As Ilhas dos Pinheiros (Marion Poschmann)

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Penso que estamos perante um bom livro quando no momento em que o lemos e depois, quando o fechamos, nos nasce na cabeça uma infinidade de realidades possíveis.

É isso que acontece, de uma forma muito intensa, em «As Ilhas dos Pinheiros» de Marion Poschmann.

A história começa quando Gilbert Silvester sonha que a mulher o traiu. Não pensa duas vezes, sai de casa e apanha o primeiro voo que encontra disponível, voo esse que o levará para Tóquio.

Está certo de que a mulher o traiu e nada o demove dessa quentura feita dos desgraçados, dos atraiçoados. Agarra-se a essa dor com unhas e dentes, justificando assim a sua retirada sem causa aparente.

Esta é a história de um homem que poderia, muito facilmente, ajustar-se a cada um de nós. Há sempre um dia, dois, três, em que a vontade de mandar tudo às urtigas ganha uma força muito maior do que o tido como socialmente aceite. O largar tudo porque estamos cansados, porque não há poesia que nos valha, não há história que nos agarre. Não há nada a não ser o fardo cansado do nosso próprio corpo.

É o que a nossa personagem faz e as aventuras vão-se sucedendo umas atrás das outras. Conhecerá o misterioso Yosa, jovem que tentara, sem sucesso, pôr termo à vida. Gilbert acolhe o rapaz com uma responsabilidade acrescida e, na mesma medida, incompreensível. Sente a necessidade de o proteger, o medo constante de que volte a tentar a sorte de fintar a vida. E ele que também gosta de companhia.

Das inúmeras realidades possíveis em que este livro parece desdobrar-se, eu assumo a beleza desta história, sobretudo, quando pressinto que a esposa morreu. Nada no livro nos diz que sim ou que não. Perante a liberdade que nos é de direito enquanto leitores, ao assumir a morte desta mulher, percebemos melhor a dor de um homem que, zangado pela não aceitação do vazio da sua vida, foge para longe. O encontro com Yosa, que também ele provoca a vida tentando fugir, é outra possível personificação da saudade e a vontade, tão humana, de fintar a morte e controlar a realidade à luz dos sonhos.

Precisamente pela riqueza das diferentes perspectivas possíveis, considero este livro uma grande e feliz surpresa. Mas há muito mais a garantir-lhe a mestria. Gilbert é uma personagem muito rica, um solo fértil para nos fazer pensar em temas como a saudade, o arrependimento, o amor, a vontade de fintar a vida e a morte, o sonho e, por fim, a esperança.

 

 

Seja feliz,

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