Uma questão de conveniência (Sayaka Murata)

terça-feira, 26 de novembro de 2019

conveniência
substantivo feminino

1. Vantagem, interesse
2. Proveito, utilidade
3. Decoro, decência

Sayaka Murata escreveu um livro que é, também, uma nota introdutória ao estigma e preconceito social, a praga de uma sociedade cada vez mais presente e mais destrutiva. Uma nota introdutória de muito valor e significado, deixe-me que lhe diga.

Esta é a história de Keiko, uma mulher de 36 anos, considerada estranha pelos seus pensamentos sempre práticos e desprovidos de emoção (possivelmente algum transtorno do espectro do autismo, mas que não é desenvolvido no livro, e bem.). A sua singularidade é motivo de preocupação para os pais, que lhe querem o melhor. Por melhor, entenda-se, um homem que a ampare, um casamento sólido, e já agora, um par de filhos para esfregar na sociedade um trabalho realizado com esmero e dedicação.

Mas Keiko é tudo menos isso. Aos 36 anos continua a trabalhar na loja de conveniência desde os seus tempos de faculdade, momento em que decidiu ser uma boa escolha para ajudar os pais e para, na mesma medida, se sentir mais autónoma.

Viu o mundo mais acertado dentro daquela loja, onde sente mais facilidade em lidar com as pessoas. Dentro de uma rotina calma, Keiko viu a vantagem (1) de uma escolha em proveito próprio e, acima de tudo, um lugar onde se sente acolhida e de bem com ela mesma.  Perante a inabilidade de se ajustar aos diálogos das pessoas, e dos seus amigos, esta mulher passou a ser vista na perspectiva de uma margem onde só os desajustados se inserem. Na loja tudo parecia certo e a utilidade (2) do seu trabalho inspirava-lhe o importante sentido de pertença.

Tudo parecia estar bem na vida desta jovem mulher até ao dia em que um rapaz é contratado para trabalhar na loja e uma aparente afinidade aliada à força das circunstâncias (sociais) a impele a questionar o rumo da sua própria vida. Enquanto os colegas de trabalho anseiam por uma história de amor, Keiko sente-se ainda mais estranha pelo entusiasmo e atenção que todos lhe dedicam. Até então, eram colegas de trabalho felizes na rotina de um trabalho exigente, mas agora as suas bocas palram num ritmo ajustado, frenético e angustiante sobre a sua (inexistente) vida amorosa. Aparentemente, havia encontrado um sentido diferente, um sentido gerado pelas expectativas alheias.

A sua vida, até então, feliz e ajustada com os seus próprios parâmetros, parecia empurrá-la para uma nova direção. Assim fez, na tentativa de se ajustar, de satisfazer os amigos, os pais e, particularmente, a sua irmã mais velha. Casada e com um filho, sim, escusa de perguntar. 

O igualmente peculiar rapaz é entretanto despedido da loja por considerar não se ajustar a um trabalho de merda e, ele sim, destinado a grandes feitos, a grandes sonhos que ainda o aguardam numa esquina qualquer. Num momento inesperado, em que Keiko o encontra na rua, decide então negociar uma vida a dois, compatível com ambos e, acima de tudo, compatível com as expectativas extenuantes das pessoas, da sociedade.

Decide acolher o rapaz, sem casa e sem dinheiro, para na sombra dessa decisão, poder encher a boca com os moldes ajustados de quem já se sente - Oh! Darwin! - um pássaro de bico forte para enfrentar o mundo. Keiko agora namora, faz amor (não, não faz), tem um homem (não, não tem)
Está uma senhora feita, mas não, não está. No momento em que esta mulher decide deixar de ser ela própria, desistindo inclusivamente de trabalhar na loja, vai morrendo a cada dia. A rotina que lhe trazia paz e felicidade, morre com ela nos dias sempre iguais, desajustados, ao lado de uma pessoa que a atormenta.

Sayaka Murata é sublime nesta crítica pungente, tão necessária, tão cómica da merda de sociedade a que pertencemos. E se é uma merda, porque é, a culpa também é nossa. É nossa a partir do momento em que nos identificamos com os tais moldes, o caminho esperado, as fases de um desenvolvimento não humano, antes mecanizado por uma orquestra desconhecida, mas que pesa muito nos corações e nos ouvidos, que de tão cansados de ouvir o mesmo, decidem entrar no rebanho dos infelizes, mas que não deixa de ser um rebanho.

Quando Keiko olha para dentro e reclama a decência (3) de ser quem é, a vida recomeça novamente, nesse sentido que só ela conhece como o certo para si, que só ela pode conhecer. É essa coragem de se saber quem é, de quem pensa por si, que faz desta personagem uma heroína dos tempos modernos. Uma heróina numa sociedade contemporânea que castra a individualidade e pressiona, sobretudo as mulheres e os seus úteros, a viver uma ideia fabricada das vidas ditas normais.



Um livro magnífico, o qual recomendo fortemente.


Seja feliz, seja ousado, seja você mesmo.
 


substantivo feminino
1. Vantagem, interesse.

2. Proveito, utilidade.

3. Decoro, decência.

"conveniência", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/conveni%C3%AAncia [consultado em 25-11-2019].
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conveniência | s. f. | s. f. pl.

con·ve·ni·ên·ci·a

substantivo feminino
1. Vantagem, interesse.

2. Proveito, utilidade.

3. Decoro, decência.

"conveniência", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/conveni%C3%AAncia [consultado em 25-11-2019].

con·ve·ni·ên·ci·a

substantivo feminino
1. Vantagem, interesse.

2. Proveito, utilidade.

3. Decoro, decência.

"conveniência", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/conveni%C3%AAncia [consultado em 25-11-2019].

con·ve·ni·ên·ci·a

substantivo feminino
1. Vantagem, interesse.

2. Proveito, utilidade.

3. Decoro, decência.

"conveniência", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/conveni%C3%AAncia [consultado em 25-11-2019].

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