As Primeiras Coisas (Bruno Vieira Amaral)

domingo, 5 de junho de 2016

Este livro traz com ele o deslumbramento dos prémios. Bruno Vieira Amaral surgiu do nada, aparentemente, e com as suas primeiras coisas conquistou o arrebatamento geral que lhe garantiu Prémios como «Fernando Namora», «Prémio Pen Clube Narrativa», «Prémio Time Out - Livro do Ano», «Prémio Novos Literatura» e, mais recentemente, o cobiçado «Prémio José Saramago».
 
De coração despedaçado, Bruno, com o fim do seu casamento e desempregado, decide regressar ao Bairro onde nasceu, Bairro Amélia, na Margem Sul do Tejo. É no confronto com as suas próprias raízes que voltam os anseios do que foi a sua infância e adolescência, chocando de frente com as mesmas gerações e outras que, ao contrário dele, estagnaram num Bairro cujo tempo parece discorrer de forma diferente: anda devagar, monotonamente, revestido de uma esperança vã mas persistente nos sonhos emprestados pelos que saem dali.
Mas as respostas, para Bruno, permanecem num vazio questionável. Ele saiu do bairro e voltou mais perdido do que nunca. O fim do casamento inglório atormenta-o e magoa-o, obrigando-o a um virar-se para dentro diário, nas rotinas cansativas do dia-a-dia do bairro, entre o café, corridas pela floresta e as leituras na biblioteca. A tentativa voraz de esquecer-se de si mesmo.
Um dia, entre as corridas e as leituras, chocará no caso do desaparecimento de Vera, em 1993, relembrando a jovem miúda e o aparato daquela situação no Bairro. Assim, conhece Virgílio, o fotógrafo, que segundo o informam, será o único capaz de lhe satisfazer a curiosidade repentina, típica dos que procuram na vida alheia o buraco fundo das suas próprias tormentas. Criou-se, então, o subterfúgio ideal para fugir às próprias dores começando, na companhia de Virgílio, a descortinar as memórias antigas das gentes do bairro, as suas recordações incrustadas pelo tempo, mas vivas pela força de um passado que teima em não ir.
O Bairro Amélia tem identidade e só os de lá poderão entender, então, o que se vive, o que se tem, o que não se tem, e o que se deseja. Enquanto Bruno deambula pelas estradas de terra batida, pensa sobre o seu passado que, inquestionavelmente, é feito de pedaços de gente dali, que levou consigo e volta a agarrar, agora mesmo, numa fase derrotada e irónica da vida.
 
Quem decidir entrar neste bairro, conhecerá a D. Beatriz, os rissóis que cozinhava, e as saudades azedas do filho que, diariamente traz no peito. Há o Bêbado que à custa de tanto assim o chamarem, perdeu o nome. Beto, jovem moço, promessa perdida do futebol. A importância da Igreja e da fé que não se perde, onde quer que se esteja. As manhãs de Domingo e o ar que se mostra diferente. Assassinatos que fizeram história, agitando as gentes locais e acendendo as línguas dos mais atrevidos. Amores e desamores. Os projetos municipais. As crianças. Os desejos e sonhos perdidos. Um bairro que arde.
 
Bruno Vieira Amaral com «As Primeiras Coisas», num enredo original e de grande sensibilidade, proporciona ao leitor uma história de grande beleza sobre a capacidade de resiliência de um homem que, derrotado pelo amor e pela própria vida, retorna às raízes daquilo que foi. Lá, naquele lugar supostamente perdido, entre mortos e vivos, parece reencontrar a paz necessária que impera aos novos princípios.
 
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Ao som de: Ornatos Violeta "Chaga"
 
Foi como entrar
Foi como arder
Para ti nem foi viver
Foi mudar o mundo
Sem pensar em mim
Mas o tempo até passou
E és o que ele me ensinou
Uma chaga pra lembrar que há um fim
 

4 comentários:

J. disse...

Gostei bastante da opinião. O livro parece encaixar perfeitamente na dimensão da literatura portuguesa. A ler, claro. :)

Denise disse...

Obrigada João :)

Encaixa sim, muito bem.
Gostei muito e só posso recomendar (mais ainda).

Boas leituras!

Beatriz disse...

Li o livro pouco depois de haver sido publicado e gostei bastante.

No Verão passado li "Aleluia!", sobre religiões e crenças.
São testemunhos e reflexões sobre a igreja evangélica. Um livro com poucas páginas que se revela interessante. E tão baratinho também ;)
Mesmo para não crentes.
Quanto ao livro referido, espero que ganhe mais leitores devido ao prémio que recebeu recentemente. Regra geral, depois dos prémios chegam os leitores.
Vale a pena ser lido.

Boas leituras, Denise :)

Denise disse...

Olá Beatriz!

É verdade, os prémios deslumbram e, de certo modo, é pena. Também é bom descobrir relíquias escondidas. Daquelas que se descobrem só pelo nosso instinto de leitor destemido. Mas enfim, seja como for, este livro valeu bem a pena. Impulsionado pela aura de prémios invulgar, ou não :)
Esse que referes desconheço mas despertou-me a curiosidade.

Beijinhos e muitas leituras :)

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