Uma pequena sorte (Claudia Piñeiro)

domingo, 6 de setembro de 2020

«Uma pequena sorte», de Claudia Piñeiro, é um convite direto às questões que tanto nos assolam sobre o poder das escolhas, assim como a validade das mesmas, tantas, a durarem uma vida inteira.

É o que acontece com a personagem principal desta história, que nos chega como Mary Lohan, Marilé Lauría ou María Elena Pujo. Na sequência de uma escolha, a vida dela acaba por se ramificar em muitas outras diferentes. Ao longo da leitura o suspense, a dúvida e a curiosidade vão-se adensando na mesma medida em que nos cresce uma compaixão pelo desamparo desta mulher.

Este é um daqueles livros em que muitas vezes afirmo a necessidade de o ler sem qualquer arnês. Com isto quero dizer que existem histórias que resumidas em exaustão, perdem a força. Há um segredo, que por sua vez se torna num confronto que pede uma escolha. Dessa escolha, uma vida inteira muda sem que, no entanto, impeça o passado de voltar certeiro, um ajuste de contas como só Deus sabe preparar.

É um livro bonito sobretudo pela temática que pode, e é, igualmente estendida à complexidade deste mundo em que vivemos, das pressas, dos medos e receios de quem não sabe o que anda a fazer. Porque é isto o que se passa aqui: apesar de não serem, obviamente, todos os leitores a reverem-se numa mulher atormentada pelo passado, há um fio que nos liga a todos. O fio feito das escolhas diárias na nossa vida, aquela voz interior que nos tenta guiar sem, no entanto, deixar de nos fazer questionar a validade dos nossos próprios passos.

As infinitas possibilidades de um gesto nosso têm tanto de belo como de assustador. É uma balança cujo prato nunca saberemos bem o mais pesado, o mais leve. Dizem que é isto viver, saber escolher e assumir o peso das nossas ações. É aqui que Claudia Piñeiro surge nesta história muito crua, muita viva, para nos relembrar que sabermos de antemão das supostas regras da vida, não nos deixa mais sossegados. O coração continuará sempre pesado e a oscilar entre essas duas medidas e o dia em que seremos chamados a contas.


Uma boa surpresa.

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