Água Viva (Clarice Lispector)

domingo, 2 de agosto de 2015

 
No último livro que li, Miguel Sousa Tavares conquistou-me ao dizer que um livro, para o ser, deve conter personagens e, acima de tudo, uma história. Sem uma história, não há nada de verdadeiramente real num livro. Sem história nada se encontra.
Curiosamente, em seguida o livro com que me deparo é o de Clarice Lispector, cujas palavras tentam decifrar, moldar ou materializar coisas. Pinturas. Paisagens. Ou muito mais do que isso.
Convicta da necessidade de uma história concreta, não acreditei muito nas intenções deste livro e, um pouco inerte, fui lendo.
Comecei, então, a ver. E a perceber.
Neste livro, a ausência de história acaba por, mesmo sem querer, ser uma história.
Poderão as incertezas e os apelos a um amor, aparentemente distante, serem mais fortes do que qualquer coisa nesta vida? Penso que não.
 
"Escrevo-te porque não me entendo."
 
E muitas outras coisas haveriam de existir, sem existir. Sem serem, de facto, compreendidas, materializadas. Apenas vividas num torpor de quem assim quer continuar: viva, apesar da obscuridade em que se encontra. Apesar dos abismos. De portas sempre trancadas, jamais solícitas ao grito de quem desespera, do lado de lá.
 
"Não sei sobre o que estou escrevendo: sou obscura para mim mesma."
 
Numa ausência de história, Clarice Lispector projeta sentimentos. Vários. Vendidos a peso.
Peso dos dias. Das horas. Dos minutos contados.
Quem se atrever, que mergulhe.
Nessa água viva.
 
Há sempre um nome.
E mesmo na ausência de uma história, quem souber, encontrará o fio à meada.
No fim, tudo fará sentido, numa escrita assustadoramente arrebatadora.


 
Boas leituras.

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