O meu desafio literário 2017

sábado, 31 de dezembro de 2016


Ter medo de livros é coisa que me assiste. Muitas vezes.
«Em Busca do Tempo Perdido» sempre foi um desses (peculiares) casos.
Pois que seja agora. Vamos ler Proust!
 
Desta vez ousei criar dois projetos porque há muito que tenho seis livros em específico a ganhar raízes na estante. Não me perguntem porquê que não os leio. Não sei. Passo por eles e penso "Amanhã?".
E desafiando-me a coisa funciona? Algo que me diz que sim.
A complexidade humana tem destas coisas (risos).
 
 
«Os Seis a Ler(-te)» irão aparecer por cá, de surpresa, ao longo do ano. 
 
 
Vamos ler.
Boas leituras!

Os Memoráveis de 2016

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Eis chegado o momento da retrospetiva literária.
Este ano são 15 os livros que se tornaram memoráveis:
 
 
 

Bons momentos e muitos, muitos livros.
 

Ler(-te) em Português de Dezembro


Comecei o meu desafio literário de 2016 com Eça de Queirós e fecho precisamente da mesma forma, desta vez, com a obra «A Relíquia».
Se me falavam da dimensão grotesca, digamos assim, da personagem principal - Teodorico - fiquei ainda mais perplexa depois desta leitura. Que. personagem. esta.
Confirma-se, mais uma vez, a crítica acutilante de Eça, desta feita à religião e à fé de um modo que não deixa de ser cómico, permitindo-nos, entre reflexões, uma ou outra gargalhada perante cenas verdadeiramente hilariantes.
Esta é, simplesmente, a história de um sobrinho que, sob a influência de um mau amigo, se centra em encontrar todas as formas para, subtilmente (ou não?), ficar com a herança da sua devota tia.
Serão muitas as peripécias que rondarão Teodorico e, caro leitor, não querendo desvendar demais sobre uma história que merece destaque em primeira mão, permita-me apenas dizer que nada correrá bem a um rapaz de coração pequeno, plantado em lugar errado e, sempre, por mais que se tente endireitar, jamais o conseguirá. Dualidade, diriam muitos.
 
Não poderia ter terminado este desafio literário a que me auto propus da melhor da maneira. Percebo agora que Eça de Queirós é sempre surpresa garantida, valendo cada minuto do nosso (sempre precioso) tempo.
 
Boas leituras!
 
 
Chega ao fim o desafio «Ler(-te) em Português»!
Agora, tenho a certeza que muitos mais clássicos portugueses aparecerão por aqui!
 
Boas leituras.
 
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Poderão ler mais informações sobre este desafio pessoal, aqui
 
Ler(-te) em Português de Janeiro, aqui
Ler(-te) em Português de Fevereiro, aqui 
Ler(-te) em Português de Março, aqui
Ler(-te) em Português de Abril, aqui
Ler(-te) em Português de Maio, aqui
Ler(-te) em Português de Junho, aqui
Ler(-te) em Português de Julho, aqui
Ler(-te) em Português de Agosto, aqui
Ler(-te) em Português de Setembro, aqui
Ler(-te) em Português de Outubro, aqui
Ler(-te) em Português de Novembro, aqui
 

Numa casca de noz (Ian McEwan)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016


O mais recente livro de Ian McEwan retrata uma história aparentemente muito banal nos dias que correm, contudo, a forma como nos chega, a forma como é narrada, marca pela diferença e permite, paralelamente, uma reflexão muito mais aprimorada sobre a temática da traição e a descrença no ser humano.
 
Esta é a história de uma mulher que, amante do cunhado, decide que quer matar o marido. Juntamente com o amante, arquitetam assim o plano perfeito para tal. Já diziam os mais antigos que crime perfeito é coisa que não existe e, no presente, não poderíamos estar mais de acordo.
 
Quem nos faz chegar todas as novidades deste casal tão obsceno é o bebé que a mulher carrega na barriga. E é esta a parte que pretendo frisar: o autor criou um narrador impossível de não nos apaixonarmos por ele a cada página que se vire. Um nascituro culto, inteligente, com uma audição para lá do sublime, consciente das amarguras humanas, consciente, acima de tudo, dos amores e desamores que comandam o mundo.
 
Ele quer garantir um lugar no mundo. Quer ser amado. Teme a ausência da atenção tão certa ainda antes de nascer e, honra seja feita ao autor, a forma como tudo é narrado ao longo de uma história tão fria e despojada de amor, permite ao leitor cair na mais profunda consciência e no confronto, tão hostil, com a mesquinhez que um ser humano é capaz.
 
Por esse confronto, pela limpeza da escrita e pela forma como atinge pontos verdadeiramente cruciais à inteligência emocional de cada um, eu recomendo amplamente este pequeno livro.
Pequeno como um bebé, grande como uma promessa.
 
Boas leituras!

A Improbabilidade do Amor (Hannah Rothschild)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016


Este livro foi uma verdadeira surpresa. Digo isto porque, na verdade, as minhas expectativas eram nulas. Confesso, até, algum ceticismo aquando da leitura e explico porquê:
 
"Para quem anseia por uma irresistível mistura de arte e intriga ao jeito de O PINTASSILGO, de DONNA TARTT, este romance vai saciar-vos completamente."
Library Journal
 
Não aprecio quando fazem este tipo de comparações. Eu admiro, a roçar o patológico, o trabalho da Donna Tartt pelo que, conseguem compreender, o meu ar de intriga perante este livro de Hannah Rothchild. (risos)
 
 
A verdade é que, na minha opinião, este livro não se pode comparar ao género ímpar da Donna Tartt, no entanto, estamos também perante um livro muito bonito e que aborda temáticas singulares, interligando tanta coisa ao mesmo tempo que não posso, de todo, deixar de o recomendar.
 
O livro de Hannah Rothschild fala de amor, fala de arte e fala da improbabilidade que cada pessoa tem dentro de si mesma. Eu pelo menos perceciono dessa forma. Cada pessoa, tal como uma obra de arte, pode despertar em si mesma, e pelos outros, o melhor ou o pior de si mesma. A autora faz isso, aliando o poder da arte, bem como o seu mundo obscuro e outros que tais, de uma forma exemplar.
 
Não vou contar tudo porque a história que a autora pretende desvendar, cheia de mistério até ao fim, merece ser descoberta em primeira mão. Asseguro-vos, sim, que vale a pena as pouco mais de 500 páginas para tal. Há cultura, há História e encantamento, asseguro.
 
«A Improbabilidade do Amor» é muito mais do que um quadro perdido numa loja de antiguidades que, por mera coincidência, foi parar às mãos de Annie. É a história paralela do mundo mágico da arte e o quanto, se quisermos, pode ser transferida à nossa vida, acreditando e tal como citado acima: "dando provas."
 
Gostei e recomendo.
Boas leituras.


Rir!

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

 
 
Rir é viver profundamente.
Milan Kundera

 

Espírito Natalício

domingo, 18 de dezembro de 2016

 
:)



Sítios inesperados

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

 


 
"- Uma das coisas boas de nos apaixonarmos - comentou Larissa - é que ficamos abertos e vulneráveis; acabamos em sítios inesperados."
 
In "A Improbabilidade do Amor" | Hannah Rothschild

A Indignação

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

 
Os pensamentos profundos, e altamente indignados, do meu Principezinho de 3 anos.

 

Um, ninguém e cem mil (Luigi Pirandello)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Este livro é absolutamente espetacular. Tenho de começar, desde logo, a dizer as melhores coisas de Luigi Pirandello e deste «Um, ninguém e cem mil», ainda antes de me debruçar sobre a história propriamente dita. Que livro espetacular e singular.
Dos melhores livros que li este ano, sem sombra de qualquer dúvida.
 
Por exemplo, eu acho uma determinada pessoa burra como um cepo. Limitada. Estúpida. Arrogante e com o coração plantado no lado errado. Por outro lado, essa mesma pessoa considera-se a melhor do mundo, com tudo no sítio, psicológica e fisicamente.
Conseguem entender onde quero chegar? Parece básico, não?
 
Mas a questão da consciência, da perceção do outro, individual e social, imposta por Pirandello, neste livro, assume tal dimensão, quase paranoica (ou mesmo?), que o leitor quase resvala também no risco de assumir uma nova personalidade, diria, a dar para o esquizoide (risos).
 
Este livro, desculpem o meu entusiasmo e risco de exaltações repetidas, é genial nesse sentido (e muitos outros). A perceção, e a irrelevância que o autor incute na consciência afinal, é tão magistralmente evidenciada que é impossível não nos rendermos e, quase, nos ajoelharmos perante um dos melhores livros do mundo.
 
Um homem, depois de contemplar o seu nariz e perceber, através da perceção da própria mulher, que aquele pende um pouco para a direita, cai numa reflexão profunda sobre os olhares dos outros quanto à sua própria pessoa sendo, então e afinal, não apenas uma pessoa, mas um ninguém ou cem mil, face às inúmeras perceções de quem consigo cruza.
 
Um dos exemplos dados pelo autor incide numa passagem em que uma das personagens recebe alguém na sua sala e, mais tarde, surge outro convidado. A necessidade de se livrar do primeiro impera não pelo trabalho de ter duas pessoas no mesmo espaço mas, antes, pela transformação do Eu em várias mediante os olhos ali expostos. O próprio personagem esmiuçava esses Eus, do género: eu como me vejo, o eu como ela me vê, o eu como ele me vê e o eu como acredito que ele me vê.
 
Porque, na verdade, nós somos uma espécie de matrioskas. Dentro escondemos segredos e facetas, tão diferentes umas das outras. E esses outros acabam, indelevelmente, por se transformarem em espelhos inoportunos. Cada um reflete pedaços de nós quando, nem sempre, seria suposto.
 
Às páginas tantas, os cem mil transformam-se em muitos mais e, caro leitor, ou mantém a sua serenidade ou correrá, mesmo, um enorme risco de se perder em si mesmo.
 
Um livro soberbo que nos provoca, forçosamente, inúmeras e ricas reflexões sobre o que fazemos, quem somos para nós, para os outros e, acima de tudo, a relevância que essas perceções assumem para a nossa (in)felicidade.
 
Comece já a ler.
Boas leituras.
 

Ler(-te) em Português de Dezembro

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Gostei tanto deste desafio a que me propus. Com ele li obras que tenho, quase a certeza, não iria ler de outra forma. Não me perguntem porquê. Sei, no entanto, que agora, estou felicíssima por estar muito mais envolvida na literatura portuguesa e não ficarei por aqui.
Desta forma e numa espécie de círculo, tal como comecei, irei encerrar este «Ler(-te) em Português» com Eça de Queirós, o autor incontornável por todos os motivos e mais alguns.
«A Relíquia» será a obra escolhida pois foram inúmeras as vezes que me falaram nela, cheia de bons comentários. Vamos ler!
 
Obrigada a todos os que acompanharam o desafio e foram comentando, especialmente, a querida Beatriz com as suas apreciadas e sempre pertinentes notas e o Carlos Faria do blogue Geocrusoe (visitem que vale a pena!).
 
Até já!

Convicções

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016


"Eu não preciso de me preocupar com a escola.
Ora essa. Então, porquê?
Porque vou ser rico como o Cristiano Ronaldo." 
 
Conversas superinteressantes com um menino de 8 anos.

 

O Barão de Lavos (Abel Botelho)

sábado, 3 de dezembro de 2016


Esta opinião já vem um pouco atrasada. O livro «O Barão de Lavos», de Abel Botelho, foi a minha escolha para o desafio do «Ler(-te) em Português do mês de Novembro e a verdade é que estamos perante um livro muito delicado. Eu diria, nada fácil.
 
Integrado na trilogia «Patologia Social», este livro retrata o tema da homossexualidade e a pedofilia tendo, inclusive, para alguns, o mérito de ser a primeira obra a retratar aqueles temas.
 
Talvez por esse motivo não seja um livro fácil de interiorizar. Pelo menos comigo não foi.
 
É a história de um homem, D. Sebastião, mais conhecido pelo Barão de Lavos, casado com a Baronesa Elvira que, desde que se conhece, tem uma queda nada subtil por rapazes jovens.
 
Nesse caminho conhece um rapaz de 15 anos Eugénio e estão assim as linhas criadas para imaginarem o que se seguirá. Contudo, temos o efeito surpresa de um Eugénio esperto e interesseiro que a par com a paixão assolapada a inconsciente do Barão, aproveita o à vontade daquele e as suas visitas regulares a casa para alimentar a paixão que despertará, também, à própria Elvira.
 
Que drama, diriam. Eu concordo.
 
Gostei particularmente do pormenor do autor em frisar o interesse da Elvira pela leitura de «Madame Bovary», pois mais do que a paixão homossexual, este livro exulta o adultério nas suas diferentes facetas e a dor, igualmente multifacetada, que imprime a cada um.
 
Quando o Barão descobre a traição do jovem e da sua própria mulher, jamais se conseguirá recompor. Mais amores estarão por surgir, no entanto, acreditem, que mal fadados também.
 
Uma história pesada, eu diria, mas que ainda assim não deixa de nos obrigar a refletir num conjunto de valores, que à data da publicação do livro, hoje em dia, continuam urgentes nesse sentido.
 
Por aí recomendo vivamente a leitura. Como experiência pessoal, nunca é fácil sermos confrontados com a mesquinhez de sentimentos que nos levam para tão longe do suposto...
 
Boas leituras.
 
 
E agora, venha o último desafio! :)

A Vegetariana (Han Kang)

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Há livros que nos chegam às mãos envoltos num burburinho. Foi assim com esta vegetariana.
Apesar de não gostar de me aventurar neste tipo de euforia em torno de um livro, pois por norma o entusiasmo me sai defraudado, desta vez, porém, fui verdadeiramente surpreendida. Que livro.
 
Esta é a história de uma mulher aparentemente simples e que, pela sua simplicidade, despertou a curiosidade e a maior fúria por, um dia, decidir que se tornaria vegetariana. Essa fúria, despoletada maioritariamente por um marido caprichoso, autoritário e metódico, seria justificada pela imprevisibilidade adornada aos dias tão certos que a mulher, calada e submissa, lhe garantia.
 
«Foi um sonho».
 
O sonho de Yeong-hye, incompreensível a todos, despoletou nela a repulsa da carne, a que poderia vir a comer e a que ainda circularia no seu corpo. Entraria assim num verdadeiro vórtice de autodestruição, porém, certa de alcançar a pureza, dissolvendo-se em si mesma através do sol, da água, das flores ... das árvores.
 
Este livro de Han Kang, bem mais do que uma eventual sensibilização ao vegetarianismo, é uma gritante nota ao sofrimento mudo e às consequências daquele.
Esta mulher aprendeu a silenciar. Viveu na sombra de uma família austera, sendo a filha menos protegida pela lei do que era esperado, por ser mais nova, por ser mulher. Aguentou, calou, casou e fez imperar as regras que lhe eram esperadas. Exemplarmente.
 
Mas e o corpo? O corpo, esse, não superou o eclodir de emoções há muito guardadas que, por sua vez, ganharam peso pelo poder dos sonhos.
 
Esquizofrenia? Anorexia nervosa? Cansaço ou somente rebeldia?
E então, eu sublinharia mais uma vez o poder do coração sobre um corpo, resignado. Cansado pelo tempo, pela iludida resiliência, decide um dia que pode mandar. E essa autoridade sobre si mesma tem no meio a esperança de se transformar numa árvore.
 
As árvores carregam a certeza da mudança e é essa que, secretamente, todos nós auspiciamos.
Leve-nos lá onde levar...mas que leve.
 
 
 
Gostei muito e, obviamente, só posso recomendar.
Boas leituras.

Sonhos

sábado, 26 de novembro de 2016


 "Adorava viver dentro de um tablet."
 
Um menino. 8 anos.

O Diário Secreto de Laura Palmer (Jennifer Lynch)

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Este livro surgiu na sequência da célebre série «Twin Peaks», um dos grandes sucessos televisivos dos anos 90, criada por Mark Frost e David Lynch.
«Quem matou Laura Palmer?» tornou-se, certamente, na questão mais mediática na altura, e precisamente pela pressão em torno da mesma, a série acabaria cancelada na 2ª temporada, após desvendarem o assassino (tão previsível) da Laura.

 


O enredo centra-se no assassinato de uma jovem miúda, Laura Palmer, tida naquela pacata vila, como exemplar e modelo a seguir. A Laura é boa aluna, é cordial, é bonita e boa filha.
 
Após o assassinato é encontrado, então, um diário secreto. Porquê secreto? Diriam, vocês, que todos os diários são secretos. E eu dar-vos-ia toda a razão. Acontece, porém, que a nossa pequena Laura tinha dois diários, um bem mais secreto do que outro. O primeiro tinha a intenção clara de ser revelado ao mundo numa tentativa de manter a aparência da menina perfeita, salvaguardando a imagem que sempre tentou semear. O segundo, o derradeiro diário secreto, mostrava um lado sombrio e altamente patológico de uma púbere em queda livre.
 
«O Diário Secreto de Laura Palmer», livro escrito por Jennifer Lynch, filha de David Lynch, um dos criadores da série, retrata o lado sombrio da adolescência, o deslocamento, a busca incessante da identidade e o abuso sexual.
 
Laura esconde em si segredos impensáveis a uma púbere de 12 anos. Aliado a isso, revela uma maturidade anormal, eventualmente, com base em experiências que a própria decide aniquilar de si mesma, deslocando-se da realidade e alojando-se em pensamentos cada vez mais delirantes. Essas experiências são fruto do abuso sexual de que é vítima, nunca descrito frontalmente, sempre num limiar entre a realidade e a fantasia.
 
Aliado a essa instabilidade emocional da jovem, o acesso a drogas, que culmina num grave transtorno relacionado a substâncias, aprofunda ainda mais os delírios de Laura, muitas vezes, não sabendo com certezas plenas onde esteve, com quem esteve, o que fez, se dormiu, se sonhou, se escreveu.
 
O presente livro destaca assim a vida de um adolescente, vítima de abuso sexual, que na sequência disso mesmo tem de lidar com as suas próprias compulsões sexuais como forma de atenuar uma culpa auto-infligida.
 
Essa culpa percorre todas as entradas do diário secreto de Laura, até completar 16 anos de idade. Considerando-se suja, despojada de qualquer valor, a Laura sabota qualquer oportunidade de ser feliz e valorizada, havendo aqui uma clara definição de comportamentos típicos de uma vítima de abuso sexual.
 
Típico é também o padrão do abusador. Se eventualmente é daquelas pessoas que não quer saber, por algum motivo, pare de ler agora.
Foi o pai quem matou Laura Palmer e para quem lê este livro, logo nas primeiras páginas, consegue descobrir isso mesmo, pelo toque ligeiro que a autora impõe na personagem para, desde logo, o fazer desaparecer de cena.
 
Também é assim com os abusadores sexuais na vida real. Como fantasmas. Andam por ali mas não se deixam, realmente, ver. A Laura sempre o sentiu por perto mas a forma de o materializar, essa, é deveras difícil para uma miúda de 12 anos.
 
As consequências de um abuso e, sobretudo, a culpa que a vítima carrega em si mesma, está exemplarmente bem descrita ao longo do livro de Jennifer Lynch. Através de simples entradas no seu diário, conhecemos uma Laura, entre muitas, cuja infância é ceifada por um BOB, entre muitos.
 
Uma história perturbadora mas, ainda assim, a merecer destaque pela temática urgente que encerra.
Recomendo.

LOP#3 A Paixão

terça-feira, 22 de novembro de 2016


 A Paixão

Sempre que se fala em paixão, assumimos a atração e a sexualidade na sua mais pura forma. Quando falamos em amor assumimos, num pudor estranho, a calma, a serenidade, o último estádio que o casal atinge, vitorioso, mas infalivelmente, cansado.
 
"A paixão, essa, com o tempo, obviamente, já não é a mesma coisa."
Citação
 
Eu não concordo.
Para mim a paixão é a forma primária de um amor que vai crescer. Se com o tempo, vai desaparecendo, como algo tão óbvio e assumido, aquele está condenado desde logo.
A paixão não é, nem pode ser, um estádio.
A paixão é, e tem de ser, uma permanência. Não é algo que apenas se atinge, como uma corrida, para descansarmos de seguida, no conforto de um sofá velho. Isso não vale.
 
"Gosto da ideia de o conhecer e me poder apaixonar, de me encantar com as suas pequenas coisas, desde o sotaque nortenho, ao sorriso fácil e bonito, (...)"  
Citação
 
A paixão é um contrato sem termo.
Não falo apenas na resolução dos corpos. A paixão é, creio eu, esse intermédio. É um caminho.
O bom não é chegar, é ir chegando.
Acredito que nessa perspetiva a paixão não morre. No fim do caminho ela renova-se porque, afinal, nessas coisas de amores e desamores, fim de caminho é coisa que não lhe assiste.

 


O meu amante de domingo (Alexandra Lucas Coelho)

domingo, 20 de novembro de 2016


Amo-te tanto que tenho de te partir o focinho.
Quem é que na vida não foi acometido pela paixoneta que traz com ela, em saldos de 90%, tendências altamente assassinas?
Juntem a isso a traição, nas suas mais variadas formas, e temos aqui um amante de domingo em muito maus lençóis.
 
Esta é a história simples de uma mulher, apaixonada (ela diz que não) por um homem mais novo que, após descobrir as suas intenções distorcidas para com ela, decide que a sua vida só retomará o seu sentido e a ordem natural, após matar o filho da puta.
 
A escrita de Alexandra Lucas Coelho é absurdamente espetacular. É direta, incisiva e os palavrões, altamente terapêuticos, são a cereja em cima de um bolo que desde logo cresceu torto. Muito bom!
 
Pensamos, com este livro despido de etiqueta, no quanto o amor comanda a nossa vida. Mas neste caso, pensamos mais ainda em como a sua falta nos comanda e ativa as entranhas. A fúria. O desejo distorcido de um apelo desesperado por atenção, por redenção.
 
Não te vou matar porque não me amaste.
Vou matar-te porque me amaste mal.
 
O que ativa essa vontade tão legítima de matar passa, precisamente, por aí. Se é para amar mal, nem te dignes a aparecer.
Tenho a certeza que foi este o pensamento de uma mulher de cinquenta anos, sem grande paciência, com pouco abono de tempo e que, em si, guardou esperanças que nunca ousou, sequer, reconhecer.
 
Pela frontalidade, pela estreiteza das palavras, pelos palavrões bem colocados, pelo tema e pela personagem inesquecível, recomendo este livro com as duas mãos.
 
 
Muito, muito, muito bom!
Boas leituras.

Prantos, amores e outros desvarios (Teolinda Gersão)

quinta-feira, 17 de novembro de 2016


Pensem no sapatinho da Cinderela. As voltas que deu para encontrar o par certo, a Cinderela certa. O fim esperado.
Os contos de Teolinda Gersão são assim: um caminho tão certo, delineado pela esperança das personagens que tão bem fez nascer e colocou, com perícia cirúrgica, nos recantos mais convenientes.
Estou verdadeiramente deslumbrada com a escrita nua e bela desta mulher.
Ela conta verdades, conta a vida - como alguém disse - e ainda assim, emprega-lhe um encantamento que nos faz refletir para lá do possível e conjeturar mais do que ali se diz, numa espécie de conto de fadas.
 
Os contos de Teolinda Gersão são um pequeno mapa da vida das pessoas comuns. De todos nós. De mulheres que amaram demais para, depois, perceberem que afinal não foi tanto assim. De homens que julgaram não precisar de amor para, depois, perceberem que afinal não era bem assim, ansiando mudar um destino oncológico fatal como a merda.
 
Há fatalidade, há sensibilidade, há vida em tudo o que diz. Há paredes que se fecham pela pressa de um tempo que não perdoa. Há sonhos que apenas prometem e janelas que apenas mostram mais paredes, sem fim.
 
Há mães. Há filhos. Há crianças. Fé desmedida e distorcida.
E há esse país das maravilhas com Alices perdidas na sua própria história.
 
Teolinda Gersão, nesta que é a minha estreia com a autora, conquistou-me fatalmente pela escrita limpa e por contos que, aparentemente soltos, se ligam fielmente nessa trajetória de quem se atreveu a viver com o coração na garganta.
 
 
Um dos melhores livros de contos que já li.
Recomendo muito.
 
Obrigada Joana :)
 

Há Penguin no correio!

terça-feira, 15 de novembro de 2016


A minha caixa de correio é tão mais bonita quando se encontram por lá meninos assim.
«O Livro das Coisas Boas» (lindo!) é uma ótima escolha para aqueles que gostam de anotar cada detalhe da vida de uma forma muito personalizada e original. Para mim, com toda a certeza. 😉
«Histórias Inesquecíveis», projeto idealizado por Alessandro Baricco, apresenta algumas das mais emblemáticas histórias da literatura universal, recontadas no intuito de transmitir, aos mais pequenos, uma herança imperdível. 🐾
 
O meu enorme obrigada à Penguin Random House pela fantástica oferta
 
 

A ler Teolinda Gersão

segunda-feira, 14 de novembro de 2016


Soppy (Philippa Rice)

domingo, 13 de novembro de 2016

 
Todas as histórias de amor têm um encanto muito particular.
Esta não é diferente.
 
Uma linda, linda história de amor.
 
Boas leituras!
 

Homens imprudentemente poéticos (Valter Hugo Mãe)

quinta-feira, 10 de novembro de 2016


Precisei de tempo para, depois de ler este livro, refletir sobre ele, voltar a ele e, só depois, decidir-me a escrever meia dúzia de palavras.
Não há muito a dizer.
 
A escrita de Valter Hugo Mãe parece uma criança, tendo ele Mãe no próprio nome para me convencer ainda mais do que digo, pois esta criança cresce desmedidamente a cada livro que nasce. Há poesia e uma ímpar beleza em tudo o que faz. Se vai ler um livro de VHM saberá, com toda a certeza, que se deslumbrará pela sensibilidade de uma escrita que não encontra, assim, como quem procura debaixo de uma pedra. Numa floresta por aí.
 
Curiosamente, tudo aqui acontece numa floresta no Japão que vê em si mesma a inimizade de dois vizinhos (um artesão e um oleiro) que, sem saberem muito bem os motivos, a alimentam com fogos de vista. Nada mais tendo à mão, alimentam o vazio da saudade pela certeza da intriga e do mal em medida certa.
 
O que une então estas duas pessoas é tão, simplesmente, um amor desmedido. Não entre eles, não. Mas pelas suas mulheres distintas. E pelo reflexo que a saudade alheia lhes comove, lhes zanga e revolve ainda mais a incapacidade de agir.
 
Se tentasse definir eu diria que o novo livro de Valter Hugo Mãe é um vislumbre de mecanismo de defesa dos que amam demais. Como disse, uma mera tentativa.
 
Não deixe de ler. E tente você mesmo.
Boas leituras.
 

Manual para mulheres de limpeza (Lucia Berlin)

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Em primeiro lugar, deixem-me destacar o artigo de Isabel Lucas, do Público,  sobre a autora e o livro, que merece leitura dedicada.
Não poderia concordar mais com aquelas declarações de Lydia Davis quando fala em saber "usar o cérebro" e, acima de tudo", pormo-nos a sentir os "batimentos cardíacos".
 
Os contos de Lucia Berlin, através de uma suposta escrita despretensiosa, têm lições inequívocas a serem transmitidas. E a autora transmite essas lições com o chamado "estalo de luva branca": quando dão por ela, interiorizam uma série de ensinamentos que ferem, que pesam e que ficam. Quer se queira, quer não.
 
Leitura empática? Pois que seja. Talvez seja mesmo isso que Lucia nos faz estando, ao mesmo tempo, a lixar-se se o consegue ou não. Precisamente por essa ausência de intenção é que nos agarra.
 
Temáticas como o alcoolismo, que a própria viveu, mãe com o coração pesado mas ausente, relações problemáticas desta com o seu próprio pai, entre tantos outros temas repletos de gentes amarguradas e que, dentro, escondem segredos, enchem folhas e folhas para desvendar com puro deleite.

Foi assim que me senti ao ler os diversos contos de Lucia Berlin. Pensem numa jornada. Na vida que vai narrando dessa forma que vos falava acima: despretensiosamente mas com o coração inflamado na certeza de quem sabe o que diz. E como sabe.

Boas leituras.
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