Cotovia (Deszó Kosztolányi)

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Um livro muito interessante este, de que hoje vos falo.
Um autor que inspirou Sándor Márai, nos tempos que se seguiram.
«Cotovia» é um livro diferente. Um livro que a originalidade é incapaz de passar despercebida ao mais desatento ou insensível.
A história dos pais de Cotovia, assim amorosamente chamada, vivem a secreta mágoa de somarem ao peso dos dias, a esperança cada vez mais gasta de a verem subir ao altar, casando e alinhando uma vida certa ao lado de alguém capaz de assegurar tamanho sonho. Com 38 anos de uma vida monótona, Cotovia é querida, amável, uma filha que todos desejariam, mas... é feia. Uma certeza guardada no coração do pai, da mãe, e que nenhum deles ousa revelar em voz alta.
A condenação de um físico que parece cimentar o destino dessa doce jovem.
Depois de tanta insistência por parte de seu tio, Cotovia decide viajar até à quinta da sua família, ausentando-se de casa durante uma semana.
O inicio dessa jornada é vivida com enorme tristeza, e quase desespero, por parte de uns pais cuja ausência de Cotovia quase se assemelha à perda de algo físico, um braço ou uma perna. Tamanha a dor. Chegará bem? Perder-se-á? Conseguirá adaptar-se?
Mas a força dos dias é uma certeza, e o tempo assim vai passando. O velho casal vai vivendo, e nesse tempo que passa reaprendem a viver sob a, primeiramente, nebulosa ausência de Cotovia. Contudo, o tempo perdido parece ressurgir com boas lembranças de quem quase escondeu a pouca beleza (para não ousar com outras palavras impensáveis!) da filha e revivem agora momentos com amigos, no restaurante, saboreando comidas novas, gordurosas, e até então severamente criticadas no segredo da sua casa, com a sua Cotovia.
Há uma nova atmosfera que se vive, mais consciente. A ausência da filha traz, no entanto, ao velho pai a consciência mais viva da sua pouca beleza, dessa fatalidade tão cruel. Acaba por dizê-lo em voz alta, ameaçando chegar a um lugar sem retorno, arrastando a velha mãe com ele...
Há assim, neste livro, um sublinhado a negrito da mágoa em família e do amor entroncado que nela se pode viver, independentemente de tudo. O silêncio que o amor carrega, e a dor que igualmente se carrega para, aparentemente, todos poderem viver numa serena e encenada felicidade, sem validade à vista.
É um livro que invoca o tema do amor numa faceta, sem qualquer dúvida, muito original e muito tocante. O amor de pai e mãe, e o amor de uma filha, também ela tocada por um destino em nada feliz, sobre todas as coisas.
 
Recomendo. Muito!
 
 
Muitos livros. Muitas leituras.
 

Para Sempre (Susanna Tamaro)

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

 
Apesar de não apreciar a obra da Susanna Tamaro, este «Para Sempre» é um livro capaz de ficar na memória pelo tema que é impresso: o luto.
Aliado ao luto, o enredo em que a autora envolve o leitor permite abrir porta a muitas questões interessantes, deixando o coração aflito a muitas delas, incapaz de respostas. Acredito que a mais pungente seria mesmo: "Até onde te leva o medo em não acreditar teres sido verdadeiramente amado?"
Até onde nos levará esse medo é a jornada que o leitor tem pela frente, quando se confronta com este pequeno livro. Pequeno livro, grande mensagem. A ideia de um mal-entendido ou tão simplesmente falta de crença, ou ainda, puro egoísmo, acaba por se traduzir em más escolhas, incapazes de serem revertidas no tempo.
Escolhas permanentes, incapazes de alterar o presente que agora corta ainda mais a certeza de mudar as possibilidades de um futuro, para sempre, comprometido.
 
Recomendo.
 
Muitas leituras.
 
Ao som de: Snow Patrol | Chasing Cars
 

Em Parte Incerta (Gillian Flynn)

sábado, 11 de janeiro de 2014

Atenção: S P O I L E R
 
 
O tema deste livro é bem trabalhado, mas acredito que podia ser bem melhor. Houve momentos em que me senti ridiculamente irritada com a previsibilidade do enredo, como certas partes do diário da Amy. Qual é a mulher apaixonada que é tão estúpida que não percebe as mudanças do marido, agora infiel? Desde o início da leitura que a Amy - realço que esta a minha mera opinião - se tornou a minha grande suspeita.
Quando digo que o tema do livro é bem trabalhado, sim. Acredito que sim, porque mais do que todas as peripécias policiais, a autora enfatiza a relação/casamento como a grande máxima: a complexidade das relações. E nesse sentido, não podia ter expressado melhor essa grande complexidade humana no que se refere ao amor, ao desejo de sermos amados e no abismo absurdo em que por vezes se cai nessa tentativa de alcançar o supremo sentimento. Aí penso que conseguiu. Mas, sem deixar de referir, de uma forma um tanto ou quanto, exagerada. Não me cativou. Achei certas partes verdadeiramente atrofiantes.
Vamos começar pela questão inicial, supostamente o gatilho que encolerizou a Amy: o enamoramento Amy e Nick.
A própria admite não ter começado da forma correcta. E que forma correcta seria essa? Sendo ela mesma. É que lá está. O grande problema das relações, sejam elas de que foro, é não começarem por um princípio básico: a transparência de carácter. Assume-se uma personagem, como nos filmes ou nos livros, daquilo que é suposto ser, daquilo que é suposto o outro gostar, para cativar, para agradar, para se tornar desejado. Tudo muito belo, encantador, um verdadeiro encanto. Outra questão: até quando?
Esse tipo de encanto, essa personagem transformada tem sempre um prazo de validade, por norma, curto. É como um balão que vai enchendo na medida do desejo do outro, por norma um desejo grande, e obviamente acaba por rebentar. É que, afinal, o desejo do outro não faz qualquer sentido. "Eu também tenho os meus desejos, e ele não vê!" ou "Afinal, agora que mostrei este meu balão rebentado não consegue ver para lá dele!". Oh, que chatice. Isto afinal não tem piada nenhuma.
O que acontece depois? O encantamento desaparece como o vestido da Cinderela, às 24H em ponto. Tudo volta à essência do nascimento, ao temperamento de base, ao carácter daquilo que sempre foi, e sempre será. Mas há outra questão importante aqui. Vamos pensar.
O que origina essa necessidade de agradar tanto, mudando temperamento e personalidade? A Amy responderia: "...a certeza de ter um lugar cativo e vitalício na vida de alguém, a qualquer custo. Ser amado, porque se quer e porque é assim e mais nada." 
Eu e o meu sistema límbico, arrumadinho no sítio certo, diria tão simplesmente: "falta de amor próprio."
Essa falta de amor próprio justifica a pobreza da maioria das relações, que sujeitam a uma série de atitudes imprevisíveis, descontroladas e prolongadas no tempo em que o resultado só pode ser pior, pior e pior.
A juntar a toda esta soma infeliz, quando as duas pessoas se enraízam de tal forma nessa pobreza de espírito, deixam de acreditar noutra possibilidade.
 
Não foi um livro que me cativou, mas a complexidade em torno das relações, do egoísmo, da necessidade de sermos amados a todo o custo, da psicopatologia, todos esses temas misturados, acabaram por tornar a leitura possível.
 
 
Muitas leituras.
 
 
 
Sinopse em www.wook.pt: Uma manhã de verão no Missouri. Nick e Amy celebram o 5º aniversário de casamento. Enquanto se fazem reservas e embrulham presentes, a bela Amy desaparece. E quando Nick começa a ler o diário da mulher, descobre coisas verdadeiramente inesperadas…
Com a pressão da polícia e dos media, Nick começa a desenrolar um rol de mentiras, falsidades e comportamentos pouco adequados. Ele está evasivo, é verdade, e amargo - mas será mesmo um assassino?
Entretanto, todos os casais da cidade já se perguntam, se conhecem de facto a pessoa que amam. Nick, apoiado pela gémea Margo, assegura que é inocente. A questão é que, se não foi ele, onde está a sua mulher? E o que estaria dentro daquela caixa de prata escondida atrás do armário de Amy?

Com uma escrita incisiva e a sua habitual perspicácia psicológica, Gillian Flynn dá vida a um thriller rápido e muito negro que confirma o seu estatuto de uma das melhores escritoras do género.

 


As velas ardem até ao fim (Sandór Márai)

terça-feira, 7 de janeiro de 2014


Quando um livro me deixa mal disposta, paradoxalmente, é bom sinal. É sinal de que estou perante uma obra de arte. Em «As velas ardem até ao fim» estive, e estou, perante uma daquelas obras que, definitivamente, se vai perpetuar no meu tempo.
Um livro sobre a amizade, o amor, o rancor, o remorso, o silêncio, a saudade e as questões. Um conjunto de tantas coisas fazem deste pequeno livro uma soma generosa de dor para quem não entendeu os alicerces de uma amizade construída com base na desigualdade. Na desigualdades dos meios, na desigualdade do estatuto.
Há maneira de competir entre sentimentos de amizade e a desigualdade de cada um? Poderá, de facto, a amizade crescer e desenvolver-se - como esperou Henrik - num solo desigual, de crenças desiguais, de vontades em nada semelhantes?
A minha questão, ao longo de toda a leitura, foi: existe mesmo amizade aqui?
Acredito que o rancor de um amor roubado, o silêncio que nunca foi comprado, a saudade que nunca foi admitida, a descrença confirmada e o tempo, esse, que ardeu penosamente ao sabor de horas amargas,  persistiu sempre. Na procura de uma resposta que tardou a chegar.
A essência de tudo, na vida de Henrik, acabou por se resumir a uma espera de 41 anos. À espera de uma resposta já quase certa, mas a confirmação dá-lhe o toque desejado. Nesse tempo, todavia, criou em si a calma necessária para aceitar, para se conformar com o erro dos sentimentos que criou em si, sejam eles de amor ou de uma amizade tão valorizada. E afinal, tão traída na mesma medida.
Um livro afiado como uma faca. Doloroso na medida em que, em conjunto com o monólogo de Henrik, vamos descobrindo a dor de uma traição quase certa desde o início, a ingenuidade da juventude e a certeza, com a velhice, que depois das velas ardidas, na verdade, já nada vale a pena. O fogo da raiva de quem quase morreu nas mãos desse amigo, de quem amou e foi enganado, esse fogo, como o da vela, acaba. Deixa de ter sentido. Apenas uma escuridão calma.
De quem encontrou respostas e pode, enfim, deixar de esperar.
 
Muito, muito bom.
 

Efeitos Secundários (Augusten Burroughs)

domingo, 5 de janeiro de 2014

 
Ao ler Augusten Burroughs há sempre a certeza de encontrar boas doses de loucura e comédia. Com «Efeitos Secundários» não há desapontamentos e essas doses de loucura estão, decididamente, bem marcadas em todo o livro.
 
 
Frases como:
 
"Dá graças a Deus por não teres uma vagina - disse-me uma amiga que tinha uma vagina. - Tens de ter um médico especial. Tens de fazer aqueles exames especiais em que, basicamente, despes a roupa e depois a dignidade. E podes apanhar cancro nas várias coisas que tens lá em baixo e que depois têm de ser arrancadas. Ouve o que eu digo: ter uma vagina é como ter um animal de estimação. É como um cão que está sempre a ladrar atrás dos carros."
 
 
Ou:
 
 
"A minha Casa era onde tudo o que me rodeava não me interessava minimamente. Onde não existia um trabalho cansativo na agência de publicidade à minha espera de manhã e onde não teria de explicar que cheiro era aquele meu hálito. A mina Casa era uma zona segura e confortável onde tudo era possível. Onde os destroços à minha volta deixavam de ser lixo e passam a ser um isolante."
 
 
...demonstram a resiliência do autor que após uma infância e adolescência conturbada, seguida de uma fase adulta na companhia de drogas e álcool como o resultado fiel dessa jornada de esses e erres, apurou o sentido de humor na sua própria direcção.
Não é para todos.
Mas é possível a todos os leitores apreciarem a riqueza das suas (loucas) aventuras, que com os seus livros de crónicas e memórias, acabou por ser distinguido como "um dos escritores de maior destaque no panorama literário norte-americano".
 
 
Boas leituras!
 
 


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