Pássaros Feridos (Colleen McCullough)

quinta-feira, 11 de março de 2021

"Existe uma lenda acerca de um pássaro que só canta uma vez na vida, com mais suavidade que qualquer outra criatura sobre a terra. A partir do momento em que deixa o ninho, começa a procurar um espinheiro-alvar e só descansa quando o encontra. Depois, cantando entre os galhos selvagens, empala-se no acúleo mais agudo e mais comprido. E morrendo, sublima a própria agonia e despende um canto mais belo que o da cotovia ou do rouxinol. Um canto superlativo, cujo preço é a existência. Mais o mundo inteiro para para ouvi-lo, e Deus sorri no céu. Pois o melhor só se adquire a custo de um grande sofrimento. Pelo menos é o que diz a lenda."


Assim começa «Pássaros Feridos» de Collen McCullough. Sabemos, consciente ou inconscientemente, que a vida vai passando numa espécie de rimo pendular. Que nada é estanque e aquilo que emanamos, mais cedo ou mais tarde, acaba por nos atingir. Seja isso bom ou mau.

Esta é uma poderosa história de amor entre Meggie e o Padre Ralph. Num romance que considero de formação, vamos conhecendo a jornada de vida de Meggie, menina ruiva, cheia de vida e de uma enorme maturidade, a par da sua família, pais e irmãos. 

Não é uma vida fácil, dedicada aos trabalhos do campo e tratamento de animais. Meggie parece adaptar-se facilmente à vida mais calejada mas é uma menina que crescerá, tornar-se-á uma jovem de enorme beleza e no momento em que a família se muda na sequência de oferta de trabalha da irmã rica do pai, a vida parece ter-se escancarado numa janela de possibilidades.

No entanto, no momento em que conhece o Padre Ralph, homem belo, bem falante e cuidador, ela parece saber, desde os tenros 10 anos de idade, que a sua história já estaria escrita. O mesmo sentimento de derradeira certeza apodera-se, na mesma medida, do padre. A diferença, porém, é que a fé e devoção do homem a um Deus Superior, fê-lo desde logo fechar os olhos ao amor indigno à sua condição perante a lei a que cedo se prostrou. Honrar Deus sob todas as coisas.

Esta é a grande premissa do livro. Não pense o leitor, no entanto, que é apenas uma história, como tantas outras, em que um padre sucumbe à beleza de uma mulher pondo em causa a religiosidade e o propósito de vida de quem se entregou a Deus. A relação de ambos cresce de uma forma muito bonita.

Há muitas voltas e reviravoltas na vida de Meggie. Ela cuida dos irmãos, aprenda a lidar com os cavalos, aprende a amar a Austrália com um amor desmedido, aprende a viver na ausência do padre que após usufruir plenamente da herança da sua tia, parte de encontro a uma renovação da sua suposta fé.

Os anos passam. Meggie torna-se mulher. Casa-se. Tem esperança. Perde a esperança. Aumenta a saudade da família, agora longe, e na ausência de um marido que concentra todas as suas atenções na apanha da cana, amealhando sem parar e sem nunca gastar um tostão. Meggie ultrapassa-lhe as vontades de riqueza e consegue engravidar. Nasce-lhe uma menina de temperamento muito forte.

E tantas, tantas outras coisas esperam o destino de Meggie. A vida feita num caminho tortuoso, que lhe exige o canto mais sofrido pois sabe que é na luz desse mesmo sofrimento, acarretando com todas as consequências desse pêndulo que sempre volta disparado, que poderá ser verdadeiramente feliz, mesmo que num rasgo pequeno de tempo.

Nesse caminho pautado pelo sofrimento, pelos acasos que não existem, pelos anos que passam, o padre Ralph acaba sempre por voltar. Destino? Amor? Algo mais forte do que tudo isso junto?

Nunca saberemos. Sabemos apenas que a vida tem uma matemática muito própria e que entre somas e subtrações, Meggie alcançou os sonhos a que sempre aspirou desde pequena e que, na mesma medida e na audácia de uma ironia que só Deus consegue ter, vê-os desaparecer da forma mais penosa.

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Colleen McCullough escreveu uma história sobre o poder destruidor do amor e a beleza que, independentemente do sofrimento que se sabe atrás da porta, impera sobre todas as coisas, indo de encontro a esse último canto do pássaro. Mesmo sabendo ser derradeiro, e final, Meggie foi feliz na sombra de um sofrimento certo mas que, ainda assim, lhe proporcionou a forma certa de um destino que sempre soube ser o seu.


Um drama intenso sobre uma linda e proibida história de amor, feito de personagens fortes, decididas e sem medo de enfrentar a sombra de uma decisão que vai contra tudo e contra todos.


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