Uma vida inteira (Robert Seethaler)

sábado, 9 de novembro de 2019


Sempre gostei de dicionários. Dão-me, muitas vezes, a sensação de paz de que preciso quando, confusa com o sentido das coisas, encontro a palavra certa que me atenua a ansiedade.
Depois de ler «Uma vida inteira», de Robert Seethaler, será certamente atacado com os mesmos níveis de ansiedade do que eu. Depois de muito procurar, encontrei a palavra antídoto:

Esfera
"Corpo redondo cujos pontos superficiais estão equidistantes do centro; bola."
"Representação geográfica da Terra."

Eis a palavra certa para definir a história do inesquecível Andreas Egger, personagem principal deste pequeno, mas enorme, livro. Um livro que, aparentemente, se centra na história de vida de um homem. Na verdade, é disso que se trata e, à primeira vista, pode parecer redutor, simples, pequeno. E todas essas ideias pré-concebidas só (me) nos mostram o quanto somos humanos e o quanto em nós há por resolver. A vida é imensa nessa aparente pequenez e, de forma sublime, repleta de sensibilidade, Robert Seethaler escreve e prova o quanto isso é verdade. 

Esta é a história de Andreas Egger, que após a morte da mãe, é entregue a um homem que o aceita pelo punhado de moedas que leva ao peito. A vida nas montanhas começa assim a tecer-se e a crescer, repleta de desafios: os filhos do homem, sempre preteridos a si mesmo, encafuado num curral enquanto lhes ouvia os confortos da casa ao lado.

Muitas coisas acontecem na vida deste homem, sempre entregue à neve, às montanhas como apoio sólido a uma solidão que lhe parece congénita. Ele cresceu, partiu uma perna, curou-se quase sozinho, viu morrer os dois filhos daquele homem e, nessa sequência, à laia do azar de uns, a sorte de outros, começou a ser reconhecido pela sua força e pelo seu bom trabalho.

Marie surge e nessa esfera que parece sempre girar em torno da montanha e de uma vida isolada, a vida estala-lhe ainda mais os dedos gretados mas, desta vez, são fissuras que lhe deixam entrar o sol, brilhante como os cabelos de Marie, semelhante a si mesmo, pelas mãos gretadas de quem, também, nunca temeu o trabalho.

Um amor nasce, repentino e eficaz, como só os amores de verdade o são. Não exigem rascunhos, são escritos desde logo sem erros de ortografia e, muito menos, de sintaxe. De um namoro acanhado a um pedido de casamento que arde em fogo, a esfera de Andreas foi girando na medida exata do tempo.

E o tempo, esse, pode ser ingrato. Tanto traz, como leva. A história de Egger é assim, uma esfera que não para de girar e nessa sequência, se vê enredado, imerso na confusão de uma vida que lhe parecia certa e rotineira como os seus dias.

Este homem viverá muitas coisas, inclusivamente as amarguras de uma guerra. A dor que lhe nasce, nova, na perna. O caminho que parece mais árduo à medida dos dias, das semanas, dos anos. Esta é uma história de solidão, da vida de um homem que tudo fez e o vazio que se instale no peso da idade.


A escrita de Robert Seethaler casa a simplicidade com a sensibilidade. De uma forma majestosa faz imperar a necessidade de aprofundar mais sobre a natureza humana, sobre o nosso lugar no mundo, sobre a aridez dos dias mais difíceis, a resiliência que nos é exigida para, no fim de tudo, questionarmos se valeu a pena, perdidos num autocarro que nos desconhece o destino.

Gostei muito e recomendo, com ambas as mãos.


Seja feliz,

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