Jezabel (Irène Némirovsky)

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

  Poderá conter spoilers (e muito suspense!)
 
Considerado um dos romances mais importantes de Irène Némirovsky, «Jezabel» é uma história sobre o egocentrismo desmedido, quase patológico de Gladys Eysenach, mulher rica, acostumada desde sempre a uma vida de luxo, de beleza e de galanteio.

Ao longo do livro uma das personagens chamará Gladys de Jezabel, cujo título esconde a personagem bíblica da Rainha Jezabel, conhecida pela sua maldade, preversidade e domínio sobre o marido, Acabe. Na Bíblia, era uma mulher conhecida pelo seu fanatismo religioso, impulsiva e violenta. 
 
Esta associação não surge ao acaso, comprovando uma vez mais a forte influência da relação conturbada da autora com a sua própria mãe. Em «Jezabel», Gladys foi tida, ao longo de toda a vida, como uma mulher fascinante, de enorme beleza e rica, porém, aos sessenta anos de idade é acusada de assassinato de um jovem, considerado por todos o seu amante.

Este é o cenário que o leitor encontrará logo nas primeiras páginas. A autora aguça-nos a curiosidade quando nos coloca o desfecho desta personagem sem que se lhe conheça o princípio das coisas. A leitura torna-se frenética, movida pela curiosidade do que terá levado Gladys, mulher tão distinta, a cometer um crime de tal magnitude. 

E é nesta fase, sem rodeios, que a vaidade e o egocentrismo desta personagem o deixará de boca aberta. Gladys tem um medo gigantesco de envelhecer. Pautou, desde sempre, a beleza como marco do seu sucesso junto dos homens, a quem sempre lançou olhares atrevidos, como quem conquista quase sem querer.

"Que agradável era ver um homem aos seus pés... Que havia de melhor no mundo do que o nascimento deste poder de mulher?"

Frívola, fútil, egocêntrica, casou por conveniência mas quis o destino que o seu marido rico morresse. Dessa relação, nasce uma filha, com quem manterá uma relação conflituosa, determinada pela recusa da mãe em ver a jovem crescer. O amadurecimento da filha, a beleza da mocidade, entram em contraste com o seu próprio declínio e isso, Gladys não consegue aceitar.
 
Na barra do tribunal saberemos que a filha morreu quando jovem. Descobrir o motivo desta morte desvendará, ao leitor curioso, todo o percurso absolutamente intragável de uma mulher pequena, numa espécie de infantilidade grotesca. 

Quando a filha se apaixona perdidamente e é pedida em casamento, a mãe, assustada com a aproximação veloz da sua velhice e incapacidade de seduzir quantos homens quisesse, nega-lhe o casamento. Pede-lhe um adiamento de três anos. E há um motivo nisso. O confronto com o crescimento da rapariga confirmará à sociedade a mentira que sempre teceu sobre a sua idade, retirando-lhe sem pejo dez anos. Viveu os 40 como tendo 30 e assim sucessivamente, mas o tempo passava no reflexo da filha e quando esta engravida, há todo um explodir de pequenas catástrofes em cadeia empurrando-a para onde se encontra agora, em tribunal, como arguida.
 
O que terá acontecido? Quem seria aquele jovem assassinado? 

Irène Némirovsky é uma das minhas autoras preferidas de sempre. Em «Jezabel» comprova, uma vez mais, a mestria para contar histórias sobre a complexidade humana e até onde se permite ir em prol dos pensamentos fúteis que levam tudo à frente, deixando para trás aquilo que realmente deveria impor-se: o verdadeiro amor, o verdadeiro afeto. Aquelas coisas tantas vezes subestimadas num contraste doente pelas aparências de um bom corpo, de uma cara ausente de rugas.


Um dos melhores da Irène. Gostei imenso e só posso recomendar.

 

Uma curiosidade que me aconteceu enquanto escrevia este texto: através da simpática Bárbara (conheçam o trabalho dela, aqui ) fiquei a saber que há um outro livro da autora publicado cá, pela Sistema Solar, «O Caso Kurílov». Todas as minhas pesquisas incidiam nas editorias Relógio d'Água e Cavalo de Ferro pelo que não conseguem imaginar a minha felicidade neste momento. Bárbara, obrigada mais uma vez! : )

Seja feliz,


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