Miúdos a fumar

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019


Desde miúda que sou defensora de práticas saudáveis, seja através da alimentação, seja através do exercício físico. A máxima de que quem cuida do corpo, cuida da alma também.
Não deixo de me chocar, e o termo é mesmo esse, quando vejo - como nesta manhã - miúdos e miúdas de cigarro na mão, caminhando descontraidamente e com um ar de superioridade que me estranha. Eu visualizo (literalmente!) aqueles pequenos pulmões a mirrar como ameixas secas, pretos, nublados, a enfraquecer. [Horror]. Aqui entre nós, é esse tal ar de superioridade que ativa em mim a irritação desnecessária que só passaria com umas boas palmadas naqueles rabos.
Vão lavar os dentes. E já agora, não se esqueçam de tomar o pequeno-almoço!
 
 

E com isto chego à conclusão que estou a envelhecer depressa. Rabugenta.
[Risos]
 
 
 
Seja feliz, seja saudável, cuide de si!

Introdução ao vegetarianismo

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019


"Não era tanto o facto de comer carne que desagradava a Eun-sook; o que lhe dava realmente a volta ao estômago era ter de ver a carne a assar na chapa. Quando o sangue e os sucos vinham à superfície, tinha de desviar os olhos. O mesmo sucedia quando um peixe estava a ser grelhado ainda com a cabeça. Aquele momento em que se formava uma espécie de humidade à volta das órbitas paradas que começavam a derreter-se na frigideira, quando um fluido aguado com laivos de espuma cinzenta pingava da boca escancarada, aquele momento em que ela tinha sempre a sensação de que o peixe morto estava a tentar dizer alguma coisa. Aí, tinha invariavelmente de desviar os olhos."

 
Han Kang em "Atos Humanos"
(com um pequeno aroma da «Vegetariana»)
 
 
Depois desta leitura, creio que é momento de deixar de comer carne.
 
Seja feliz,
 

Os Bebés da Água (Charles Kingsley)

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019


Charles Kingsley foi um romancista inglês nascido em Dartmoor no ano de 1819. Do que li sobre o autor, e sobre este livro em particular, a escrita de Kinsley destaca a sua capacidade descritiva. A sua obra reflete igualmente o interesse do autor pelas questões sociais, este aspeto, largamente sublinhado neste «Os Bebés da Água», um conto de fadas sobre Tom, um menino limpa-chaminés.
 
Nesta peculiar história conheceremos então o jovem Tom, sem mãe (falecida) e sem pai (ausente), que obedece às ordens do severo Grimes. Tom é espancado diariamente, trabalha de sol a sol, não conhece a cor da sua pele, esta, sempre escondida pelo negrume das limpezas que todas as chaminés lhe exigem.
 
É um menino triste, solitário e inocente. Obedece porque sabe ser o certo na tentativa de apanhar menos estalos e pontapés do sempre mal humorado, e ambicioso, Grimes.
 
Um dia, após serem chamados a fazer a limpeza na grande casa do Sr. John, homem de elevado estatuto social naquelas redondezas, a vida de Tom prevê uma mudança radical. Ao entrar na enorme mansão, percorrendo as chaminés e fazendo todo o trabalho sujo que Grimes evita, Tom acaba por se perder, indo cair ao quarto de uma jovem menina, Ellie. O menino ficou estupefacto: pela primeira vez na sua vida percebeu que a cor da sua pele não era aquela. A branquidão e a limpeza de Ellie suscitaram em Tom uma raiva inconsciente, apenas visível pelas suas faces agora coradas. Ao mesmo tempo encantado e triste pela beleza da menina, Tom deixou-se ficar quieto no grande tapete, contudo, o estrondo da sua queda acordou Ellie que, também ela estupefacta, gritou assustada.
 
Os gritos ecoaram pela casa e numa cadeia progressiva tomada pelo medo dos presentes, consideraram Tom um ladrão. Correu sem parar, saindo da casa, e galgando ruas e florestas. Ninguém o conseguiu apanhar e o jovem rapaz, tomado de um enorme cansaço depois de descer todo aquele inacreditável monte, encontrou uma professora com os seus alunos. Após o choque inicial, a bondosa senhora deu-lhe de comer e um lugar onde pudesse repousar.
 
Eis o momento em que tudo muda. O cansaço de Tom fê-lo adormecer e ao acordar tornara-se num bebé da água. Claro leitor, nem ouse desacreditar deste convicto narrador. Os bebés da água existem, as fadas igualmente, tudo aquilo que não se vê tem uma vida por descobrir:
 
"Fica sabendo que as coisas mais maravilhosas e fortes que há no mundo são precisamente as que ninguém consegue ver. Há vida em ti; e é a vida que há em ti que te faz crescer, bulir e pensar, embora a não possas ver. Há vapor numa máquina a vapor; é isso que a põe em movimento, embora não o possamos ver. Devem portanto existir fadas neste mundo; e é bem possível que sejam elas quem faz o mundo girar, segundo reza a velha melodia: C'est l'amour, l'amour, l'amour qui fait le monde à la ronde."
 
Assim começa uma aventura que não deixará ninguém indiferente. Tom percebe que algo mudou, a sua pele agora é limpa, alimenta-se das mais especiais iguarias, é livre, pode vir a ser feliz. Não acredite, porém, que ser um bebé da água é ter uma vida plena só porque sim. Enganem-se todos aqueles que acreditam que a vida flui sem antes se preparar o coração. E será essa a aventura destinada a Tom: por entre mundos estranhos, criaturas assustadoras, cenários abstratos, será conduzido por fadas - também elas a desempenhar papéis muito definidos - a descobrir o melhor de si mesmo e que esse melhor, esse coração finalmente arrumado em caixa de veludo, carece de alguns sacrifícios. Alguns, muito difíceis.
 
Charles Kingsley, através de uma parábola, faz-nos chegar uma sublime crítica social e moral em que a complexidade humana é assunto de ordem do dia sem, no entanto, destacar a esperança como palavra final.
 
 
Gostei imenso desta aventura. Se é destemido, se acredita no poder dos corações arrumados, dos sonhos, da crença em geral, esta aventura também é para ti. Vá vivê-la!




Ilustrações de W. Heath Robinson
(lindíssimas!)




        💚
Seja feliz,

Gaveta de filmes

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019


Adorei. Adorei. Adorei este filme.
Se já tinha uma admiração por Mary Shelley, das coisas que fui lendo a respeito,
esta biografia veio confirmar este meu quase fascínio. Recomendo. Muito!


 
 
Seja feliz e uma ótima semana!



Gestão e contabilidade na leitura

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

 
Há certas coisas que eu não compreendo e isso não quer dizer, de todo, que seja contra, que esteja a criticar. Nada disso. No entanto, é um tema que me suscita muitas questões.
Ler é para mim um dos meus maiores prazeres. Desde muito pequena, assim que aprendi a ler, incitada igualmente pelo amor da minha mãe aos livros, ler tornou-se num verbo terapêutico para qualquer enfermidade que me assista.
Atualmente, fruto deste avanço tecnológico e da (feliz) criação de mais blogues literários e, sobretudo, de vlogs sobre livros, apercebo-me de uma tendência a contabilizar páginas lidas, a gerir números de páginas e dias que sobram para terminar um livro, contagem sistemática de minutos dedicados à leitura, etc. Não é uma questão que possa levar um carimbo de certo ou errado mas, como já disse anteriormente, deixa-me a pensar: toda esta gestão e contabilidade na leitura não lhe tira o prazer que se subentende? Não será matemática a mais numa prática que deveria deixar, simplesmente, fluir os pensamentos, adquirir mais informação, possibilidades generosas de reflexões que os grandes escritores nos desafiam sempre, entre tantos outros benefícios? É bom sim ter alguns desafios pessoais, eu própria crio os meus para mim, assim como algum método numa era em que o tempo não abunda, mas não estará a resvalar para um pequenino exagero?
Acredito que a intenção dos criadores de conteúdos integrados na literatura seja, precisamente, a promoção da leitura, na qual lhes deixo uma grande vénia, contudo, creio que para um amor crescer não pode, de todo, ser controlado. O mesmo acontece, na minha opinião, com o amor aos livros.
 
Para pensar.
Pense comigo também.
 
 
 
Seja (muito!) feliz

A luz brilhante do dia (Anita Desai)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Anita Desai é uma escritora indiana nascida em 1937, tendo sido já nomeada três vezes para o Booker Prize (fonte: Wikipédia). 
 
Sobre «A luz brilhante do dia» o The New York Times disse: "Um romance maravilhoso acerca do silêncio e da música, acerca da separação de uma família e de uma nação." Já o The Times Literaty Supplement disse: "Cuidadosamente construído, maravilhosamente escrito, sensível, engraçado, atmosférico."
 
Não escolhi estas duas apreciações ao acaso. A história de Anita Desai abraça um tema que me é muito querido, o da família, assim como o poder do silêncio e das pequenas marcas que vão sendo deixadas em cada canto de uma casa. A música entra nesse espaço, nesse limbo, que pelas recordações, se mistura com os sons que se repetem, agora antigos, mas capaz de os fazer retornar, alimentando as recordações.
 
Aliado a essa temática que tem sempre tanto para nos contar e nos confrontar, Anita Desai é detentora, atrevo-me ao extremismo, de uma das escritas mais bonitas das quais já tive oportunidade de conhecer. Ela escreve com o coração, ele pulsa cheio em cada frase, em cada detalhe, em todas as imagens que, de tão bem descritas, as podemos ver instantaneamente em frente aos olhos. Essa visão ampliada só nos aproxima mais e mais desta família, destas pessoas tão especiais, cada uma à sua maneira.
 
Mais do que Bim, a irmã mais velha que se vê confrontada com a visita da irmã mais nova, Tara, esta casada com um diplomata, longe da cultura familiar e próxima de uma vida de luxos, este livro tem a família como personagem principal. Todos eles, em conjunto e em separado, formam a personagem basilar de toda a história. É precisamente o confronto de Tara com as suas raízes, cada vez mais parcas e infelizes, que ao leitor lhe será concedida uma porta aberta para uma casa feita de vestígios de um passado sem validade.
 
Bim. Raja. Tara. Baba. Quatro filhos que nasceram de dois pais ausentes, despreocupados e auto centrados. Restou a tia, viúva, abandonada e escravizada pela família do marido, que regressa para cuidar dos sobrinhos.
 
Quando questionados sobre o que desejariam ser em adultos, Baba e Raja sonham em ser heróis. Tara deseja casar e ser mãe, abraçar os filhos. Esta parece ter sido, desde sempre, a diferença entre os três irmãos. Tara mostra um lado sensível, uma quase natural inaptidão para fazer parte dos costumes de uma cultura da qual, secretamente e com vergonha, deseja fugir o mais rapidamente possível.
 
Baba nasceu por último. Os pais, já mais velhos e desprevenidos, fizeram nascer um filho autista, numa espécie de dolorosa confirmação do envelhecimento e alheamento dos dois.
 
Bim, mulher destemida, que valoriza a formação das mulheres e a sua independência, assusta a frágil Tara. Quando esta regressa, já casada e mãe de duas filhas, revisita o lugar da sua família constatando uma espécie de tempo parado. A sua irmã Bim mantém os seus dias como professora, é a cuidadora principal de Baba que, ausente em si mesmo e vivendo de músicas repetidas, depende de todos. É também Bim quem gere a casa e alguns negócios da família após a, também fuga, de Raja.
 
Com o cenário de guerra entre hindus e muçulmanos, levando muitas famílias a perderem-se e a fugir, a história de Anita Desai é um retrato da vida de uma família indiana, enquadrada num contexto político muito específico, e as recordações que sempre voltam, o sentido de pertença que, afinal, nunca se perde. É também uma história de arrependimentos e ressentimentos. De mágoas e ofensas entre irmãos que, à luz de desejos tão diferentes, se afastam. São os remorsos e as vitimizações que germinam nas entranhas. A raiva que fica como consolo. Lá à frente, no confronto com o passado, a possibilidade de perdão.
 
"O seu significado parecia cair do céu escuro e instalar-se sobre ela como uma capa ou como um enorme par de asas coberta de penas. Encolheu-se no seu conforto e alívio. Via diante dos olhos como uma antiga escola de música podia conter Mulk, um discípulo ainda imaturo, e o seu guru idoso e exausto, com todas as desilusões e defeitos da sua longa experiência. Viu interiormente como a sua casa e a sua história em particular se ligavam e continham, bem como toda a família, com todas as histórias e experiências separadas - sem as ligar dentro de uma cela morta e sem ar, mas oferecendo-lhes um solo onde lançar novas experiências e novas vidas, mas retirando sempre a mesma escuridão secreta desse mesmo solo. Este continha nele todo o tempo, passado e futuro. Era escuro pelo tempo, era rico pelo tempo. Era onde vivia o seu eu mais profundo e os eus mais profundos dos seus irmãos e irmã e de todos aqueles que partilhavam esse tempo com ela."

Tal como o título, eu hoje falo-lhe de um livro brilhante e recomendo-o, assim, sem qualquer reserva.
 
 
       💛

Seja feliz,

Love

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

"We are most alive when we're in love."
John Updike
 
 
 
Boa semana! Seja feliz!

A ler Anita Desai

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

"- Não é estranho que a vida não corra como um rio, mas que se mova aos saltos, como se fosse retida por comportas que se abrem de vez em quando para a deixar saltar numa espécie de inundação? Há aqueles enormes períodos calmos, em que nada acontece, cada dia é exactamente como o outro, laborioso, calmo. Depois, de repente, há um choque e têm lugar factos poderosos, acontecimentos importantes, mesmo que as pessoas não o saibam na altura. Depois a vida volta de novo a acalmar-se até ao empurrão seguinte, até à próxima cheia. (...)"

Anita Desai em "A Luz Brilhante do Dia" 
 
 
 
       💚
Seja feliz,

"Eu (tecno)elogio-te" | Um conto, um ponto #1

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

  
O meu patrão corresponde ao tipo padrão: chato como a merda.
Olho atentamente para a rua e imagino-me como a senhora do chocolate “Milka” mas, contrariamente a ela, estou a caminho de casa. Já vos conto tudo.
O tempo derreteu os ponteiros e chegou o momento de sair deste cubículo com cheiro a mofo e distante da era moderna, sem um computador, muito menos Internet na terceira idade que me permita comunicar para lá daqui. Estou ansiosa e irritada.
Depois de saltos de atleta pelos elevadores, corridas velozes – e um trambolhão pelo caminho –, chego a casa.
Os meus níveis de adrenalina sobem, desde os pés às pontas dos meus curtos cabelos, como a aspirina no copo de água. Pelo caminho, deixo os sapatos entregues ao chão de madeira, e de olho apaixonado, olho para ele. Perto do sofá, confortavelmente instalado, perto da janela com o sol de fim de tarde, é quase um Deus grego a embelezar a Natureza que Deus criou. Qual Deus! Vale por si mesmo!
Com o coração a bater descompassadamente aproximo-me e toco-lhe. Na sua eficácia que nunca deixa de me surpreender, responde-me com aquela luzinha verde no canto superior direito, logo após o meu suave toque no «On». O meu Sony Vayo é tão especial que até luzes extra tem ao sentir o toque leve dos meus dedos. É uma ternura.
Com os níveis ansiosos mais moderados no meu corpo, começo a preparar-me para o meu encontro de hoje.
Levanto-me da cadeira. De máquina fotográfica dirigida à minha pessoa, contorço-me nas melhores posições na procura da imagem perfeita (dizem que a primeira impressão é fundamental!), olhos sedutores, boca ligeiramente aberta dá sempre bom resultado (pelo que tenho visto), uma fotografia só aos meus lindos olhos, na tentativa de mostrar a profundidade da minha alma. Corro à procura dos livros do meu irmão. Tem a mania que é intelectual e por isso, procuro rapidamente citações de um tal Saramago (desculpa minha querida Margarida Rebelo Pinto, só ouço falar mal de ti e nesta fase não posso correr riscos) para parecer a imaginável jeitosa e inteligente. Aquela junção que todos querem e têm vergonha de admitir. Que seja.
Sento-me novamente em frente ao meu Deus grego, retiro o batom da mala, não, quero antes dizer, o cabo USB para transferir as belas fotos e entro no bar, quero dizer, entro no MSN.
Em frente ao espelho, digo antes, ecrã, embelezo-me. O meu perfil supera a Lúcia Piloto no que se refere a cabelos bem tratados e a minha maquilhagem com a ajuda do Photoshop (não digam a ninguém), põem qualquer VIP da maquilhagem a viver em Chelas.
A campainha toca. Olho para a porta, força do hábito, talvez. A campainha com uma barra laranja a piscar no ecrã (com um som irritante) é o sinal de que alguém chegou. O tal.
Tremo, as palavras travam-se na língua, nos dedos, quero eu dizer.
Assusto-me. De um momento para o outro o meu ecrã treme. “Acabou de receber um toque”. Penso para comigo que este rapaz está ansioso. Reparem, ainda nem falou e já me me tocou!
Depois de minutos de resistência, os meus dedos ganharam força e navegaram pelo teclado rico em letras. Minutos para ponderar cada resposta, ponderar qual a melhor frase e qual o melhor momento, qual a melhor emoção a escolher. Qual a melhor expressão a selecionar. Enquanto se ausenta uns minutos (para onde será que ele vai?), faço download de mais umas emoções que me podem ser úteis, emoticons é o que mais há por aqui.
Vejo que nesse momento tenho mais dez visitas na página do facebook, e um novo comentário às minhas fotografias novas. “Esses olhos hipnotizaram-me…”. Só elogios. Oh! Mais comentários novos! Elogios. Elogios. Elogios.
Ele volta. As horas passam à minha frente em segundos, até ao momento em que a hora de sair da sala, que é como quem diz, da caixa de diálogo, chega.
O meu coração canalizou aquela adrenalina de tantos elogios juntos. Após me perder nos olhos, na foto, do meu novo amigo, espero até ver o seu carro desaparecer ao fundo da rua, quer dizer, espero até o quadrado verde passar a cinzento.
Fecho as janelas, as de casa fechei ao final do dia. Dirijo-me ao quarto, a barriga pula de excitação e os pensamentos centram-se para debaixo da cama.
Retiro-a. Cor-de-rosa e com corações, quem olha assim de repente, parece simpática, mas quando pulo em cima dela cisma em desenhar os mesmos números de sempre: 90 kgs.
Em cima da balança cor-de-rosa olho o meu querido “Deus grego”, relembro os elogios distantes e tão próximos, elogios, elogios, elogios. Sorrio. Volto para trás.
Esqueci-me do pacote de biscoitos na cozinha.
 
Fui
* chuak *
Beautiful_girl

 
 
 
"Um conto, um ponto" é a nossa nova rubrica. 
 
 Obrigada, Clarisse
 
💚
 
Seja feliz,

Uma história negra (Antonella Lattanzi)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019


 Continuamos a falar sobre a violência doméstica. Só isso é o mau começo de uma história que nunca deveria ter começado. Continua presente e é um mau começo. O mau começo de precisarmos de continuar (e continuar) a falar sobre o assunto. É sinal de que algo não vai bem. 
Envolto numa atmosfera de um enorme desentendimento social, a maioria das vítimas de violência doméstica são tidas como mansas, estavam mesmo à espera de um murro na cara ou, ainda, são tão ciumentas e provocadoras que, vai na volta, mal empregadas as que lhe caíram ao chão.
 
Há um pouco de tudo nesta tendência generalizada de tentarmos entender para lá da nossa própria esfera. Como quem vive aquilo na primeira pessoa, mas sem viver. Hipocrisias em época de saldos.
 
No site da APAV, sobre definição da violência doméstica, podemos ler:
 
A violência doméstica abarca comportamentos utilizados num relacionamento, por uma das partes, sobretudo para controlar a outra.
As pessoas envolvidas podem ser casada ou não, ser do mesmo sexo ou não, viver juntas, separadas ou namorar.
Todos podemos ser vítimas de violência doméstica.
As vítimas podem ser ricas ou pobres, de qualquer idade, sexo, religião, cultura, grupo étnico, orientação sexual, formação ou estado civil.
 
Hoje trago-lhe este tema conduzida pela minha mais recente leitura: «Uma história negra», da italiana Antonella Lattanzi. Este livro retrata a vida de uma família sujeita ao pesadelo da violência doméstica. Carla é casada com Vito e da sua relação nasceram três filhos: Nicola, Rosa e Mara, de 3 anos, esta, com uma diferença de idade mais significativa comparativamente aos irmãos, já jovens adultos.

Vito sempre foi violento. Carla sempre foi submissa. Pelo menos, do lado de fora da casa de família, tudo assim era considerado. Vito batia em Carla porque a amava muito. Vito tinha uma amante, Milena, a quem não batia, porque na verdade não a amava assim tanto. Não tanto como amava Carla.
O divórcio, em defesa astuta dos seus filhos, para sempre atormentados, levou a dianteira de Carla, afastando de vez o pai e as constantes agressões físicas e verbais.
 
Chegará o dia de aniversário de Mara. A menina deseja ter o seu pai na festa. Carla, cansada de se opor aos próprios filhos, acata e convida. Vito vem para, nessa mesma noite, desaparecer e ser, mais tarde, encontrado assassinado e entregue a uma lixeira. Foi Carla quem o matou. E matou na sequência de mais um, e ainda assim inesperado, arrombo de violência e possessividade.
 
O livro de Antonella Lattanzi rege-se por estas linhas que acabo agora de lhe traçar. Não há muito mais do que isto, tirando obviamente o cenário do tribunal, a mão forte que se espera da justiça. Falamos de um livro pouco trabalhado, com uma escrita acessível, também ela pouco trabalhada, para nos mostrar - e com a analogia a um tórrido Verão - a asfixia que uma vítima de violência doméstica sente, dia e noite.
 
Porém, não é tudo.
 
Certo está que Carla é uma vítima de violência. Uma vítima que se transformou em assassina. Independentemente de falarmos de um livro mais leve na condução de todo o enredo, não dispensa ao leitor um trabalho de casa que passa, precisamente, por refletir sobre a tal temática que, para a maioria, lhe passa ao lado: o que é a violência doméstica? De onde provém e como se desenvolve? Estaremos corretos em analisar a violência doméstica como duas pontas extremas de um elástico, com causa e efeito? O agressor e a vítima? Será esse o caminho?
 
Assustar-se perante o abismo deste tema serão alguns dos frutos da leitura de «Uma história negra». Esta talvez seja a prova de que existem livros medíocres capazes de nos catapultar para assuntos de enorme seriedade, a prescreverem reflexões urgentes na mudança esperada de paradigmas, preconceitos sociais e, acima de tudo, da (alegada) sabedoria popular de quem não mete a colher.
 
Vamos meter a colher.
Vamos trocar a faca pela colher.
Vamos meter a colher, sim, neste que é um flagelo de todos nós.
 
 
 
Com o apoio:
 
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Seja feliz,

A Rosa do Adro (Manuel M. Rodrigues) | Ler(-te) em Português #Fevereiro

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019



Sobre «A Rosa do Adro», Vergílio Ferreira disse: «Porque é extremamente intrigante que um livro assim, "medíocre", ignorado, evidentemente, creio que por todas as Histórias da Literatura, perdure para o interesse de sucessivas gerações.»
 
"Publicada pela primeira vez em 1870 pela Companhia Portuguesa Editora, A Rosa do Adro é a obra mais conhecida de Manuel Maria Rodrigues, escritor nunca reconhecido em vida, apesar de (...) o presente livro ter sido um grande êxito de vendas."
 
E a intriga parece permanecer em torno deste que é, inegavelmente, um dos grandes clássicos da literatura portuguesa. Ainda bem que assim é. Espero que, eventualmente, essa intriga, essa pequena onda de mistério à sua volta, incite mais pessoas a conhecer a vida da malograda Rosa do Adro.
 
Nesta história ninguém foi feliz.
 
Vamos entrar numa pacata aldeia minhota e acompanhar a história de uma mulher. Essa mulher é Rosa do Adro, ela que ganhou da natureza os mais lindos adornos. Rosa é uma mulher bela, olhar vivo, corpo desenvolto, feliz enquanto costureira. Uma jovem mulher que pela sua beleza e vivacidade, animava também a pequena aldeia e os seus moradores, todos eles, encantados com Rosa e com a sua voz de cantora.
 
Eram muitos os rapazes que lhe cobiçavam amor. Paravam onde a podiam encontrar, entabulando conversas simpáticas, sonhando entre todos qual deles o capaz de lhe roubar o coração. Não quis a vida, porém, que fosse algum deles. Foi antes Fernando, jovem da aldeia, mas estudante de Medicina no Porto. Também Fernando era um homem belo, bom corpo, capaz e sedutor.
 
Se até então o coração de Rosa, sempre amável mas fechado em si mesmo, nunca se lhe escapulira do peito descontrolado, foi com o Sr. Fernandinho que tudo mudou. Um primeiro olhar, depois de anos de infância finda, que se percebeu na jovem um amor que jamais quis crer ser possível. Toda ela tremia, ignorando as emoções que um coração assolapado vende. Fernando, jovem e impulsivo, não mais esqueceu o olhar daquela pequena mulher, jurando a si mesmo um amor que não poderia conhecer limites.
 
O falatório depressa ganhou forma. O Sr Fernandinho e Rosa andam conversados. A polémica depressa se instaurou porque também nisto de amores é preciso saber encaixá-los onde de direito. Jamais Fernando, futuro médico de elevado estatuto social, poderia casar com a simples Rosa do Adro. Ainda assim, o amor persistia e mesmo com as advertências de sua avó, Rosa não proibiu Fernando de se encontrarem longe dos olhares de todos.
 
Pareciam ter encontrado uma solução. Mas não. Um vulto escuro espiava, todas as noites, as suas conversas e encontros. Era António, o ajudante do Padre, outrora o homem mais esperançoso de que um dia namoraria Rosa. Após o confronto e a sinceridade daquela perante a impossibilidade de amor, António ganhou uma raiva poderosa que viria a tornar o desfecho de todos os personagens na maior das tragédias. Também Fernando escondia um segredo de nome Deolinda.
 
Nesta história ninguém foi feliz.
 
Há sempre a tendência de procurar vilões, inocentes e heróis. Aqui talvez os encontre um pouco em cada personagem, tudo em prol de um bem maior chamado amor. Ao destino imaginado, porém, parece ninguém ter chegado.
 
 
Deolinda, esse poço de virtudes, quis amar.
António, o desventurado, quis amar.
Fernando, amou.
Rosa do Adro amou mais do que ninguém.
No fim, restará a memória.
 
 
Um clássico da nossa literatura que tem de ser redescoberto. O autor com o seu conhecido narrador intrometido, dará ao leitor todos os motivos para aguçar a curiosidade e desejar, com todo o fervor, conhecer o desfecho de uma personagem intemporal: a nossa Rosa do Adro.
 
Leia também e venha contar-me tudo.
 
 
 
 
Desafio pessoal
 
 
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Seja feliz,

Uma bailarina na passadeira

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

 
Nos tempos que correm, e cada vez mais, temo pela minha vida a cada passo dado numa passadeira. As pessoas dormem com pressa, acordam com pressa, vivem com pressa e, o pior de tudo, conduzem cheias de pressa e vazias de paciência.
Serei apenas eu a tremer sempre que um carro está na iminência de parar? Porque é uma verdadeira iminência. Nunca sei o que vai acontecer. O carro nunca para realmente. E eu pareço uma bailarina: um passo para frente ou um passo para trás?
É este acanhamento social que me atinge todas as manhãs.
 
 
Seja feliz,

Em tudo havia beleza [Ordesa] (Manuel Vilas)

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019


Já lhe aconteceu, ao entrar numa loja de roupa, ser confrontado com o chamado «tamanho único»? Essa pequena etiqueta sempre me intrigou. Faz-me pensar em diversas possibilidades, entre elas, que sendo um número único, caberá apenas a um restrito grupo de pessoas ou, por outro lado, é tão único que poderia eventualmente caber em cada pessoa, em cada corpo, um pouco à sua maneira.
 
Ao ler Manuel Vilas dei comigo de regresso a esta questão sobre tamanhos únicos, universais, S, M, L, XL, XXL. E agora é a sua vez de me questionar porquê.
 
«Em tudo havia beleza», obra mais recente do autor e a primeira a ser editada no nosso país, fez-me perceber a sua grandeza pelo seguinte paradoxo: este é um livro sem tamanho, capaz de vestir a vida de qualquer pessoa. A minha, a sua, a de qualquer pessoa. Um tamanho único. Tão único que se adapta a quem o procure.
 
"A família é uma forma testada de felicidade."

Esta é a história de um homem que recorda a sua família. Dessa recordação, lemos-lhe saudade, amor, desamor, morte, tristeza e arrependimento, sem nos deixar, no entanto, de comprovar que em cada recanto mais sombrio de nós mesmos, e das nossas vidas, há sempre restos de beleza.

"A dor não é de todo um entrave à alegria, tal como eu entendo a dor, pois para mim está vinculada à intensificação da consciência."

Através de um relato dorido e cansado, o autor habita cada recanto da memória em busca da sua própria família, perdida na morte, reforçando-lhe essa ideia do passado inalterado. Repare, caro leitor, de uma maneira ou de outra, todos nós, tivemos um pai que nos morreu por um cancro vadio. Uma mãe peculiar, apaixonada por cabeleireiros ou pelo Julio Iglesias. Em todos nós há um pouco dessa beleza que é recordar as particularidades da nossa família, tão nossa, a repetir-se no entanto de porta em porta. A repetir-se dentro de nós e a formar alicerces.

"A vontade de viver é sempre confusa: começa com um estouro de alegria e acaba num espetáculo de vulgaridade. Somo vulgares, e quem não reconhecer a vulgaridade é ainda mais vulgar."

Manuel Vilas escreveu um livro que, atrevo-me, é de todos nós. A sua beleza vive dessa ideia de que todos nós carregamos uma pontada de dor diagnosticada por um passado mal alinhavado. Abra as portas a este que é um lamento, um desabafo comum. Encontre nele os pequenos trechos de que a vida é feita. Vai doer um pouco por vezes mas é a vida que acontece, na sua beleza imperfeita, feita de rotinas que apaziguam, de lugares comuns, de pessoas que aprendemos a amar incondicionalmente, hoje e sempre.

"E passar a ferro relaxa. (...) Modelamos a roupa, vemos ali a roupa inerte a receber o calor e a alcançar uma forma, uma visibilidade e uma ordem; do caos das ferozes rugas com que a roupa sai da máquina de lavar vai-se passando a planícies, a campinas, a uma verdade; e pensamos que o nosso corpo se meterá ali dentro e estará bem ali, e terá um sentido, e terá amor."

Talvez como as camisolas de tamanho único, também a vida precise de um ferro quente, que nos modele as memórias a caminho de um sentido. Um sentido que nos faz concluir que em tudo havia beleza.
 


Chega hoje às livrarias.
Vá buscar o seu. Não precisa de o experimentar. É do seu tamanho.
 

Com o estimado apoio:
 
Seja feliz,

Ler(-te) em Português | Fevereiro

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019



O desafio pessoal "Ler(-te) em Português" do mês de Fevereiro contará com a leitura do célebre clássico "A Rosa do Adro", escrito em 1870 por Manuel M. Rodrigues.
Já lhe posso adiantar que a Rosa é uma mulher que se prende na memória.
 
 
 
 
Desafio pessoal:
 
 
Com o apoio:
 
 
Seja feliz,
 
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