Madrugada suja (Miguel Sousa Tavares)

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Em «Madrugada Suja», Miguel Sousa Tavares traz-nos um livro sobre o poder do passado e sobre aquelas raras, e felizes, oportunidades em que nos é possível remediá-lo.

Tudo começa numa noite de festa académica. Filipe, estudante de Arquitectura na Universidade de Évora está cansado, já embriagado mas quando se decide a regressar a casa, conhece Eva, uma jovem magra, desastrada, igualmente bêbeda. Do nada, se beijam, do nada nasce uma história.

Quando ambos decidem caminhar juntos, eis que dois colegas os convidam a dar uma volta de carro. Começa assim a madrugada suja que perseguiu Filipe toda a sua vida. Na confusão típica dos convívios com jovens universitários, e muitas bebidas à mistura, aquela noite ficará marcada pelos abusos sexuais dos dois rapazes à jovem, a cobardia e passividade de Filipe que não os conseguiu impedir e mais tarde, o atropelamento acidental.

Naquele tumulto, os rapazes não pretendem voltar atrás, mas Filipe insiste. Poderia estar morta. Ferida. A precisar de cuidados médicos. Tanta coisa que poderia desenrolar-se a partir daquele minuto. Mas nenhum dos outros quis saber e o carro arrancou estrada fora, como quem foge.

Filipe nunca conseguiu fugir daquele passado. E Eva também não. Através de um cuidadoso entrelaçar de histórias diferentes, Miguel Sousa Cardoso vai cruzando essas linhas cheias de histórias de cada personagem, juntando-as no fio comum do passado.

Conheceremos a história familiar do introvertido Filipe e as mentiras que todas as famílias guardam nas gavetas. Dessas mentiras, surge um caminho de perguntas à procura de respostas, e é isso que acaba por fazer. É também uma história que nos mostra a força daquilo que tem de ser. Deus põe-nos no caminho que sabe estarmos preparados para tal, como aquele que é fiel no pouco para que assim, aos olhos atentos de Deus, o eleve sobre o muito.

Filipe é a personificação de um passado mal amanhado e a esperança de o remediar. É também a personagem que dá esperança a uma sociedade corrompida, a uma política pouco direita, sempre a esgueirar-se pelos caminhos mais dúbios, mais tortuosos.

Desde o panorama político de Portugal, ao 25 de Abril e a todo um País em mudança, o autor pincela personagens fortes, determinadas a fazer a diferença mesmo correndo o risco de nada mudar. É o verbo tentar que dá força a um mundo que se quer diferente e se não há vivalma que viva nesse paradigma, serão sempre as sombras dos outros a imperar num lugar que só alguns, tão oportunamente, desejam.


Uma boa surpresa.

A si, desejo-lhe tudo de bom e uma ótima semana.


 

Seja feliz,


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