Shirley Jackson nasceu em 1916 e é considerada uma das mais influentes escritoras norte-americanas. Herdeira da grande tradição do género gótico americano, iniciada com Edgar Allan Poe, teve uma vida curta - tal como Flannery O'Connor, outra das grandes escritoras da sua geração -, mas foi uma autora prolífera.
Até ao ano de 2010 a obra de Shirley Jackson estava ainda inédita em Portugal.
Este livro narra a história da extravagante família Blackwood e da Mary Katherine, personagem inesquecível, que dá vida aos objetos, convive com eles em deambulações verdadeiramente mágicas, enterra tesouros pelo terreno da casa e passeia com o seu fiel amigo, o gato Jonas.
A história começa com Mary Katherine, ou Merricat, a ir ao mercado na aldeia, como uma das tarefas mais custosas, enfrentando as pessoas como quem enfrenta verdadeiras batalhas, verdadeiros demónios.
Em casa, vive com a irmã Constance e o seu tio Julian. Toda a restante família está morta.
Ela vive em perfeita harmonia com a irmã, o tio e o seu querido gato Jonas. Entre os passeios pela enseada, a construção de passagens secretas pelo quintal, novos segredos enterrados ou os cozinhados maravilhosos da irmã, tudo faz sentido na vida fechada daquela família de sobreviventes.
O segredo que os hostiliza, fora das paredes da grande casa, que enaltece a curiosidade dos vizinhos, cujos olhares Constance foge e Merricat protege, mantêm-se num lume brando durante toda a leitura, e também não vou ser eu a contar-vos.
O que poderá justificar um silêncio e isolamento tais que obriga três pessoas a refugiarem-se numa casa, sem contacto com o mundo lá fora?
Uma família outrora tão respeitada e, agora, entregue a si mesmo numa solidão apenas cobiçada pela curiosidade dos vizinhos que não entendem. E que segredam. E que maldizem. E que lançam pragas.
Para Merricat, no entanto, tudo parece estar na ordem dos dias perfeitos.
Sonhadora, acredita no poder de palavras mágicas para afastar o mal que as pessoas carregam nas costas, nas mãos e em todo o lado, porque são demónios que estragam a ordem das coisas:
"Eu estava a pensar em Charles. Podia transformá-lo numa mosca e deixá-lo cair numa teia de aranha e vê-lo a emaranhar-se e indefeso e a debater-se, fechado no corpo de uma mosca zumbidora e moribunda; podia desejar que ele morresse até ele morrer. Podia atá-lo a uma árvore e deixá-lo ali até ele ser absorvido pelo tronco e a casca da árvore lhe crescer por cima da boca." (p.129)
E Charles chegou, com os seus passos pesados para estragar a ordem perfeita da casa. Das coisas. E ela sabe que não pode continuar assim. Nem ela. Nem Constance. Nem o tio Julian.
A casa tem de voltar a ser como era. No seu silêncio. Na sua ordem.
"Sempre Vivemos no Castelo é uma memorável dramatização da agorafobia levada ao extremo" (Rogério Casanova, revista Ler)
Levada a um extremo impossível de medir. O mundo, as pessoas, são aqui percecionadas de um modo tão assustador que a casa, mesmo aos bocados, será sempre o lugar que não desilude.
Será o lugar que acolhe, que esconde e que protege. Onde só, e apenas só, Merricat pode ser "tão feliz".
Um livro que recomendo com as duas mãos!
Modelito da fotografia: Mirtilo, o gato leitor ;)
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