leituras, Bárbara. Obrigada pelo comentário :)

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