As três vidas (João Tordo)

terça-feira, 10 de julho de 2018


Foi com «Três Vidas» que João Tordo venceu o Prémio Literário José Saramago, escrito em 2008.
Nesta história seremos conduzidos por um narrador participante, mas omisso, a quem nunca lhe conheceremos o nome.
Tudo começa quando, na sua família, a desgraça se abate. O seu pai morre, a mãe cada vez mais depressiva, a irmã adolescente ainda a estudar, levam-no à procura urgente de um emprego. Será, precisamente, nessa procura de emprego que conhecerá a personagem basilar de toda esta história: Milhouse Pascal. Quem é este homem? O que faz realmente? Caro leitor, nunca o saberemos na plenitude.
 
O jovem é rapidamente recrutado para um emprego simples, rotineiro, de organização de determinados ficheiros. São ficheiros repletos de segredos, de pessoas com elevado estatuto social, polémicas envolvidas e uma sombra silenciosa em torno de todos eles. Será essa sombra que induzirá no jovem a curiosidade, o desejo em saber mais, o desejo cada vez mais profundo de saber, realmente, quem é aquele homem já entrado na idade, no entanto, com vitalidade capaz de invejar os mais novos, brilho aceso no olhar, metódico e leitor voraz.
 
Será, também, a literatura, o primeiro fio a aproximar os dois homens. Através dos livros, Pascal anseia desenvolver no jovem rapaz, a vontade de se descobrir, a curiosidade saudável, o autoquestionamento necessário.
 
Se inicialmente os livros lhe causaram uma certa apreensão e resistência, com o passar do tempo, tornaram-se numa fiel companhia, de quem tem demónios por dissolver:
 
"Ainda hoje não sei o que penso da literatura, não tenho opinião formada (...). No meu caso, a literatura foi um bálsamo, um plano de fuga, presente nas alturas de maior necessidade."
Num dia como tantos outros, de trabalho metódico e cansativo, este jovem será confrontado com os três netos de Milhouse Pascal. A paixão por Camila nasce sem afrontas. Ela sonha ser funâmbula e, como nos sonhos, também ele se sente numa corda bamba quando os olhos se lhe encostam, quando o diálogo nasce, sedento de um pouco mais, todos os dias.

Será este o cenário criado para nos contar, da forma bonita e engenhosa a que João Tordo já nos habituou, a vida de um homem perdido em si mesmo e que, incapaz de olhar para dentro, vive as vidas de quem lhe surgiu inesperadamente. Serão os segredos dos outros, os sonhos dos outros, a vida dos outros, a contemplar-lhe um objetivo, ainda que nebuloso e estranho, uma espécie de caminho.
 
"Porque eu era, na verdade, o único que tinha ficado para trás; o único que, para escapar ao que o futuro guardava, me ausentava da vida."

Entre segredos, hipnoses e mortes sombrias, este rapaz vai apaixonar-se, vai abandonar a família em prol de uma realidade que desconhece, mas que tanto o seduz. É um virar de página de quem nunca gostara do que, até então, tinha escrito para si mesmo. Uma primeira, segunda, terceira vida:

"(...) não posso continuar a convencer-me de que esta é, exclusivamente, a história de Milhouse Pascal - é também a minha história, a de alguém que, do fundo do seu anonimato, deseja deixar um testemunho e uma expiação."

Num ritmo, por vezes, alucinante, o leitor caminhará com este homem nessa corda bamba: entre aventuras e desventuras, nascerá um homem, agora maduro, cujos segredos lhe imprimem a condição de uma vida amargurada, de quem não se resolve por muito que os dias avancem. Uma vida, entre tantas, a carecer do perdão necessário ao recomeço tão ansiado.

Pela originalidade, pela particularidade de todas as personagens, pela forma desesperada de quem tanto se procura para lá de si mesmo, «Três Vidas» é um livro exímio para aqueles que não arriscam, presos a tantas vidas, nenhuma a sua.  



Com o apoio,
 


Boas leituras,

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