LOP#1 As Pretensões

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

 

 

As Pretensões


Nota: Em nada pretendo que esta opinião se centre no feminismo. É uma opinião, se quiserem, sobre o amor. Nada mais.
 
«Eu quero ser viúva».
Esta foi a minha resposta, aos 5 anos de idade, quando numa reunião de família me fizeram a clássica pergunta: “O que queres ser quando fores grande?”
«Eu quero ser viúva.» Os porquês guardei-os para mim, até porque os risos ruíram na sala e espalharam-se pela casa toda.
 
A resposta estava na tia Júlia. Mulher retornada de Angola, viúva.
Eu via aquela mulher e mesmo miúda reconhecia-lhe a classe nos movimentos e na pose. Toda ela era diferente, não só pelas histórias que contava, pela roupa preta que me encantava e intrigava, mas por um conjunto que somado, eu não explicava. Apenas me encantava.
 
Então, queria ser como ela. Recordo-me que o nome da tia Júlia parecia uma camisola, ainda com etiqueta, porque ninguém o usava. Era a viúva. Nada mais.
 
O meu encantamento com aquela mulher era a liberdade que emanava dela. Não havia um homem com a pretensão de lhe dizer o que fazer, o que dizer ou o que sentir.
Esta história é um prelúdio para, inesperadamente, vos falar disso mesmo: da pretensão dos homens perante o coração de uma mulher.

A boca de uma mulher, tão bem dizia Florbela Espanca, é sempre mais linda se nela guarda um verso que não diz. E uma Mulher sabe o que diz, mesmo quando não o diz.

Se naquele tempo a uma viúva qualquer ilação era descabida, como um vestido de noiva arrumado que não se volta a usar, hoje, vivemos uma era distinta que arruma, separa e dobra mulheres como conjuntos de roupa em pequenas gavetas selecionadas.

O Homem assume, sempre, saber o que vai no coração de uma Mulher. A previsibilidade que emana de uma Mulher é transparente como o cetim que usa para o seduzir. Se nos anos 80, a minha tia era um homem vestido de preto, que arrumaram numa gaveta, hoje, as mulheres são mais facilmente seduzidas (nada contra, por vezes, chega a encantar-me essa libertinagem), estabelecendo as chamadas “relações de uma noite, ou duas ou três”. E essa é uma das muitas gavetas.  Mas não é essa a gaveta na qual eu vos quero pôr a refletir, nem tão pouco opinar sobre aquela.

O meu dedo aponta, precisamente, para aquilo a que costumo apelidar de viúvas de nova geração.

A viúva de nova geração é a mulher que se faz prevalecer com algo tão simples como descortinando as coisas, na hora certa. Essa Mulher não tem medo do peso das palavras, das suas vontades e intenções. É uma Mulher que, tão simplesmente, sabe o que quer e bate à porta.

Mas isso já não se faz. Hoje vivemos num mundo de jogo dissimulado. Aquele que conseguir a proeza de dissimular mais ganha. Manipular mais. Enrolar mais. Perder-se no tempo que passa. O amor, nos tempos de hoje, não é feito de cólera. É feito de quem melhor souber jogar, mascarar e calar.

Já a Mulher com boca, afugenta. Porque diz e estabelece. Então, o Homem presume e efabula o que vai no coração dela porque, se ela fala, se não respeita o seu precioso tempo de introspeção, representa um perigo. Um perigo face à liberdade que tanto proclamam. Torna-se assim uma viúva. Forçosamente inacessível, pelo bem maior da suposta liberdade. Mas qual liberdade, afinal?

O Homem poderá viver, para sempre, com a pretensão de saber o que vai no coração de uma Mulher. Não passará disso mesmo, uma cómica pretensão.

Creio que a cada minuto que uma Mulher decida ser ela mesma, muitas outras se anulem em prol da virilidade emocional de um homem pretensioso. Está assim criado o cenário de destruição daquilo a que chamamos a possibilidade de um “final feliz”.

Não foi Saint-Exupéry quem disse "Ora a felicidade o que é senão o calor dos actos e o contentamento da criação?"
Porque esse final existe. Se quisermos.
Se ambos quiserem.

 

Ao som de: Cinematic Orchestra | Arrival of the Birds & Transformation
 



4 comentários:

Sara disse...

Não há nenhum problema em centrar questões no feminismo...As pessoas é que acham que há porque têm a cabeça cheia de disparates sobre o assunto. Aquilo que muitos homens querem é um manequim e não uma mulher - alguém para exibir, que faça as coisas em casa, seja meiga e não fale muito. Felizmente que cada vez mais mulheres se têm revoltado contra isto e feito o seu próprio caminho - como se diz: mais vale só que mal acompanhado.

Denise disse...

Olá Sara, obrigada pela visita :)

Não tem, claro que não.
Pessoalmente, prefiro ver as coisas de uma forma mais ampla, em que ambos os géneros possam beneficiar de novas reflexões, de novas liberdades através daquelas: pensando mais e melhor. Porque muitas vezes, também eles, não sabem o que andam a fazer. Este meu texto destina-se a todos os que amam mal, e aí sim, a essa pretensão generalizada por parte dos homens em assumirem tudo aquilo que uma mulher sente, estacando futuros possíveis com base nessas mesmas pretensões tão ... pequeninas.
Sabes o que digo? Um grande «sim» aos afetos de cara lavada. À inteligência emocional, em dramática via de extinção.

Quanto a esse ditado, concordo em parte. Porque não há nada melhor que teres alguém ao teu lado, mesmo com os defeitos que traz. O segredo está, precisamente, na ausência de pretensão em mudar seja lá o que for. Não se trata de mudar ninguém, nestas coisas do amor, trata-se somente de nos ajustarmos.
O problema é esse. A falta de flexibilidade dos corações atuais ;)

E falei que me fartei!
Beijinhos Sara

Sara disse...

O feminismo também envolve os homens - aliás nem podia ser de outra maneira. A ideia de que o feminismo só diz respeito a mulheres e esgota-se aí não é verdadeira. A igualdade envolve todos. Quando estás numa relação que não vai a lado nenhum, em que não há respeito ou em que a personalidade de um é anulado em favor do outro...É melhor estar só. Infelizmente a sociedade ainda diz às mulheres (especialmente) que elas só serão seres completos quando tiverem alguém ao lado. E o tempo passa e muitas acabam por ficar desesperadas e logo mais vulneráveis a relações abusivas. Teres alguém não é melhor ou pior do que não ter - são opções apenas.

Denise disse...

Olá Sara,

Talvez o assunto que trazes foge um pouco ao texto que aqui exponho.
Concordo com a tua opinião, atendendo que acredito que compreendas que nada do que disse acima vai contra com o que acabaste de mencionar ;) Penso que estamos em sintonia, mas por palavras distintas apenas.

Há, no entanto, relações abusivas em ambas as direções. Não me leves a mal, Sara, mas tenho imensa dificuldade em analisar as questões de forma tão pragmática como tu, mas parabéns por isso! ;)

E sim, obviamente, são opções de vida. Não poderia dizer melhor.

Beijinho

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