O grande retrato (Dino Buzzatti)

quinta-feira, 29 de novembro de 2018


J. M.Coetzee, sobre «O grande retrato» disse "Uma estranha e inesquecível novela, um clássico singular". A singularidade de Dino Buzzati, acredito, é uma marca evidente em todas as obras e, inclusivamente, nos seus contos. Que eu adoro. Adoro. Adoro.
 
Em «O grande retrato», o leitor é convidado a entrar num mundo completamente novo, bem ao jeito do «Admirável Mundo Novo», para nele encontrarmos novas ambições, sonhos desmedidos e objetivos deturpados, tudo envolto no grande tema da feminilidade.
 
O Professor Ermanno Ismani (acompanhado pela sua mulher, Elisa) é convidado a integrar uma equipa na chamada Zona Militar 36 para, aí, ser parte da equipa de um projeto científico, altamente secreto. Para tal, o isolamento é uma das condições, um pequeno preço a pagar para quem integra uma equipa de trabalho com as mentes mais promissoras do país.
 
Ao longo do tempo, o leitor entra numa espiral de novidades, pautadas por uma curiosidade esfomeada, traduzida em inúmeras questões do professor sem, no entanto, se ver saciado com respostas de digestão lenta. Vai mastigando respostas breves, soltas, que o deixam cada vez mais assustado, e talvez, arrependido de uma missão tão desconhecida.
 
A equipa é liderada pelo carismático, e misterioso, Professor Endriade. Lembra-se de lhe contar que a feminilidade é o tema basilar deste pequeno livro?
Pois então agora leia com atenção: Endriade perdeu a sua mulher, Laura, num acidente de aviação. Dizem que o amor desenfreado é capaz de tudo, até de lutar contra a própria vida, numa troca audaz, por algo mais eterno. Uma máquina talvez? Um grande retrato do que se foi, para todo o sempre?
 
Vou deixá-lo assim, com o mistério em mãos, na esperança de que a curiosidade - tão presente em toda a história - o faça, tal como eu, ler as páginas sem parar na expectativa de responder a uma questão: poderá o amor ser construído como casas, prédios e outros que tais?
 
 
Vale a pena ler, para descobrir.
No final, poderá até vir aqui reclamar comigo. Talvez seja um cliché dos corações partidos mas, ainda assim, a reflexão que daqui advém é muito pertinente. Não poderia terminar sem uma nova questão, que lhe prometo ser a última: poderemos nós construir, de raiz, um amor findo?
 
Vá, vá ler. Depois conte-me tudo.
Se faz favor.
 
 

Seja feliz,
 

Educação não tem idade

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Serei apenas eu a não ter qualquer compaixão, nem simpatia, por um idoso que me passe à frente numa fila de supermercado, sem antes pedir?
Vamos lá colocar a questão como deve ser: se um idoso, ou outra pessoa qualquer, sem qualquer limitação física ou psicológica, nos pede para passar à frente, o que faz você? Certamente que lhe acata o pedido. Contudo, uma coisa que não suporto são, velhos ou novos, que me passam à frente e só depois dos produtos expostos na caixa me dizem, com um ar ensonado de culpa e falsidade: "Oh! Passei à sua frente?"
[silêncio - é a minha arma desde que nasci]
 
Não há paciência.
Seja novo, seja velho, convenhamos, educação não tem idade.
 
 
 
Seja feliz,

Esta História (Alessandro Baricco)

terça-feira, 27 de novembro de 2018


Foi em «Esta História», de Alessandro Baricco, que me confrontei com aquela que considero ser uma das personagens mais peculiar, singular e bonita: Elizaveta. Mas não nos adiantemos.
Alessandro Baricco, como já tive oportunidade de o dizer há umas semanas atrás, mantém-se firme nos lugares cimeiros das minhas leituras deste ano. Tal como no ano anterior. E isto significa que, para mim, falamos de um autor igualmente singular, assim como as personagens que cria, sempre tão cheias, sempre tão a transbordar cá para fora o que não suportam dentro. Um coração inflamado pela arte de viver histórias. E este livro é feito de histórias, são pequenas bonecas russas que fazem nascer, aqui e ali, uma história em mil, mil histórias que são, afinal, uma só. Hoje falamos de um livro magistral.
 
«Esta História» é a história de um menino que, segundo dizem, tinha sombra de ouro. De nome Ultimo. Por ter sido o primeiro a nascer e, segundo a mãe (que se enganou), seria o último.
 
É uma história feita de carros, corridas, pais e mães, amores e desamores mas, mais do que tudo isso misturado e embrulhado, é feita de um sonho que teima em ser real. O sonho de construir uma estrada, não uma estrada qualquer:
 
"Os seus olhos tinham-se iluminado. Vou construir uma estrada, disse. Algures, não sei onde, mas hei-de construí-la. Uma estrada como ninguém imaginou. Uma estrada que acaba onde começa."

 
Também Ultimo é um personagem peculiar. Franzino, reservado, com essa sombra de ouro, ele nunca precisou de grandes cenários para marcar a sua presença. A relação com os pais, na igual lei da reserva, foi crescendo toldada por algumas mentiras rápidas mas que se consolidaram no tempo. Ganharam forma e definiram-lhe, de alguma maneira, marcas mais vincadas nessa forma de ser virada para dentro, para o sonho e o objetivo cerrado de o fazer nascer.
 
Elizaveta aparece do nada. Há um diário cativante que nos prende e do qual não queremos sair. A professora de piano encontra-se, de uma forma nebulosa, com Ultimo e juntos deambulam pelas estradas, vendendo pianos, vendendo histórias, amealhando poucas moedas. Neles tudo parece uma incógnita, sobretudo o amor que os une e que ela, convicta da realidade do seu próprio diário, ri dele e do corpo despido à sua frente. Será o seu diário e a história que lá imprime (verdadeira ou deturpada?) que irá determinar os passos de Ultimo para bem longe dela, apercebendo-se disso já muito tarde, no decurso de uma história que é feita à velocidade da luz.
 
"(...) mas tinha a sombra de ouro, e a senhora estava apaixonada por ele. E ainda está. E nunca vai deixar de estar porque foi para isso que a senhora nasceu."

 
Caro leitor, leia este livro sem qualquer arnês. Sem a segurança de uma opinião muito detalhada, que lhe conta coisas que, para fazerem sentido, têm de ser lidas a nu. Assim é com Elizaveta, mulher que me fascinará para sempre, e com Ultimo, o homem com essa sombra de ouro que brilhará até ao fim dos seus dias. Se houvesse uma explicação sinónima para esse brilho seria, com toda a certeza, a persistência certa dos teimosos.
 
Alessandro Baricco constrói, neste livro, uma história de amor e persistência. É definitivamente uma das mais bonitas histórias de amor, crua, genuína, tão real, tão poderosa. 
 
 
Leia. Leia, por favor.
 
Seja feliz,

Vem aí o Natal

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

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"Qual é a explicação para esta praga do Natal que brota em toda a parte? Quando eu era miúdo, o dia de Natal era feriado e depois a vida voltava ao normal, mas agora o Natal prolonga-se sem interrupções até ao fim do ano, uma festividade ainda mais sem sentido, o que significa que o país inteiro fica paralisado durante pelo menos dez dias, estupidificado por ter bebido de mais, dispéptico por ter comido de mais, falido por ter gasto de mais em prendas inúteis, entediado e irritadiço por ter estado trancado em casa com familiares chatos e crianças rabugentas, e com os olhos com a forma do ecrã de tanto ver filmes antigos na televisão. É a pior altura do ano para se ter umas férias prolongadas à força, sendo as condições meteorológicas mais tristes que nunca e estando as horas de luz solar reduzidas ao mínimo. O Scrooge é o meu herói - isto é, o incorrigível Scrooge da primeira parte de Um Conto de Natal, «Pff, que disparate!» Ele tinha toda a razão. Que pena ele ter mudado de ideias."
«A Vida em Surdina» | David Lodge 
 
Eu sou uma daquelas pessoas que gosta muito da época natalícia mas este trecho do David Lodge é muito bom. Vem aí o Natal!
 
 
 
Seja feliz,

Princípio de Karenina (Afonso Cruz)

quarta-feira, 21 de novembro de 2018


O mais recente livro de Afonso Cruz sustenta um princípio (um início, uma espécie de teoria) ao qual dificilmente alguém que lhe consegue escapar. Falemos em medição da felicidade. Haverá uma medida do que é ser feliz, uma definição concreta, uma comparação com o lado negativo, apaziguando e respondendo, em concreto, o que é isso de ser feliz? Muito ou pouco feliz?
 
Em «Princípio de Karenina», o autor conta-nos a história através de uma carta de um pai que se dirige à filha que sempre quis conhecer. É uma história que nasce lá longe, quase nos confins da terra, sobre um homem, nascido com o pé torto, deformado por dentro pela deficiência de fora e tolhido pela resistência de um pai, que não o deixa viver para lá das cortinas da sua própria casa. Uma mãe que lhe acaricia a o corpo disforme, como quem lambe feridas e lhe incita uma perfeição que não tem. Nem sente.
 
Será na soma dos dias, protegido entre quatro paredes, que este menino cresce e se torna homem. Poucas amizades fará, limitadas pelo seu próprio coração, que pouco reage. Tudo parece estar condicionado pelo tempo e pela geografia. A distância promete, gradativamente, um decréscimo na importância das pessoas que possa vir a conhecer. Quanto mais perto de nós, mais importantes. Quanto mais longe, menos dignos seremos nós (e os outros) em alimentar qualquer tipo de relação. Foi essa a teoria do seu pai, a qual acolheu sem pensar muito. É que como todas as crianças, absorveu a voz do adulto como verdade inabalável.
 
Um dia, o seu pai morre. Desprevenido. A casa preenche-se desse cheiro a fim, à beira da mesa de um escritório que sempre lhe guardou uma vida, aparentemente, ocupada. Morre, inunda-se a casa com um cheiro que, mais tarde, traria a mudança.

O amor parece-lhe vedado, incompreendido. A Fernanda da Farmácia foi uma conquista que lhe soube a derrota, entre amuos e conquistas por teimosia. Habituou-se à presença dela, serena, amiga da mãe, uma sombra presente para lhe vincar o compromisso do casamento, a obrigatoriedade de uma cultura.
 
Este homem não falava amor. Ele não sabia que o amor e a obrigatoriedade são antónimos cerrados. Palavras que não se casam, independentemente das forças impostas por um meio, uma sociedade, ou um conjunto de pessoas. O amor carrega essa "teimosia de um sonho", imprimido pelo toque de duas mãos, ténue, mas capaz de rebentar com uma casa inteira.
 
Essa turbulência, vinda de longe, tinha nome de mulher. A nova empregada da casa trouxe-lhe o sol que lhe inundou tudo, que lhe abriu janelas, que deixou entrar ventos e tempestades que só agitam por dentro. Então sim, ele conheceu o amor e todos os desafios que este sempre impõe.
 
Afonso Cruz escreve-nos uma linda história de amor que nasce depressa, mas impedida pelo destino, pelas imposições de uma vida já construída. Uma filha que nasce, lá longe, num caminho paralelo que não afunila, não se funde com a sua própria vida, por mais que tente.
 
"Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira."
Tolstoi in Anna Karenina
 
Chegará o momento em que o autor obriga o leitor a refletir, a ponderar e a questionar sobre essa tal questão de medição de felicidade. Afinal, o que determina a parecença das famílias felizes e a individualidade na infelicidade?
 
Afonso Cruz vem provocar e agitar uma consciência que se quer bem acordada quanto às particularidades da (in)felicidade. Repare, caro leitor, a felicidade pode corresponder a uma hora e vinte minutos de uma conversa, a um toque de mãos que determina todo um caminho, a pequenas coisas que, lá mais à frente, agitam, alteram e prometem um pouco de paz. Uma espécie de teoria do caos que sabe, meticulosamente, arrumar as gavetas e os fios soltos do passado, que ficou lá atrás.
 
Foi assim com este homem.
É assim com todos nós.
 
 

Uma cortesia:
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Amor, amor. Nada mais importa.

Seja feliz,

Tornozelos no Inverno

terça-feira, 20 de novembro de 2018

 
 

Porquê que, em pleno Inverno, com direito a chuvas, jorradas de vento e por aí vai, eu vejo jovens vestidas com calças brancas, ténis brancos e tornozelos à mostra?
(Não têm frio? Não se molham? Dizem que o frio intenso é um dos principais sinais de velhice. Estou lixada.)
 
Elas:
Inspiration: Tenis brancos
 
Eu:
 

Boots x leggins style


 
 
Não estamos aqui a criticar ninguém. São meras questões que me assistem nesta vida, por este mundo fora,
 repleto de pessoas que, em si mesmas, dariam grandes histórias, grandes livros. E, também, porque me apetece. Ora.
 

Teimosia

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

 
"A minha única arma era a teimosia de um sonho."

Afonso Cruz In «Princípio de Karenina»
 
(que livro bonito.)
 
 
Seja feliz,

Identidade

segunda-feira, 12 de novembro de 2018



Seja feliz,

A menina que queria salvar os livros (Klaus Hagerup e Lisa Aisato)

quinta-feira, 8 de novembro de 2018


«A Menina que queria salvar os livros», Klaus Hagerup e com ilustrações de Lisa Aisato, é um livro infantil com uma história feita para durar uma vida inteira.
As crianças precisam urgentemente deste livro na sua formação, de dentro para fora. Também os adultos, sobretudo aqueles que se sentem perdidos numa vida tão grande e desarrumada, carecem ainda mais de um livro que, todo ele, reclama esperança nas pequenas coisas da vida. Falamos de literatura. Amor aos livros. Paixão pelas histórias. É pois dessas pequenas coisas da vida que vos fala a personagem principal desta história.
Anna tem 10 anos e adora ler. Da biblioteca, leva livros consigo que se transformam em verdadeiras preciosidades. Entre páginas, a menina cria novos amigos e também alguns inimigos, difíceis de esquecer. Um dia, a Srª Monsen, bibliotecária e amiga, conta-lhe uma realidade assustadora: muitos dos livros que as pessoas não querem ler, acabam destruídos.
Este será o ponto de partida para uma aventura sem fim. Anna decide que tem de contrariar aquele cenário monstruoso, mostrando-nos até onde pode ir o amor aos livros e o quanto a crença de um amor que apenas e só depende de nós, nos transforma, alimenta e prospera entre aqueles que nos acompanham.
Uma história de enorme sensibilidade que apela ao amor pela literatura e à urgência de não deixar de acreditar no poder de uma história, no caminho que nos mostra e no fim, sempre inesperado.
Com este livro vai aprender a não ser um adulto tendencialmente chato e controlado. Acredite que tal como nos livros, a vida é também ela uma espécie de folha em branco. O fim, esse, é feito todos os dias, com mais ou menos entusiamo, mas sempre com a esperança ao virar da próxima página.

 Seja feliz,

A ler Alessandro Baricco

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

- Sabe como se consegue perceber se alguém nos ama? Nos ama a sério, quero dizer?
- Nunca pensei nisso.
- Eu sim.
 
- E encontrou uma resposta?
- Creio que é algo que tem a ver com esperar. Se é capaz de esperar por nós, ama-nos.
 
Alessandro Baricco | Esta História

💕
 
 
Alessandro Baricco, pelo segundo ano consecutivo, a entrar para a minha lista de livros memoráveis.
 
 
Seja feliz,
 

Penas de Pato (Miguel Araújo)

segunda-feira, 5 de novembro de 2018


«Penas de Pato» é o livro de estreia do conhecido cantor português Miguel Araújo. Na sequência de vários textos de opinião enquanto colaborador da revista Visão, surge este pequeno livro com textos soltos de quem, pacificamente, vê a vida a passar da varanda. Dessa varanda, o autor mostra-nos uns olhos atentos de quem vê não só para fora, mas sobretudo, de quem tem os olhos virados para dentro.
Miguel Araújo tem-se como um homem introvertido, pouco dado a alaridos, escondido numa fama que pouco lhe dá, numa espécie de infância confortável da qual retirou o melhor da sua vida.
Ao ler «Penas de Pato», o leitor será desafiado a empregar um pouco mais de atenção para as pequenas coisas da vida. Aqui não se fala de um pato, concretamente. Muito menos das suas penas. Simbolicamente, as penas de pato transferem-nos para essa leveza da vida tão mascarada pelas pressas, pelos desejos quotidianos, que nos enchem a barriga com um rei já há muito ultrapassado.
O pequeno livro de crónicas de Miguel Araújo agrada precisamente por essa leveza, quer ao nível do conteúdo, como ao nível da sua escrita: sem pressas, sem subterfúgios e muito limpa.
 
É através destes pequenos textos que o autor nos partilha, igualmente, o seu processo criativo enquanto músico e letrista. É interessante perceber o quanto uma letra, aparentemente tão pequena, abraça em si um conjunto de histórias que parecem não ter fim. Uma canção, mais do que cantada, é antes contada por alguém que lhe viveu toda uma história. E este livro é a prova viva disso mesmo.
 
 
 
 Com o apoio:
 
 
 

Seja feliz,
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