Livros com Psicologia

quarta-feira, 30 de maio de 2018

 
«Livros com Psicologia» é a nova rubrica do blogue. Tem como principal objetivo trazer a lume um conjunto de obras que, de uma maneira ou de outra, se integram e interligam com a Psicologia, a minha área de formação.
Temáticas relacionadas com o desenvolvimento pessoal, competências sociais, relacionamentos amorosos, psicopatologia, entre outros, serão aqui abordadas.
Sinta-se à vontade para dar sugestões de temas que gostaria de ler e descobrir. O espaço é seu.
 



Seja feliz,

Jogos de Raiva (R. Guedes de Carvalho)

terça-feira, 29 de maio de 2018

 
Eis a minha estreia na obra do autor e conhecido jornalista, Rodrigo Guedes de Carvalho.
«Jogos de Raiva» falo-nos sobre as redes sociais, mais especificamente, do Facebook e os resultados nocivos de um contágio estranho, muitas vezes inexplicável, que tal instrumento pode provocar no mais comum mortal.
 
A história inicia de um modo a que qualquer leitor já não pare, mesmo os menos pacientes. Há a dúvida, na primeira página, do que terá acontecido a uma família, aparentemente, estruturada.
 
Francisco Sereno é uma das personagens principais. Um sexagenário que se iniciou recentemente no mundo das redes sociais, em parte, impelido pela sua neta, Catarina. O choque desta entrada no mundo virtual passará, muito rapidamente, do limbo do encantamento à incredulidade.
 
Gradualmente, Francisco Sereno, eterno aspirante a escritor, começa a entrar numa espiral de quase autodestruição perante as tamanhas parvoíces com que se vai defrontando: insultos gratuitos, opiniões que ninguém pediu (será mesmo assim?), a exposição diária, a alegada privacidade que já conheceu melhores dias.
 
Mas depois. Eis que a espiral se condensa e ao perceber, mais claramente, o tal botão "gosto", eis que surge neste homem a ânsia dos números, dos likes, as confirmações dadas por desconhecidos perante uma publicação qualquer. Aqui entre nós, Francisco Sereno deseja igualmente esse mundo de adulação, só para ele.
 
"É tão difícil resistir quando nos elogiam, quando nos querem, tudo o que em nós é inteligente e desconfiado se verga por vezes à cauda do pavão."
 
Será esse fascínio pela atenção de desconhecidos (permita-me enfatizar: de desconhecidos) a incitar a vontade de mais ao Francisco Sereno. Essa vontade de mediatização será, pois então, traduzida num livro sobre o ridículo das redes sociais, sem filtros, sem pejo, sem nada: escreve um livro como quem lança postas de pescada. É assim que o livro intitulado "O Fantoche" nasce e prospera.
 
"O Fantoche, de Francisco Sereno, (...) só chegou ao altar do sucesso porque foi amplamente partilhado na internet."
 
Ficou famoso. Francisco Sereno, através de um livro que em nada lhe merece o nome, ficou famoso. Dessa fama, viria uma das suas maiores tragédias.
 
Rodrigo Guedes de Carvalho é incisivo no que diz, como o diz e na pretensão de quem deseja sublinhar a, cada vez maior, inaptidão das pessoas para se relacionarem, para comunicarem no verdadeiro sentido da palavra (abençoado sejas, meu Paul Watzlawick!), para o ridículo em que caem diariamente, inconscientes ou simplesmente induzidos no coma de quem tem de ser fixe.
 
Um livro que, apesar da escrita não convencer totalmente, se torna pertinente pela temática, que nos induz uma reflexão cuidada sobre uma nova era, em que a comunicação parece confortavelmente instalada entre teclados, ecrãs de computadores e afins.
Só por este ponto, acredito que o leitor não sairá defraudado desta leitura.
 
 
 
E você, quantos likes necessita para viver?
 
Seja feliz,

A ler E.M. Forster

 
"Lucy estava a sofrer do mais doloroso mal que este mundo jamais descobriu: da sua sinceridade, da sua ânsia de simpatia e amor tinha sido tirada vantagem diplomática. Tal injustiça não é facilmente esquecida. Ela nunca mais se exporia sem a devida consideração e precaução contra a rejeição. E tal injustiça pode reagir desastrosamente na alma."

E.M. Forster in "Um Quarto com Vista"
 
 
 
Boas leituras,

O uso próprio da tristeza

segunda-feira, 28 de maio de 2018


Como qualquer ferramenta, também a tristeza tem um uso próprio. Há campos que só conhecem a abundância depois dessa lavoura.
 
José Luís Peixoto 
 
 
 
Boa semana,

Somos os 99% (Marc Granó e Gonzalo Fanjul)

sexta-feira, 25 de maio de 2018

«Somos os 99%», dos autores Marc Granó e Gonzalo Fanjul, é uma das mais recentes novidades da Editora Nuvem de Tinta.
 
Dirigido ao público mais jovem, pela sua abordagem, é igualmente um livro indicado para qualquer faixa etária.  Traz consigo uma mensagem que se quer universal. Aqui, através das aventuras de cinco jovens com vidas totalmente distintas entre si, o leitor descobrirá um conjunto de temáticas pertinentes, todas elas, integradas nas questões da desigualdade.

Enquanto deambulam nas suas bicicletas, estes jovens são confrontados com a dura realidade dos dias atuais, com a desigualdade a imprimir uma força distintiva entre as pessoas cada vez maior, mais cruel e galopante.
 
Desde a empregabilidade, a política, o sistema de saúde, a educação, entre outros temas, o leitor é convidado a refletir sobre cada um, sendo igualmente desafiado a pensar, a criar e a estabelecer um plano de ação.
 
Tem pensado o mundo, ultimamente?
Leia este pequeno livro e desafie-a si mesmo com a questão que se impõe: que poderemos nós fazer?
 
 
Boas leituras e seja feliz,

Mulheres sólidas

quinta-feira, 24 de maio de 2018


Se virmos a realidade, as mulheres são mais sólidas, mais objetivas, mais sensatas. Para nós, são opacas: olhamos para elas, mas não conseguimos entrar lá dentro. Estamos tão empapados de uma visão masculina, que não entendemos. Em contrapartida, para as mulheres nós somos transparentes. O que me preocupa é que, quando a mulher chega ao poder, perde isso tudo.
José Saramago
 
 
 
Para refletir, não me dirá?
Seja feliz,
 

A ilha e os demónios (Carmen Laforet)

quarta-feira, 23 de maio de 2018


Carmen Laforet foi uma conceituada escritora espanhola. Conhecida, sobretudo, pelo seu livro «Nada» (vencedor do Prémio Nadal em 1944), a autora desenvolveu a maioria da sua obra centrada na ditadura de Franco.
 
O livro de hoje, «A Ilha e os Demónios» tem fortes pinceladas autobiográficas. É a história de Marta, uma ilha e os seus demónios. Também Carmen Laforet, aos dois anos de idade, passa a viver em Las Palmas, fruto da condição profissional do seu pai, arquiteto. Além disso, a autora viveu, na infância e sobretudo na adolescência, uma má relação com a sua madrasta. À semelhança, a nossa personagem Marta vive igualmente uma relação tensa com a sua cunhada Pino, mulher azeda com os amores deslocados.
 
Tal como uma ilha, Marta vive apenas rodeada do seu irmão José, a cunhada Pino e Teresa, a sua mãe acamada há muitos anos, na sequência de um acidente de automóvel que lhe levou o pai.
 
São estas as personagens basilares de um livro que decorre lentamente: todos os pormenores, sobretudo os mais penosos, são relatados com a força de um mar revolto, mas sem pressas.
 
O sonho de Marta é abandonar a ilha e conhecer o mundo, outras oportunidades, outra vida menos limitada às descobertas pelas quais tanto anseia. Pelos tumultos da II Guerra Mundial, que não tarda em chegar, e pela insegurança, a visita de três familiares, ditará o acontecimento mais importante para a jovem, a possibilidade de mudar a sua vida. Com a chegada dos parentes, Marta acreditou piamente que a fuga pela qual tanto desejou, estaria cada vez mais perto de chegar.
 
A tia Honesta, irmã do tio Daniel e a esposa deste, Matilde, acompanhados do seu amigo Pablo, um pintor, desembarcam na expectativa da menina. Contudo, nada do que antevira como bom, o foi de facto.
 
José, rapaz que conseguiu alcançar uma boa posição social na vida, vê na visita dos parentes a possibilidade de, finalmente, diminuir o seu tio, mostrando-lhe quem manda agora, literalmente. O rancor de José é, igualmente mas numa outra perspetiva, vivido por Pino, sua esposa: esta é a mulher que ambicionou sonhar com homem rico, que o consegue, mas que será relegada para um segundo plano, sem atenções de jovem casada, sem afetos demonstrados, apenas uma vazio acompanhado de uma casa para governar. Teresa, sempre Teresa, a ocupar-lhe um espaço que é seu.

O ambiente naquela casa, à semelhança do que vivemos um pouco na casa dos familiares de Andrea em «Nada», é sombrio e pesado. José ordena, Pino obedece, Honesta compra atenção e o casal, Daniel e Matilde, vivem à margem.
 
Será no desenrolar desses dias sombrios, cada um com os seus próprio demónios e fraquezas, que Marta tentará aproximação com todos eles, e todos eles sem exceção, a tomarão apenas como uma criança pequena que pensa saber escrever e criar histórias sobre mitologia.
 
Como uma rajada de vento inesperada, Marta travará conhecimento mais profundo com Pablo. Daí nascerá uma amizade, praticamente, unilateral. A jovem deslumbra-se pelo encantamento que a idade de Pablo lhe garante, pelas histórias que conta, pelo passado de viagens e de um amor conturbado com a sua mulher. Marta está apaixonada, mas ainda não o sabe.
 
Será essa mesma paixão, acompanhada do conflito interno que sempre acontece quando confrontados com a realidade dura dos adultos, que Marta crescerá na força do tempo. Torna-se mulher do dia para a noite, os pés parecem enfim assentar num chão que desconhecia, dando-lhe essa fortaleza típica dos que foram desiludidos. Daqueles que, sem querer, viram mais do que o suposto.
 
Na sombra dessa mesma desilusão, Marta será enfim capaz de exorcizar cada um dos seus demónios partindo, pelo seu próprio pé, em busca do que sempre sonhou.
A ilha, essa, será sempre sua.
 
 

Boas leituras. Seja feliz,

A ler Carmen Laforet

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Ilustração de: Hakima Hadouti
 
Carmen Laforet foi uma conceituada escritora espanhola. Conhecida, sobretudo, pelo seu livro «Nada», a autora desenvolveu a maioria da sua obra centrada na ditadura de Franco.
O livro «A Ilha e os Demónios» tem fortes pinceladas autobiográficas, sobre a menina que vive na ilha, inundada de demónios, dos quais tenta fugir. Também Carmen Laforet, aos dois anos de idade, passa a viver em Las Palmas, o mesmo cenário desta minha última leitura.

Boas leituras,

Intimidade (Hanif Kureishi)

terça-feira, 15 de maio de 2018


Gosto de dicionários. Foi assim que descobri, à letra, o significado, aparentemente real, da palavra «intimidade»: qualidade do que é íntimo, essencial ou, tão somente, relações íntimas.
 
O que esperaria, você aí, da palavra intimidade? Hanif Kureishi faz-nos questionar, sem parar, sobre o que é a intimidade: como nasce, como se produz, como se mantém, como a podemos fazer engordar e perpetuar ao longo de todos os dias?
 
O autor atira-nos para dentro de uma casa e põe-nos, assim, a bisbilhotar os pensamentos deste homem, desta personagem principal, que de principal nada tem atendendo ao seu chão, pouco firme, uma carpete de questões profundas sobre uma vida que construiu, quase sem saber como.
 
Hanif Kureishi, com a sua «Intimidade», dá-nos a conhecer uma história penosa, escrita por mão firme e sem comiserações, mostrando-nos essa dicotomia do ser humano, repelida e desejada. O livro fala-nos desse homem que, depois de 6 anos de vida em comum com Susan, dos dois filhos pequenos, decide que está na hora de arrumar a mala e desaparecer. A cru. Sem papas na língua. Quer deixar tudo e aquela noite, em que o leitor o conhece, dita-lhe logo essa vontade inquestionável. Diz ele nunca ter amado Susan. Há uma Nina que, aparentemente, e só aparentemente, lhe mostrou essa sua possível competência. Parece bastar-lhe essa certeza mediada pela incerteza. São coisas.
 
O livro de Kureishi acaba por se revelar um desafio. Odiar o protagonista ou condoer-se com as suas dúvidas? Escolher-lhe a cobardia ou a coragem? Poderá o abandono de uma vida em ruínas, marcada pela rotina, ser visto de apenas um desses ângulos? Tudo por essa busca pouco definida?
 
Voltemos ao dicionário. O segredo está na palavra essencial. A intimidade é a estrada que se atravessa, é a gaveta que se revira ao contrário, é a sapateira que esconde o par do sapato, é tudo isso e mais, numa busca sem tempo a perder pelo que é, realmente, essencial. É todo um esforço de encontro a essa intimidade, que é tudo. Um tudo comparado ao cubo de Rubik: há uma ordem certa, uma cor no lugar certo, uma hora certa em que tudo faz sentido. Assim é a intimidade, uma espécie de jogo perspicaz e malévolo, a empurrar-nos pela incerteza, mas a empurrar-nos.

Terá este homem largado tudo em prol de um amor desconhecido?
Será essa ânsia de intimidade, a verdadeira, a casar fielmente com a cumplicidade, o motor que nos faz desistir dos dias mornos?
Leia e tente responder a si mesmo perante um livro que, mais do que introspetivo, nos provoca as dores de todas as emoções infecundas.
Por cobardia ou por coragem.
 
 

Boas leituras,

Jung disse

segunda-feira, 14 de maio de 2018


Boa semana,

No jardim do ogre (Leila Slimani)

quinta-feira, 3 de maio de 2018

 
 
A autora Leila Slimani granjeou, desde logo, uma atenção global com o seu primeiro livro «Canção doce», uma história centrada numa ama muito particular.
«No jardim do ogre» marca o seu regresso, eu diria, sublime.
 
Se nos concentrarmos no título e na definição, segundo o dicionário, da palavra ogre, que nos refere essa criatura imaginária assustadora, devoradora de seres humanos, rapidamente conseguiremos viver dentro da cabeça de Adéle, personagem principal de uma história narrada em tons muito crus, direta ao ponto.
 
Adéle é uma mulher que tem a vida que a maioria das pessoas deseja e almeja: ela é uma mulher bonita, atraente, trabalha como jornalista, é casada com Richard, homem bom e dedicado, e é mãe de Lucien, ainda pequeno. Apesar de ter tudo para ser feliz, não lhe é suficiente. Há algo que a devora por dentro. Deseja mais, sempre mais, num vazio incompreendido e traduzido por uma compulsão sexual a colocar, diariamente, tudo em causa. Adéle procura, freneticamente, homens com quem possa ter relações sexuais, um ato que lhe parece ser o único capaz de lhe aliviar a dor, o abismo que sempre lhe compra o fascínio. O fascínio da queda.
 
Para muitos, falaríamos então, e comummente, da história de uma ninfomaníaca. Mas vamos aprofundar um pouco a questão: o termo  ninfomaníaca é, na verdade, mal aplicado. Tanto em homens, como em mulheres, existem dois termos distintos para caracterizar esta desordem de foro mental. Se aos homens é o termo «satiríase», para as mulheres falamos, na verdade, de um «comportamento sexual compulsivo». Ambos os termos derivam, de facto, de ninfa e sátiro, figuras da mitologia greco-romana, relacionadas com a sexualidade.
 
Quadro de William-Adolphe Bouguereau "Ninfas e Sátiro"
 
Curiosidades e pormenores à parte, na arte de escrever sobre o acto sexual em si, sobre as relações amorosas em detalhe, há sempre um risco (muito) considerável de cair na vulgaridade. É aqui que enfatizo, de todas as formas possíveis e imaginárias, a capacidade brutal de Leila Slimani para não só não cair na vulgaridade, como também a de nos presentear com frases, inesperadas pelo contexto, que nos arrebatam. Porque são belas, profundas, com sentido.
 
Adéle pertence a essa mancha que vai dos 3 aos 6% da população mundial que sofre com uma desordem mental grave, com consequências devastadoras e, obviamente, previsíveis. São vários os estudos que apontam a falta de afeto, em contexto familiar, como uma das causas mais prementes.
 
Quando revisitamos a história de Adéle, pensamos nos seus pais ausentes, um pouco autocentrados, uma mãe castradora com a crítica, sempre pronta, na ponta da língua. Vai crescendo na sombra do segredo, no receio dos diários lidos pela mãe, e no fascínio do corpo, da entrega, da explosão que procura diariamente, do medo exacerbado, dos pensamentos dos outros:
 
"(...) Os homens vão pensar que é malandra, leviana, fácil. As mulheres vão rotulá-la de predadora, as mais indulgentes dirão que é frágil. Todos estarão enganados."
 
A família, que fica pendente.  Lucien rouba-lhe tempo: "Lucien é um peso, um fardo a que ela tem dificuldade em se habituar." O corpo do marido, Richard, nada lhe diz e desperta. Há um descontentamento global mas a certeza, ainda assim, que acabaria morta sem eles.
 
A descoberta de Richard não lhe causa pânico, antes um alívio que lhe assegurou a melhor noite de sono que alguma vez tivera. Há, enfim, a redenção a si mesma, o conhecimento desse ogre que a devora, sem compreensão à mão:
 
"Ela tentava explicar-lhe o desejo insaciável, a pulsão impossível de conter, a aflição por não lhe conseguir pôr fim."
 
Richard e o seu amor devoto pensam o mesmo, pensam que a história ainda não acabou, mas com um desfecho em que Adéle volta, por inteiro, para casa. Para ele. Para Lucien.
Num término em aberto, Leila Slimani, responsabiliza-nos a pensar e repensar nas possibilidades infinitas daquela mulher, daquele marido, daquele menino.
Se pudesse escolher, como terminaria Adéle?
Continuo a pensar.
 
Leia. Leia, por favor.
 
 
Com o estimado apoio:
 
 
 
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Nota:
Deixo como sugestão, e recomendação, o filme de Lars von Trier, «Ninfomaníaca», numa tentativa de melhor se compreender esta desordem e o sofrimento inerente.
 
 
 

 
 
Boas leituras,
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