Leitura do momento

segunda-feira, 22 de março de 2021

É uma leitura verdadeiramente inspiradora, sobretudo nestes tempos de pandemia em que é menos fácil enxergar alguma luz entre a escuridão. Mas é sempre possível.

Um dos ensinamentos do autor que mais impacto teve em mim, e por já me ter confrontado com essa máxima mais vezes, é que a felicidade é algo que podemos escolher.

Se é fácil? Talvez não.

Se é possível? Absolutamente.

 

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Com o apoio,

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Uma boa semana e seja feliz!

Mulheres Excelentes (Barbara Pym)

segunda-feira, 15 de março de 2021

Sobre "Mulheres Excelentes", de Barbara Pym, John Updike disse "Uma lembrança surpreendente de que a solidão pode ser uma opção (...)". Creio que talvez seja uma das formas mais inteligentes de trazer a lume a grande essência desta história.
Aqui conheceremos Mildred, uma jovem com trinta e poucos anos, solteira, e que vive sozinha. A história começa no momento em que vê chegar os seus novos vizinhos, os Napier. A senhora é antropóloga e o marido, oficial da marinha. Só pela distâncias de tais áreas, a nossa jovem torceu o nariz, mas veremos.
Atrás da cortina, a nossa personagem vai seguindo os passos dos recém-chegados mas, mais tarde, e quis o destino, que se cruzasse com a Helena Napier quando se dirigia ao contentor do lixo. Começa uma amizade sem saber bem como mas deixa-se arrastar em parte por um sentimento de vazio que se tem instalado na sua vida ao longo dos anos.
Desde o trabalho monótono ao tempo que dedica às benfeitorias da igreja, onde estão os seus dois grandes amigos, o Padre Malory e a irmã Winifred, vai vivendo os dias na tranquilidade de quem sabe o que espera.
A relação conflituosa do casal vizinho vem agitar a sua vida calma, monótona e muito arrumada. Através de uma série de quezílias entre a esposa e o marido, e um terceiro elemento para reforçar a fragilidade do casal, Mildred vê-se envolvida numa trama em que tem um papel apaziguador, de quem é vista com sabedoria para dar e vender quando, nem ela mesma, se perceciona assim.
Barbara Pym foi uma autora conhecida, particularmente, pelo tom irónico que atribuiu às suas histórias e à forma como aborda o tema da mulher na sociedade. É visível a distinção nítida entre homem e mulher, sendo que a mulher excelente é aquela que tem os maiores méritos mas que por ser "uma boa mulher", não atrai o interesse dos homens. Entre ironias e farpas bem afiadas a toda uma sociedade que continua a priorizar o homem como detentor de escolhas e o especialista em definir a distância entre certo e errado, a autora vai-nos divertindo com uma língua muito afiada e um dedo em riste às formas tacanhas de pensar o papel da mulher.

Repare, ao longo desta história, Mildred percebe que está cansada de os aturar. Que na verdade a paz da sua casa, os horários que define para si mesma e as amizades que decide semear, são de exclusiva decisão sua. Esta mulher excelente ficou cansada de apaziguar todas as vidas, menos a sua. 

É aqui que o pensamento de Updike ressoa na minha forma de ver e analisar este livro. A solidão é, para surpresa de muitos, uma opção e talvez por isso mesmo, de solidão não tenha nada, sobretudo pela forma, também tacanha, como a maioria pensa. Se uma mulher está quase a pisar a barreira dos 40 anos e vive sozinha, solteira, deve ser muito solitária. Entenda-se solitária como sinónimo de uma enorme tristeza. Não é isso que acontece quando conhecemos Mildred, uma excelente representante, eu diria, de todas as mulheres que são felizes na presença de si mesmas, na vida que construíram e que, por isso, não mudariam nada.

Um livro com alguns laivos de comédia mas, na minha opinião, é sobretudo um livro sobre a figura desenquadrada da mulher que tanto insistem em perpetuar.

Apesar de ter acolhido este livro com enormes expectativas em torno da ideia de comédia e de que me iria rir bastante, pois na altura estava a precisar disso mesmo, acabou por se tornar numa interessante, e mais aprofundada, experiência de leitura.


Seja feliz!

Na companhia de George Eliot

domingo, 14 de março de 2021

Percebo que a minha felicidade genuína de leitora vive, aconchegada, dentro dos clássicos. Estou a ler de momento «O Moinho à Beira do Floss» e está a ser uma feliz companhia.

O que anda a ler?


Um bom fim de semana e seja feliz!

Pássaros Feridos (Colleen McCullough)

quinta-feira, 11 de março de 2021

"Existe uma lenda acerca de um pássaro que só canta uma vez na vida, com mais suavidade que qualquer outra criatura sobre a terra. A partir do momento em que deixa o ninho, começa a procurar um espinheiro-alvar e só descansa quando o encontra. Depois, cantando entre os galhos selvagens, empala-se no acúleo mais agudo e mais comprido. E morrendo, sublima a própria agonia e despende um canto mais belo que o da cotovia ou do rouxinol. Um canto superlativo, cujo preço é a existência. Mais o mundo inteiro para para ouvi-lo, e Deus sorri no céu. Pois o melhor só se adquire a custo de um grande sofrimento. Pelo menos é o que diz a lenda."


Assim começa «Pássaros Feridos» de Collen McCullough. Sabemos, consciente ou inconscientemente, que a vida vai passando numa espécie de rimo pendular. Que nada é estanque e aquilo que emanamos, mais cedo ou mais tarde, acaba por nos atingir. Seja isso bom ou mau.

Esta é uma poderosa história de amor entre Meggie e o Padre Ralph. Num romance que considero de formação, vamos conhecendo a jornada de vida de Meggie, menina ruiva, cheia de vida e de uma enorme maturidade, a par da sua família, pais e irmãos. 

Não é uma vida fácil, dedicada aos trabalhos do campo e tratamento de animais. Meggie parece adaptar-se facilmente à vida mais calejada mas é uma menina que crescerá, tornar-se-á uma jovem de enorme beleza e no momento em que a família se muda na sequência de oferta de trabalha da irmã rica do pai, a vida parece ter-se escancarado numa janela de possibilidades.

No entanto, no momento em que conhece o Padre Ralph, homem belo, bem falante e cuidador, ela parece saber, desde os tenros 10 anos de idade, que a sua história já estaria escrita. O mesmo sentimento de derradeira certeza apodera-se, na mesma medida, do padre. A diferença, porém, é que a fé e devoção do homem a um Deus Superior, fê-lo desde logo fechar os olhos ao amor indigno à sua condição perante a lei a que cedo se prostrou. Honrar Deus sob todas as coisas.

Esta é a grande premissa do livro. Não pense o leitor, no entanto, que é apenas uma história, como tantas outras, em que um padre sucumbe à beleza de uma mulher pondo em causa a religiosidade e o propósito de vida de quem se entregou a Deus. A relação de ambos cresce de uma forma muito bonita.

Há muitas voltas e reviravoltas na vida de Meggie. Ela cuida dos irmãos, aprenda a lidar com os cavalos, aprende a amar a Austrália com um amor desmedido, aprende a viver na ausência do padre que após usufruir plenamente da herança da sua tia, parte de encontro a uma renovação da sua suposta fé.

Os anos passam. Meggie torna-se mulher. Casa-se. Tem esperança. Perde a esperança. Aumenta a saudade da família, agora longe, e na ausência de um marido que concentra todas as suas atenções na apanha da cana, amealhando sem parar e sem nunca gastar um tostão. Meggie ultrapassa-lhe as vontades de riqueza e consegue engravidar. Nasce-lhe uma menina de temperamento muito forte.

E tantas, tantas outras coisas esperam o destino de Meggie. A vida feita num caminho tortuoso, que lhe exige o canto mais sofrido pois sabe que é na luz desse mesmo sofrimento, acarretando com todas as consequências desse pêndulo que sempre volta disparado, que poderá ser verdadeiramente feliz, mesmo que num rasgo pequeno de tempo.

Nesse caminho pautado pelo sofrimento, pelos acasos que não existem, pelos anos que passam, o padre Ralph acaba sempre por voltar. Destino? Amor? Algo mais forte do que tudo isso junto?

Nunca saberemos. Sabemos apenas que a vida tem uma matemática muito própria e que entre somas e subtrações, Meggie alcançou os sonhos a que sempre aspirou desde pequena e que, na mesma medida e na audácia de uma ironia que só Deus consegue ter, vê-os desaparecer da forma mais penosa.

 💗

Colleen McCullough escreveu uma história sobre o poder destruidor do amor e a beleza que, independentemente do sofrimento que se sabe atrás da porta, impera sobre todas as coisas, indo de encontro a esse último canto do pássaro. Mesmo sabendo ser derradeiro, e final, Meggie foi feliz na sombra de um sofrimento certo mas que, ainda assim, lhe proporcionou a forma certa de um destino que sempre soube ser o seu.


Um drama intenso sobre uma linda e proibida história de amor, feito de personagens fortes, decididas e sem medo de enfrentar a sombra de uma decisão que vai contra tudo e contra todos.


A insustentável leveza do ser (Milan Kundera)

segunda-feira, 8 de março de 2021

 

Creio que a maioria concordará com a beleza deste título. Torna-se ainda mais bonito, e significativo, quando paramos para pensar no grande intuito do autor: Kundera refere-se à problemática do tempo, como insustentável leveza que ninguém consegue guardar para si mesmo e largamente dependente do contexto em volta. O tempo é sentido como uma corrente que passa uma vez, tornando cada um dos nossos gestos completamente únicos, estanques, que não mudarão jamais. Sendo então fragmentos de tempo que não se repetem, tornam-se leves mas, precisamente por isso, insustentavelmente leves. Logo na primeira página o autor faz referência ao conceito de «eterno retorno» (Nietzsche), plantando a teoria de que o peso desse eterno retorno às nossas vivências, anulando a espontaneidade dos nossos gestos, não pode ser comparável ao peso da insignificância e falta de sentido dessas mesmas vivências (únicas) num mundo que não se repete, que é único e que as nossas decisões são taxativas, sem direito a um rascunho prévio.

Não é tão confuso como pode parecer, à partida. Este é um livro feito de filosofia. Mais do que um romance inserido numa época histórica muito específica (Primavera de Praga), é um livro que escorre filosofia de uma forma muito bela. Dei comigo a pensar várias vezes no quanto aqui podemos encontrar os grandes princípios da filosofia oculta e o quanto esta questão da vida vista pela leveza ou pelo peso de um tempo que só se vive uma vez, ser tida em linha de conta pelas polaridades. Se a sombra é tão somente a ausência de luz, então, a leveza da vida mais não é do que a ausência desse peso, tantas vezes tido como fardo. Kundera, precisamente neste ponto, faz-nos pensar na necessidade tão humana de nos inserirmos nos extremos, na ponta de uma escala, se assim for mais simples entender.

Se levar uma vida leve nos deixa aparentemente livres, então porquê que a maioria das personagens neste livro necessita, com uma força capaz de lhe arrancar as entranhas, de viver à luz de um peso que vai sustentando uma vida feita de dúvidas?

"Mas, na verdade, será o peso atroz e a leveza bela?
O fardo mais pesado esmaga-nos, verga-nos, comprime-nos contra o solo. Mas, na poesia amorosa de todos os séculos, a mulher sempre desejou receber o fardo do corpo masculino. Portanto, o fardo mais pesado é também, ao mesmo tempo, a imagem do momento mais intenso de realização de uma vida. Quanto mais pesado for o fardo, mais próxima da terra se encontra a nossa vida e mais real e verdadeira é. Em contrapartida, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, fá-lo voar, afastar-se da terra, do ser terrestre, torna-o semi-real e os seus movimentos tão livres quanto insignificantes.
Que escolher, então? O peso ou a leveza?"

Representado por quatro personagens principais, Tomas, Teresa, Sabina e Frank, o leitor viverá estes dilemas à luz de quatro personagens perdidas em si mesmas, fragilizadas e perdidas de um sentido de vida. Na mesma medida, questionamos o que é. de facto, ter um sentido na vida? E eis que volta a temática que resume este livro: o poder do tempo e a necessidade que o ser humano tem de viver o mundo como um mar de possibilidades e angústia de um tempo que nos imprime, momento a momento, uma marca eterna, por dentro e por fora.

O narrador parece um alter ego do próprio autor, dando-nos os seus pareceres e, acima de tudo, incutindo no leitor uma série de dúvidas. Há certos trechos da história que parecem tão reais quanto um sonho, serão de facto? Acredito que as dúvidas interiorizadas em cada personagem não só dão forma ao romance como às próprias dúvidas de quem lê.

Ao longo da história acompanhamos a relação entre Tomas, um adúltero inveterado e Teresa, mulher meia perdida, numa clara representação de suposta leveza e suposto peso. Também em Sabina, artista, amante de Tomas, mulher independente e que cativa o amor incondicional de Frank, podemos ver essas polaridades bem nítidas. Neste livro, ninguém está bem. Ninguém é feliz. E todos procuram um propósito. Quanto mais perto parecem chegar, mais rapidamente surge a vontade de inverter a marcha, de viver outra vez, de um novo ângulo. É um livro feito de acasos, em que seis outros acasos tornaram possível a Tomas conhecer Teresa e tantos outros acasos fariam Sabina querer fugir do amor de Frank.

Tal como as bonecas russas, «A insustentável leveza do ser» é um sublinhado constante à difícil arte de existir. É a existência pessoal, a colectiva a par de um contexto histórico marcante e em que as próprias personagens se misturam nele, para no final chegarmos a uma aflitiva questão: e se?

Houvesse um sinónimo feito de questão para esta história e eu atribuía, de olhos fechados, um grande "e se?" E se Teresa não tivesse ido embora? E se Tomas não traísse Teresa constantemente? E se Sabina encontrasse um propósito na vida? E se Frank tivesse tomado uma decisão mais cedo?

E então este é o momento em que, caro leitor, paramos, fechamos o livro e sentimos que dentro dele há um esboço perfeito do verbo viver. É tentativa e erro, uma atrás da outra, é a história que se repete fora e dentro de nós, que nos define mas nunca inteiramente. É o amor melancólico, feito de desculpas, é a constatação de que não podemos viver duas vezes o minuto que já passou. É a vida a entrar-nos pelos olhos dentro e o querer, ávido, de enxergar tudo, memorizar para, enfim mais descansados, reviver dentro de nós o que já foi, o que nunca será e o que desejaríamos que realmente fosse. Nessa compensação, a vida vai acontecendo.

Um livro muito especial em que atrelado a um enredo e a um conjunto de personagens a questionarem o tempo, a existência e o amor, nos leva também a perder-nos entre filosofias e anseios sobre o que fazemos nós das nossas vidas e até que ponto gostaríamos de retornar e subtrair ou somar uns quantos «e se?». Seria isso peso ou leveza?


Um livro que jamais nos fará deixar de questionar.

Um livro, eu diria, intemporal.

Gostei muito e só posso recomendar.



Seja feliz,

A ler «Mulheres Excelentes»

domingo, 7 de março de 2021

"É óbvio que nunca foi casada - disse ela, pondo-me no meu lugar entre as fileiras de mulheres excelentes."

 

«Mulheres Excelentes» é a leitura do momento e é considerada a comédia mais divertida de Barbara Pym. É, também, a minha estreia com a autora. 

Desejo-lhe um bom Domingo, repleto de boas leituras.

 

Seja feliz,


Arco-íris (Banana Yoshimoto)

quarta-feira, 3 de março de 2021

 

No dicionário, «arco-íris» é definido como: "Fenómeno atmosférico luminoso, em forma de arco, apresentando as sete cores do espectro solar, e determinado pela refracção e reflexão dos raios solares sobre as nuvens."

Na vida da jovem Eiko, «Arco-íris» significa, maioritariamente, o restaurante onde trabalha e onde é feliz pelo que faz. Sente que é esse o seu grande sonho, trabalhar num restaurante, e se para muitos olhos o seu sonho pudesse ser míope, a ela pouco interessava. É no «Arco-íris» que é feliz.

Após a morte da sua mãe e da avó, Eiko sente que a solidão a empurra de encontro à necessidade de conhecer novas realidades, de se encher um pouco do vazio que a sua vida se tem vindo a transformar. Dessa forma, parte para o Taiti , onde deseja conhecer em profundidade a grande influência do restaurante onde trabalha. O dono do restaurante é um apaixonado  pelo Taiti tendo daí extraído a essência do seu próprio restaurante.

Será na viagem de Eiko que conheceremos em maior pormenor os reais motivos daquela viagem e toda uma vida que ficou lá atrás, por acabar de se escrever e o medo, incluído, do final dessa mesma história, tão sua. E tão cheia de um amor intrometido.

É sempre bom relembrar a delicadeza da escrita de Banana Yoshimoto que em muito pouco, diz tudo sobre isto de viver, de amar e de sonhar. Parecem coisas tão pequenas, em frases que nos rasgam a atenção e nos dividem entre a história da própria Eiko e, sem querer, a nossa própria.

É um livro enternecedor sobre uma jovem mulher que sente estar na hora de crescer. É a história de uma menina mulher que, pela primeira vez, ousa viver para lá das regras impostas. Há moralidade, há respeito mas há, acima de tudo, o amor avassalador que acaba por ir contra a corrente das coisas (supostamente) bem feitas.

Com temas universais como a procura de um sentido, o amor, o medo e a rebeldia, a autora escreve uma história sobre recomeços e o desejo de viver num sentido mais amplo, mais fincado. Se o arco-íris representava para Eiko o lugar onde podia ser feliz, a trabalhar, também o tempo lhe foi mostrando um duplo sentido daquela palavra, um sentido que lhe escondia a promessa de uma felicidade por desbravar:

 🌈

"No meu futuro, a verdade faria o seu caminho por sua conta e risco. (...) Num ápice as coisas haviam mudado de um modo surpreendente, mas agora tinha um arco-íris em frente aos meus olhos.
Isto é um sinal do destino. Um sinal demasiado belo para ser verdade. Fixo na memória este panorama e depois não olharei para mais nada, deixarei que as coisas sigam o seu curso, pensei, quase a rezar. Enquanto isso, de olhar fito no céu, observava aquele pequeno arco-íris que brilhava imóvel."

Os raios solares começam, então, a brilhar sobre as nuvens. 


Boas leituras, seja feliz.

A Mulher de Branco (Wilkie Collins)

segunda-feira, 1 de março de 2021

«A Mulher de Branco», de Wilkie Collins, foi considerado o primeiro livro a integrar um subgénero vitoriano tido como «romance de sensação». Este subgénero é, essencialmente, definido por narrativas sobre crimes, como identidades falsas ou infidelidade, ambientadas nos lares ingleses, e cujos personagens parecem estar sempre acima de toda e qualquer suspeita, sendo simpáticos, cordiais, quase irresistíveis. Existem sempre novos segredos a cada página, incitando no leitor uma grande curiosidade.

Este subgénero viveu o seu melhor momento na década de 1860, contudo, não foi aplaudido unanimemente, muito pelo contrário. A criação do novo género literário surge no paralelismo das mudanças de hábitos dos leitores até então que, no surgimento de novos pontos de interesse culturais, começaram a desejar histórias mais estimulantes. Enquanto a classe alta da sociedade considera negativamente este tipo de literatura, a classe média sente nestes livros a distracção de que precisava, pelo tempo sempre ocupado, uma geração cheia de projectos e que, por isso mesmo, o estímulo de uma leitura cheia de segredos a serem revelados, página a página, lhes comprou total atenção. Esse surgimento de uma nova perceção do tempo, da pressa constante, e de novos entretenimentos, suscitou na literatura a necessidade de criar outras maneiras de instigarem o interesse no leitor de classe média. Assim, a fórmula passava pela ansiedade e curiosidade em descobrir as desventuras dos personagens sempre tão intrigantes e reviravoltas constantes. Uma outra característica  vital deste género é a "inquietação": as sensações provocadas pela ficção são tão vivas que acabam por se espelhar nas sensações do próprio leitor. 

Sobre as fontes de inspiração de Collins para a criação desta obra, existem duas teorias, ambas pautadas pela ambiguidade, sem nunca terem sido, de facto, confirmadas. Apesar dessa mesma ambiguidade, ambas as propostas de inspiração são geniais: a primeira defende que a inspiração do autor teve lugar num julgamento francês a que o autor teve acesso, sobre a viuvez de Adélaide-Marie-Rogres-Lusignande Champignelles e um dos filhos se ter apropriado, injustamente, da herança da sua mãe. A segunda hipótese é ainda mais interessante e aponta para que numa noite de Verão, na década de 1850, os irmãos Collins acompanhavam um amigo de volta a casa quando, subitamente, ouviram um grito de mulher e naquele breve espaço de tempo enquanto pensavam na atitude que deveriam tomar, foram surpreendidos pelo surgimento de uma mulher de branco. Corajoso, Collins fora o único que deixara os companheiros para trás, indo ao encontro da mulher (relembremos a cena de Walter e vemos aqui um nítido espelho de ambas as cenas), mulher essa que viria a ser o grande amor da sua vida, Caroline Graves.

Suposições à parte, a verdade é que já há muito que não tinha uma tão boa companhia como este «A Mulher de Branco». Reforço aqui todas as características do género e sublinho que a curiosidade é um dos factores sempre presentes ao longo de toda a leitura.

Independentemente o género literário não ter granjeado, na época, os melhores elogios por parte da classe alta, a verdade é que o autor, que começou a escrever esta inesquecível história no dia 15 de Agosto de 1859, obteve um enorme sucesso. A recetividade foi tão grande que acabou por se popularizar  em todo o lado desde a venda de perfumes inspirada na mulher de branco, vestuário de mulher na cor branca, os convidados em festas dançavam quadrilhas inspiradas pelo romance e grandes autores como Thackeray, leram o livro num só dia, não o conseguindo largar.

Outro dos aspectos que só valorizam ainda mais este livro, é a complexidade e o cuidado que incutiu em cada uma das suas personagens. Pensemos em Fosco, por exemplo, e será impossível negar o quanto esta personagem é enervante e, simultaneamente, genial.

Sobre a história em si tem como protagonista Walter Hartright, um professor de desenho, residente em Londres, e que lhe surge a oportunidade de um novo emprego em Cumberland,onde passaria quatro meses em Limmeridge a ensinar a arte do desenho a duas irmãs, com excelentes condições de trabalho. Precisamente por não gostar muito de Londres, o nosso personagem aceita o trabalho numa espécie de refúgio. 

Na noite em que caminha em direção à mansão, encontra uma estranha mulher, que virá a descobrir mais tarde que se trata de uma paciente psiquiátrica, toda vestida de branco e bastante ansiosa. Ajuda essa mulher a encontrar o caminho que precisa e segue para aquele que será o lugar do seu novo emprego.

No dia seguinte e depois de conhecer a irmã mais velha, Marian (uma das mais incríveis personagens!), comenta o sucedido na noite anterior. A partir deste momento, e movido também pela curiosidade de Marian, esta, encontra referências daquela enigmática mulher numa das cartas da falecida Sra. Fairlie, mãe de Laura, a sua meia-irmã e de quem é inseparável. A partir do momento em que ambas as personagens percebem, mais à frente, as parecenças físicas da mulher de branco com a sensível Laura, o mistério ganha forma e aumenta a um nível sem precedentes.

Se o amor de Walter por Laura se estabelece logo no primeiro olhar entre ambos, o mistério de que falava, só aumentará ainda mais quando Glyde, o noivo de Laura, parece ter, também ele, uma estranha ligação à jovem vestida de branco.

Este é assim o ponto de partida para uma história repleta de infortúnios, sofrimento e uma enorme sede de justiça. Desde Glyde, marido de Laura e homem intragável, ao seu amigo Fosco, estranho, mau e implacável, as irmãs terão de lutar para defender o seu próprio património, longe de Walter que, pela força das circunstâncias teve de partir para longe. Contudo, este nosso personagem trará as respostas necessárias para desvendar mistério atrás de mistério conquistando, por fim, a tão ambicionada justiça e o amor que se assume como a resposta, infinita, a todos os males que viveram.


Um dos grandes clássicos góticos, «A Mulher de Branco» foi, sem dúvida alguma, a minha melhor leitura do mês de Fevereiro.

Recomendo sem pestanejar.

 

Boas leituras e que Março seja um mês inesquecível.

💗

 

 

Seja feliz,

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