Meio-irmão (Lars Saabye Christensen)

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

 | AVISO| Contém spoilers

Não vou estar com rodeios. «Meio-irmão» do norueguês Lars  Saabye Christensen é o melhor livro que li este ano e se me apontassem uma arma à cabeça para escolher, em toda a minha vida, apenas um livro, adivinhe? Seria este.

Já conhecia a escrita magistral do autor aquando da minha leitura de «Herman», um livro que também desde logo figurou - e figura - como um dos melhores de sempre.

Em «Meio-Irmão» conhecemos a história de uma família muito peculiar. Mas a verdade é que todas elas são peculiares à sua maneira e será sempre no seu seio que todas as vidas começam.

A história é narrada por Barnum, que nos relata a sua história de vida que é, também, a história singular da sua família. É um narrador presente e participante, sabendo de antemão todas as trajetórias e todos os segredos da casa onde nasceu.

A mãe, Vera, é uma mulher sem sorte. Ainda jovem é violada por um misterioso homem, com uma mão sem dois dedos, que como surgiu, desapareceu. A mãe, Boletta e a Velha, a avó, não conseguem explicar o mutismo em que entrou, negando o mundo e escondendo a barriga que começava a crescer e dando voz ao seu forçado silêncio. Nasceria Fred, o meio-irmão. Com ele, a voz de Vera volta mas a tristeza tolheu-a e isso parece ser um facto que se arrastou a vida toda.

As três mulheres cuidam agora do menino mas quis o destino que o misterioso homem regresse de cara lavada e com uma aliciante viagem de carro e um ramo de rosas brancas, consegue apagar o passado que só ele conhece, e case com Vera. Nasce Barnum, o irmão.

Esta ironia mordaz da vida de uma mulher destroçada por si só, é o grande ponto de partida que me leva a considerar este livro um dos mais ricos de que tenho memória. É que nele conseguimos encontrar as ironias de que a vida é feita, o remorso, o desejo de corrigir o passado, o desgosto, a revolta, a esperança, o amor e os sonhos como promessa que dificilmente se cumpre. 

Não sou capaz de descrever o poder da escrita de Lars S. Christensen. Desde a originalidade de todos os contextos que, magistralmente, pincela nos momentos mais cruciais, à beleza e ao secretismo que transfere ao leitor, dando-lhe também a ele o crédito de confidente, este autor merece uma vénia cuidada. 

«Meio-Irmão» é a história de uma família cujo começo nasce nas sombras de uma mentira. É a relação entre dois irmãos em que o supostamente «meio-irmão» é tido como o grande exemplo e, ao mesmo tempo, o maior medo de Barnum, o pequeno irmão. 

 

  " - Como é que é ser-se tão pequeno, porra? - Eu olhei para baixo. A pele estava toda arrepiada. Fazia comichão e ardia onde escorria. E então respondi uma coisa que jamais pensei dizer: - É um pouco solitário - disse eu. Fred levantou o olhar e olhou-me nos olhos, não durou muito, apenas um segundo, menos que um segundo, mas olhou-me nos olhos, de repente, como se ficasse tão surpreendido como eu, e talvez reconhecesse algo de si mesmo, talvez percebesse também a sombra da escuridão no meu olhar, que éramos irmãos."

 

«Meio-Irmão» faz-nos regressar à nossa própria infância. Um regresso que nos recorda aqueles anseios doentios com a auto-imagem, os dilemas da infância que ninguém entende e muito menos quando o pé já resvala para uma adolescência cheia de dúvidas. É também um regresso às aventuras, às brincadeiras, o poder das paixões, a sexualidade que desabrocha e o medo que o coração rebente de amor. É a família como estrada, um caminho raramente feito a direito, parando aqui e ali para ganhar fôlego, aprendendo e desaprendendo. É, acima de todas as coisas, um livro sobre as desilusões da vida e a determinação que vai entre escolher a vitimização ou a superação. 

 

"A imaginação é a maior de todas as coisas! Porque não é aquilo que vês que é o mais importante. É aquilo que não se vê que é o mais importante. É aquilo que pensas ver!"

 

Por muito que possa escrever a respeito, nunca vou ser capaz de lhe transmitir - na totalidade - a qualidade deste livro, em todos os sentidos. Não lhe escapa nada. 

 

Aceite a minha sugestão e leia. Mas leia já.

Boas leituras.


 💓


Seja feliz,


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