Os memoráveis de 2018

domingo, 23 de dezembro de 2018



Hoje partilho consigo os meus livros memoráveis de 2018.
 
 
Seja feliz,

O leitor do comboio (Jean-Paul Didierlaurent)

domingo, 16 de dezembro de 2018


Sem rodeios lhe digo que não gostei de ler este livro. Este é um daqueles clássicos casos em que o tema é interessante, o enredo promissor mas o resultado infeliz.
A história é centrada em Guylain Vignolles, um homem solteiro, solitário, conhecido pelas leituras que faz em voz alta nas suas viagens de comboio, todas as manhãs, enquanto se dirige a um trabalho que o repugna. A Coisa é o nome que atribui à máquina com a qual tem de trabalhar e que se dedica, nada mais nada menos, à destruição de livros. Como uma espécie de reivindicação, o homem arranca algumas folhas de livros aleatórios e lê, sem preâmbulos, a todas as pessoas do comboio. A manhã de cada dia.
 
Um dos aspectos que mais me desagradou passa precisamente pela mudança radical de trajetória do livro. O tema principal, na minha opinião, é totalmente desviado. Permita-me a comparação à mudança de linha de comboio sem se dar conta. Quando dá por si, está bem longo do ponto inicial.
 
Um dia Guylian Vignolles encontra uma pen drive perdida num dos assentos do comboio. Ao chegar a casa, percebe que tem em sua posse o diário de uma jovem mulher. Lembra-se de lhe ter falado na mudança drástica de trajetória de tema? Pois bem, a culpa é dessa pen. A culpa talvez seja dessa mulher que lhe fez perder o norte, para o encontrar mais tarde nas leituras partilhadas no comboio.
 
Quando me debrucei sobre esta leitura, ao alegarem esse amor aos livros, pensei que estaria de facto centrada na leitura de um personagem atormentado que via no amor aos livros a sua espécie de redenção. Caro leitor, não se iluda. Este livro não passa pela temática dos livros (talvez metaforicamente), muito menos ao amor pela literatura como a certeza de não estarmos sós. Não. Este é um romance, delineado pobremente, que nos desvia, nos desorienta para, no fim, nos depararmos apenas e só com mais um final feliz de um homem e de uma mulher que (também precariamente) se apaixonam.
 
Se é um leitor exigente, vai zangar-se um bocadinho.
Acontece, não me dirá?
 
 
 
 
Seja feliz,

Ler(-te) em Português | 2ª edição

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

 

 
 
O «Ler(-te) em Português» vai voltar em 2019.
Um clássico dos nossos, a cada mês.
 
 
 
Vamos ler em português.
 
 
Seja feliz,

Clarice

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

"Já era amor antes de ser."




Clarice Lispector
10 de Dezembro de 1920
 

A vida em surdina (David Lodge)

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018


«A vida em surdina», de David Lodge, traz-nos a história de Desmond, professor universitário reformado, na sequência da sua progressiva surdez. Esta será, assim, a história de um homem incapaz de reverter os sinais da sua limitação, inesperada na sua idade.
 
São muitas as vezes em que nos dizem que a surdez é cómica, a cegueira é trágica. É um pouco nesta base que seguem os desabafos deste (hilariante!) personagem.
 
Numa fase da sua vida em que acredita ainda ter muito para dar, vê-se resignado aos dias reformados comparativamente à vida profissional da sua mulher, cada vez mais promissora.
 
O confronto consigo mesmo é inevitável. Pensamentos deprimidos. A saudade de um tempo antigo. O confronto com o seu pai, também ele com problemas de surdez mas que, segundo Desmond, lhe são legítimos. Assim ditam os 80 anos e a validade de qualquer doença.
 
Será uma jovem estudante, na universidade onde lecionava e onde ainda se dirige várias vezes, que agitará os dias mornos de Desmond. Quando lhe propõe que seja o seu orientador na tese de doutoramento sobre as particularidades das notas de suicídio, o nosso personagem vê na proposta uma janela que se abre. Uma novidade que poderá agitar a vida pacata, monótona que agora vive.

O que não sabia ele é que a jovem estudante surge envolta em mistérios, mentiras gratuitas e curiosidades que viciam. Desmond ver-se-á envolvido numa teia próxima da novela das cinco, sem no entanto, ter o fim à vista.

«A vida em surdina», apesar de retratar um tema que à partida nos inspira compaixão e uma certa tristeza, é um livro verdadeiramente hilariante. Não consigo encontrar palavra que melhor o defina. Desmond é inesquecível pela agilidade do seu pensamento, que não para, dos seus desabafos, que nos fazem rir e a globalidade de questões que nos oferece para refletir. Falamos nas limitações físicas que tantas vezes fazemos questão de pensar que só acontecem aos outros e, depois, as limitações dos corações antigos: que têm vícios, lembranças, memórias que condicionam.

Dizem que é a vida em surdina.
Gostei muito, muito!
 
 
 
 
Seja feliz,

O grande retrato (Dino Buzzatti)

quinta-feira, 29 de novembro de 2018


J. M.Coetzee, sobre «O grande retrato» disse "Uma estranha e inesquecível novela, um clássico singular". A singularidade de Dino Buzzati, acredito, é uma marca evidente em todas as obras e, inclusivamente, nos seus contos. Que eu adoro. Adoro. Adoro.
 
Em «O grande retrato», o leitor é convidado a entrar num mundo completamente novo, bem ao jeito do «Admirável Mundo Novo», para nele encontrarmos novas ambições, sonhos desmedidos e objetivos deturpados, tudo envolto no grande tema da feminilidade.
 
O Professor Ermanno Ismani (acompanhado pela sua mulher, Elisa) é convidado a integrar uma equipa na chamada Zona Militar 36 para, aí, ser parte da equipa de um projeto científico, altamente secreto. Para tal, o isolamento é uma das condições, um pequeno preço a pagar para quem integra uma equipa de trabalho com as mentes mais promissoras do país.
 
Ao longo do tempo, o leitor entra numa espiral de novidades, pautadas por uma curiosidade esfomeada, traduzida em inúmeras questões do professor sem, no entanto, se ver saciado com respostas de digestão lenta. Vai mastigando respostas breves, soltas, que o deixam cada vez mais assustado, e talvez, arrependido de uma missão tão desconhecida.
 
A equipa é liderada pelo carismático, e misterioso, Professor Endriade. Lembra-se de lhe contar que a feminilidade é o tema basilar deste pequeno livro?
Pois então agora leia com atenção: Endriade perdeu a sua mulher, Laura, num acidente de aviação. Dizem que o amor desenfreado é capaz de tudo, até de lutar contra a própria vida, numa troca audaz, por algo mais eterno. Uma máquina talvez? Um grande retrato do que se foi, para todo o sempre?
 
Vou deixá-lo assim, com o mistério em mãos, na esperança de que a curiosidade - tão presente em toda a história - o faça, tal como eu, ler as páginas sem parar na expectativa de responder a uma questão: poderá o amor ser construído como casas, prédios e outros que tais?
 
 
Vale a pena ler, para descobrir.
No final, poderá até vir aqui reclamar comigo. Talvez seja um cliché dos corações partidos mas, ainda assim, a reflexão que daqui advém é muito pertinente. Não poderia terminar sem uma nova questão, que lhe prometo ser a última: poderemos nós construir, de raiz, um amor findo?
 
Vá, vá ler. Depois conte-me tudo.
Se faz favor.
 
 

Seja feliz,
 

Educação não tem idade

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Serei apenas eu a não ter qualquer compaixão, nem simpatia, por um idoso que me passe à frente numa fila de supermercado, sem antes pedir?
Vamos lá colocar a questão como deve ser: se um idoso, ou outra pessoa qualquer, sem qualquer limitação física ou psicológica, nos pede para passar à frente, o que faz você? Certamente que lhe acata o pedido. Contudo, uma coisa que não suporto são, velhos ou novos, que me passam à frente e só depois dos produtos expostos na caixa me dizem, com um ar ensonado de culpa e falsidade: "Oh! Passei à sua frente?"
[silêncio - é a minha arma desde que nasci]
 
Não há paciência.
Seja novo, seja velho, convenhamos, educação não tem idade.
 
 
 
Seja feliz,

Esta História (Alessandro Baricco)

terça-feira, 27 de novembro de 2018


Foi em «Esta História», de Alessandro Baricco, que me confrontei com aquela que considero ser uma das personagens mais peculiar, singular e bonita: Elizaveta. Mas não nos adiantemos.
Alessandro Baricco, como já tive oportunidade de o dizer há umas semanas atrás, mantém-se firme nos lugares cimeiros das minhas leituras deste ano. Tal como no ano anterior. E isto significa que, para mim, falamos de um autor igualmente singular, assim como as personagens que cria, sempre tão cheias, sempre tão a transbordar cá para fora o que não suportam dentro. Um coração inflamado pela arte de viver histórias. E este livro é feito de histórias, são pequenas bonecas russas que fazem nascer, aqui e ali, uma história em mil, mil histórias que são, afinal, uma só. Hoje falamos de um livro magistral.
 
«Esta História» é a história de um menino que, segundo dizem, tinha sombra de ouro. De nome Ultimo. Por ter sido o primeiro a nascer e, segundo a mãe (que se enganou), seria o último.
 
É uma história feita de carros, corridas, pais e mães, amores e desamores mas, mais do que tudo isso misturado e embrulhado, é feita de um sonho que teima em ser real. O sonho de construir uma estrada, não uma estrada qualquer:
 
"Os seus olhos tinham-se iluminado. Vou construir uma estrada, disse. Algures, não sei onde, mas hei-de construí-la. Uma estrada como ninguém imaginou. Uma estrada que acaba onde começa."

 
Também Ultimo é um personagem peculiar. Franzino, reservado, com essa sombra de ouro, ele nunca precisou de grandes cenários para marcar a sua presença. A relação com os pais, na igual lei da reserva, foi crescendo toldada por algumas mentiras rápidas mas que se consolidaram no tempo. Ganharam forma e definiram-lhe, de alguma maneira, marcas mais vincadas nessa forma de ser virada para dentro, para o sonho e o objetivo cerrado de o fazer nascer.
 
Elizaveta aparece do nada. Há um diário cativante que nos prende e do qual não queremos sair. A professora de piano encontra-se, de uma forma nebulosa, com Ultimo e juntos deambulam pelas estradas, vendendo pianos, vendendo histórias, amealhando poucas moedas. Neles tudo parece uma incógnita, sobretudo o amor que os une e que ela, convicta da realidade do seu próprio diário, ri dele e do corpo despido à sua frente. Será o seu diário e a história que lá imprime (verdadeira ou deturpada?) que irá determinar os passos de Ultimo para bem longe dela, apercebendo-se disso já muito tarde, no decurso de uma história que é feita à velocidade da luz.
 
"(...) mas tinha a sombra de ouro, e a senhora estava apaixonada por ele. E ainda está. E nunca vai deixar de estar porque foi para isso que a senhora nasceu."

 
Caro leitor, leia este livro sem qualquer arnês. Sem a segurança de uma opinião muito detalhada, que lhe conta coisas que, para fazerem sentido, têm de ser lidas a nu. Assim é com Elizaveta, mulher que me fascinará para sempre, e com Ultimo, o homem com essa sombra de ouro que brilhará até ao fim dos seus dias. Se houvesse uma explicação sinónima para esse brilho seria, com toda a certeza, a persistência certa dos teimosos.
 
Alessandro Baricco constrói, neste livro, uma história de amor e persistência. É definitivamente uma das mais bonitas histórias de amor, crua, genuína, tão real, tão poderosa. 
 
 
Leia. Leia, por favor.
 
Seja feliz,

Vem aí o Natal

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

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"Qual é a explicação para esta praga do Natal que brota em toda a parte? Quando eu era miúdo, o dia de Natal era feriado e depois a vida voltava ao normal, mas agora o Natal prolonga-se sem interrupções até ao fim do ano, uma festividade ainda mais sem sentido, o que significa que o país inteiro fica paralisado durante pelo menos dez dias, estupidificado por ter bebido de mais, dispéptico por ter comido de mais, falido por ter gasto de mais em prendas inúteis, entediado e irritadiço por ter estado trancado em casa com familiares chatos e crianças rabugentas, e com os olhos com a forma do ecrã de tanto ver filmes antigos na televisão. É a pior altura do ano para se ter umas férias prolongadas à força, sendo as condições meteorológicas mais tristes que nunca e estando as horas de luz solar reduzidas ao mínimo. O Scrooge é o meu herói - isto é, o incorrigível Scrooge da primeira parte de Um Conto de Natal, «Pff, que disparate!» Ele tinha toda a razão. Que pena ele ter mudado de ideias."
«A Vida em Surdina» | David Lodge 
 
Eu sou uma daquelas pessoas que gosta muito da época natalícia mas este trecho do David Lodge é muito bom. Vem aí o Natal!
 
 
 
Seja feliz,

Princípio de Karenina (Afonso Cruz)

quarta-feira, 21 de novembro de 2018


O mais recente livro de Afonso Cruz sustenta um princípio (um início, uma espécie de teoria) ao qual dificilmente alguém que lhe consegue escapar. Falemos em medição da felicidade. Haverá uma medida do que é ser feliz, uma definição concreta, uma comparação com o lado negativo, apaziguando e respondendo, em concreto, o que é isso de ser feliz? Muito ou pouco feliz?
 
Em «Princípio de Karenina», o autor conta-nos a história através de uma carta de um pai que se dirige à filha que sempre quis conhecer. É uma história que nasce lá longe, quase nos confins da terra, sobre um homem, nascido com o pé torto, deformado por dentro pela deficiência de fora e tolhido pela resistência de um pai, que não o deixa viver para lá das cortinas da sua própria casa. Uma mãe que lhe acaricia a o corpo disforme, como quem lambe feridas e lhe incita uma perfeição que não tem. Nem sente.
 
Será na soma dos dias, protegido entre quatro paredes, que este menino cresce e se torna homem. Poucas amizades fará, limitadas pelo seu próprio coração, que pouco reage. Tudo parece estar condicionado pelo tempo e pela geografia. A distância promete, gradativamente, um decréscimo na importância das pessoas que possa vir a conhecer. Quanto mais perto de nós, mais importantes. Quanto mais longe, menos dignos seremos nós (e os outros) em alimentar qualquer tipo de relação. Foi essa a teoria do seu pai, a qual acolheu sem pensar muito. É que como todas as crianças, absorveu a voz do adulto como verdade inabalável.
 
Um dia, o seu pai morre. Desprevenido. A casa preenche-se desse cheiro a fim, à beira da mesa de um escritório que sempre lhe guardou uma vida, aparentemente, ocupada. Morre, inunda-se a casa com um cheiro que, mais tarde, traria a mudança.

O amor parece-lhe vedado, incompreendido. A Fernanda da Farmácia foi uma conquista que lhe soube a derrota, entre amuos e conquistas por teimosia. Habituou-se à presença dela, serena, amiga da mãe, uma sombra presente para lhe vincar o compromisso do casamento, a obrigatoriedade de uma cultura.
 
Este homem não falava amor. Ele não sabia que o amor e a obrigatoriedade são antónimos cerrados. Palavras que não se casam, independentemente das forças impostas por um meio, uma sociedade, ou um conjunto de pessoas. O amor carrega essa "teimosia de um sonho", imprimido pelo toque de duas mãos, ténue, mas capaz de rebentar com uma casa inteira.
 
Essa turbulência, vinda de longe, tinha nome de mulher. A nova empregada da casa trouxe-lhe o sol que lhe inundou tudo, que lhe abriu janelas, que deixou entrar ventos e tempestades que só agitam por dentro. Então sim, ele conheceu o amor e todos os desafios que este sempre impõe.
 
Afonso Cruz escreve-nos uma linda história de amor que nasce depressa, mas impedida pelo destino, pelas imposições de uma vida já construída. Uma filha que nasce, lá longe, num caminho paralelo que não afunila, não se funde com a sua própria vida, por mais que tente.
 
"Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira."
Tolstoi in Anna Karenina
 
Chegará o momento em que o autor obriga o leitor a refletir, a ponderar e a questionar sobre essa tal questão de medição de felicidade. Afinal, o que determina a parecença das famílias felizes e a individualidade na infelicidade?
 
Afonso Cruz vem provocar e agitar uma consciência que se quer bem acordada quanto às particularidades da (in)felicidade. Repare, caro leitor, a felicidade pode corresponder a uma hora e vinte minutos de uma conversa, a um toque de mãos que determina todo um caminho, a pequenas coisas que, lá mais à frente, agitam, alteram e prometem um pouco de paz. Uma espécie de teoria do caos que sabe, meticulosamente, arrumar as gavetas e os fios soltos do passado, que ficou lá atrás.
 
Foi assim com este homem.
É assim com todos nós.
 
 

Uma cortesia:
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Amor, amor. Nada mais importa.

Seja feliz,

Tornozelos no Inverno

terça-feira, 20 de novembro de 2018

 
 

Porquê que, em pleno Inverno, com direito a chuvas, jorradas de vento e por aí vai, eu vejo jovens vestidas com calças brancas, ténis brancos e tornozelos à mostra?
(Não têm frio? Não se molham? Dizem que o frio intenso é um dos principais sinais de velhice. Estou lixada.)
 
Elas:
Inspiration: Tenis brancos
 
Eu:
 

Boots x leggins style


 
 
Não estamos aqui a criticar ninguém. São meras questões que me assistem nesta vida, por este mundo fora,
 repleto de pessoas que, em si mesmas, dariam grandes histórias, grandes livros. E, também, porque me apetece. Ora.
 

Teimosia

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

 
"A minha única arma era a teimosia de um sonho."

Afonso Cruz In «Princípio de Karenina»
 
(que livro bonito.)
 
 
Seja feliz,

Identidade

segunda-feira, 12 de novembro de 2018



Seja feliz,

A menina que queria salvar os livros (Klaus Hagerup e Lisa Aisato)

quinta-feira, 8 de novembro de 2018


«A Menina que queria salvar os livros», Klaus Hagerup e com ilustrações de Lisa Aisato, é um livro infantil com uma história feita para durar uma vida inteira.
As crianças precisam urgentemente deste livro na sua formação, de dentro para fora. Também os adultos, sobretudo aqueles que se sentem perdidos numa vida tão grande e desarrumada, carecem ainda mais de um livro que, todo ele, reclama esperança nas pequenas coisas da vida. Falamos de literatura. Amor aos livros. Paixão pelas histórias. É pois dessas pequenas coisas da vida que vos fala a personagem principal desta história.
Anna tem 10 anos e adora ler. Da biblioteca, leva livros consigo que se transformam em verdadeiras preciosidades. Entre páginas, a menina cria novos amigos e também alguns inimigos, difíceis de esquecer. Um dia, a Srª Monsen, bibliotecária e amiga, conta-lhe uma realidade assustadora: muitos dos livros que as pessoas não querem ler, acabam destruídos.
Este será o ponto de partida para uma aventura sem fim. Anna decide que tem de contrariar aquele cenário monstruoso, mostrando-nos até onde pode ir o amor aos livros e o quanto a crença de um amor que apenas e só depende de nós, nos transforma, alimenta e prospera entre aqueles que nos acompanham.
Uma história de enorme sensibilidade que apela ao amor pela literatura e à urgência de não deixar de acreditar no poder de uma história, no caminho que nos mostra e no fim, sempre inesperado.
Com este livro vai aprender a não ser um adulto tendencialmente chato e controlado. Acredite que tal como nos livros, a vida é também ela uma espécie de folha em branco. O fim, esse, é feito todos os dias, com mais ou menos entusiamo, mas sempre com a esperança ao virar da próxima página.

 Seja feliz,

A ler Alessandro Baricco

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

- Sabe como se consegue perceber se alguém nos ama? Nos ama a sério, quero dizer?
- Nunca pensei nisso.
- Eu sim.
 
- E encontrou uma resposta?
- Creio que é algo que tem a ver com esperar. Se é capaz de esperar por nós, ama-nos.
 
Alessandro Baricco | Esta História

💕
 
 
Alessandro Baricco, pelo segundo ano consecutivo, a entrar para a minha lista de livros memoráveis.
 
 
Seja feliz,
 

Penas de Pato (Miguel Araújo)

segunda-feira, 5 de novembro de 2018


«Penas de Pato» é o livro de estreia do conhecido cantor português Miguel Araújo. Na sequência de vários textos de opinião enquanto colaborador da revista Visão, surge este pequeno livro com textos soltos de quem, pacificamente, vê a vida a passar da varanda. Dessa varanda, o autor mostra-nos uns olhos atentos de quem vê não só para fora, mas sobretudo, de quem tem os olhos virados para dentro.
Miguel Araújo tem-se como um homem introvertido, pouco dado a alaridos, escondido numa fama que pouco lhe dá, numa espécie de infância confortável da qual retirou o melhor da sua vida.
Ao ler «Penas de Pato», o leitor será desafiado a empregar um pouco mais de atenção para as pequenas coisas da vida. Aqui não se fala de um pato, concretamente. Muito menos das suas penas. Simbolicamente, as penas de pato transferem-nos para essa leveza da vida tão mascarada pelas pressas, pelos desejos quotidianos, que nos enchem a barriga com um rei já há muito ultrapassado.
O pequeno livro de crónicas de Miguel Araújo agrada precisamente por essa leveza, quer ao nível do conteúdo, como ao nível da sua escrita: sem pressas, sem subterfúgios e muito limpa.
 
É através destes pequenos textos que o autor nos partilha, igualmente, o seu processo criativo enquanto músico e letrista. É interessante perceber o quanto uma letra, aparentemente tão pequena, abraça em si um conjunto de histórias que parecem não ter fim. Uma canção, mais do que cantada, é antes contada por alguém que lhe viveu toda uma história. E este livro é a prova viva disso mesmo.
 
 
 
 Com o apoio:
 
 
 

Seja feliz,

A ler Miguel Araújo

quarta-feira, 31 de outubro de 2018



Seja feliz,

Thaïs (Anatole France)

quinta-feira, 25 de outubro de 2018


"Anatole France, pseudónimo de Anatole-François Thibault ou também Jacques-Anatole-François Thibault, com acréscimo do nome do seu padrinho, Jacques Charavay, nasceu em Paris, no dia 16 de abril de 1844. Ao longo da vida desenvolveu uma apreciável atividade literária, cuja qualidade veio a ser consagrada com a atribuição do Prémio Nobel da Literatura em 1921, mas foi igualmente um militante ativo nos domínios social e político, numa época conturbada da história europeia.
No período em que decorreu a formação escolar de Anatole France, era habitual a leitura de textos hagiográficos, podendo mesmo estes constituir matéria curricular, nomeadamente em estabelecimentos de ensino católico, como aquele que frequentou para obter a instrução secundária, o Collège Stanislas, em Paris (...)." *
As influências recebidas ao longo da sua educação, em muito contribuíram para a construção daquele que é considerado o seu livro mais notável, Thaïs, e de que hoje falamos.
A história decorre no Egito, no deserto,  numa vida pautada pelo desenvolvimento espiritual e, de outro lado, na cidade de Alexandria, por outro tipo de vida em que os desejos carnais tendem a crescer e a serem encarados como impuros e pecaminosos.
Anatole France destaca nesta obra o conflito existente entre os desejos carnais, intimamente ligado ao inferno e às tentações e, do outro lado, o amor divino.
Esta é assim a história de um monge que vê na mulher a fonte do pecado e da desgraça. Quando encontra Thaïs, jovem atriz que sem pejo se entrega a qualquer homem, decide então dedicar os esforços de toda a sua vida, na conversão daquela mulher  à fé cristã.
Há crueldade na escrita de Anatole France. A crueldade e a crueza com que declara os sentimentos convictos do monge tendem a mirrar o coração como uma ameixa seca. Seco nas dúvidas que, para todo o sempre, vão imperar quando o tema grita religião.A devoção, a entrega espiritual deste homem transcende tudo e qualquer coisa, levando-o onde? Que nome terá esse lugar onde a devoção, a entrega cega e amor incondicional a Deus impera?
"Amo-te Thaïs! Amo-te mais do que a minha vida e a mim mesmo. Por ti, deixei o saudoso deserto, por ti, os meus lábios, votados ao silêncio, pronunciarão palavras profanas; por ti, vi aquilo que não deveria ver, ouvi o que me fora proibido escutar; por ti, a minha alma conheceu a aflição, o meu coração abriu-se e dele jorraram secretos pensamentos, semelhantes às nascentes onde vêm beber as pombas; por ti, caminhei dia e noite sobre areias povoadas de larvas e vampiros; por ti pousei o meu pé nu em cima de víboras e escorpiões! Sim! Amo-te, mas não como esses homens que, inflamados pelo desejo da carne, vêm até ti parecendo lobos vorazes ou touros furiosos. Desejam-te do mesmo modo que a gazela é desejada pelo leão. Os seus amores carnívoros devoram-te até à alma, mulher! Eu, pelo contrário, amo-te em espírito e verdade, amo-te em Deus e pelos séculos dos séculos; o que por ti sinto no meu peito chama-se ardor verdadeiro e divina caridade. Prometo-te algo de melhor do que a embriaguez florida e os sonhos de uma noite breve. Prometo-te santas refeições e bodas celestes. A felicidade que te venho trazer não terminará nunca, é inaudita e de tal modo inefável que, se os homens felizes deste mundo dela pudessem conhecer apenas um vislumbre, imediatamente morreriam de espanto." | p.94
A questão que se impõe é: até quando o fanatismo deste homem, numa entrega devota a Deus sob todas as coisas, perdurará? Até quando, após terminada a sua grande missão, perdurará a sensação de uma entrega plena?
A figura da mulher como imagem do pecado mais profundo, mistura-se nessa dualidade tão religiosa - o certo e o errado, a luz e a sombra - resultando num livro intemporal, na sombra desse peso feito das "(...) intransigências de dogmas milenários da Igreja." *
"Ele morreu, mas viveu (...), e tu morrerás sem teres vivido." p.199
Gostei muito. «Thaïs» é um sério candidato ao melhor livro que li este ano. Não deixe de o ler. Não se desanime pelo aparente tema rotineiro. É antes urgente continuar a pensar a religião como um todo, potenciador de comportamentos tão díspares entre todos nós sem, na verdade, entendermos as razões mais profundas de cada um deles.
*Fonte de pesquisa: Projeto de Investigação de Palmira Morais Rocha de Almeida | "Ópera Thaïs" - Exibições no Teatro de São Carlos no primeiro quartel do século XX e a receção crítico-valorativa na imprensa portuguesa. (Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa).
Boas leituras,


Gosto quando está sol

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

 
In «Jesus Cristo bebia cerveja» | Afonso Cruz
 

Derreter

segunda-feira, 22 de outubro de 2018



Imagem retirada do livro «Soppy»

 
Por mais duro que alguém seja, derreterá no fogo do amor.
 Se não derreter é porque o fogo não é bastante forte.
 
Gandhi
 
 
 
 
Uma boa semana,

Jesus Cristo bebia cerveja (Afonso Cruz)

sexta-feira, 19 de outubro de 2018


Aparentemente, Jesus Cristo bebe cerveja. E isso não o deveria chocar, a si ou a mim. A ninguém. Jesus Cristo bebe cerveja como todos nós, e nada nisso apavora. Parece acalmar os nervos dos que padecem das ansiedades de serem os melhores. De se revirarem do avesso na procura desenfreada de perfeição.
O livro de Afonso Cruz é feito de gentes comuns (não as são todas?), desesperadas por um lugar mais seguro, por um arnês capaz de lhe garantir a força do impacto ao cair, ao cair na iminência de um sonho ausente. Uma Jerusalém construída à imagem de quem não pode sair do lugar.
Esta é a história de Rosa, menina que se tornará mulher de curvas bonitas, rosto que prende, sobrancelhas grossas que lhe sublinham a negrito um olhar de segredos e sonhos.
Num Alentejo quente e perdido, Rosa vê o seu avô atirar-se a um poço, levado pelo peso de culpas deslocadas, e injustas, da morte de alguém. Pagou na mesma moeda, matou-se para não viver com uma morte viva ao pé.
A mãe, mãos frias de porcelana, refugia-se na sombra de uma juventude e sangue quente, de quem ama com o corpo como prioridade. Amou o cheiro a homem do seu pai, corpo seco e desequilibrado. Dizem que lhe foram os jeitos rudes e os aromas do campo a conquistarem-lhe o gelo que lhe pulsou, sempre, no peito.
Abandonada, Rosa ficaria entregue à sua avó. Dali nasce um amor responsável, de quem cuida o que só há a cuidar, de quem procura um alento na miséria, na fome, num pouco de desilusão a cada noite.
 
Quem lê «Jesus Cristo bebia cerveja» visita um lugar, também ele, comum. Um lugar perdido, feito de gente que se procura, se revê nas dores alheias, nos sonhos que vão nascendo na mesma medida que vão morrendo. Há uma linha que divide esses polos. Chamam-lhe arrependimento. O arrependimento de quem não soube morrer na paz simples de um amor certo, à medida. Perfeito na imperfeição. Mas a essas gentes comuns, essa raça humana tão comum e banal, nada lhes parece chegar. Ficaremos, pois então, entregues à nostalgia. Ao que já foi. Ao que não volta. Aos desafortunados que morrem antes da vida acabar.
 
 
 
Seja feliz,

Chuva feliz

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Quero morar numa cidade onde se sonha com chuva. Num mundo onde chover é a maior felicidade. E onde todos chovemos.

Mia Couto
 
 
 
Não reclame tanto. Viva, e seja feliz.


O Curso do Amor (Alain de Botton)

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

 
Ler Alain de Botton é saber, de antemão, que nos esperam lições certeiras, previsíveis, mas que ainda assim nos custam sempre a enfrentar. Como a velha máxima de confronto direto com os nossos demónios: nunca é fácil, mas é sempre necessário.
 
Em «O Curso do Amor», o autor convida-nos a espreitar o nascimento, crescimento e maturidade de um jovem casal. Desde o primeiro olhar, o primeiro momento, a primeira conversa, até ao momento em que decidem ser a hora certa de partilhar uma casa, casando e vivendo em (esperada) união.
 
Eis que surge, muito rapidamente, a velha máxima de que os anos de um casamento tendem a deixá-lo mais pesado de carregar. O tempo, esse vilão. Após essa constatação, eis que o surgimento dos filhos, o momento mais alto de partilha e intimidade entre duas pessoas, tende igualmente a desgastar as já frágeis raízes de um casamento que, até então, parecia perfeito.
 
Ao longo deste livro o leitor será confrontado com todas as dificuldades, inerentes, numa relação amorosa. Desde a distância cravada pelo avançar dos anos, as dificuldades profissionais que sempre se refletem na forma de amar, o nascimento dos filhos e os desafios adjacentes até ao, supostamente, esperado adultério. O adultério parece sempre surgir como uma lufada de desculpas de quem não quis imiscuir-se mais nas dificuldades e nas distâncias de um casamento que já só se vê ao longe. Uma espécie de pontinho negro em que as pessoas se transformam no momento em que caminham em frente e nós, ali especados, a vemos desaparecer. A tornar-se nesse pontinho pequenino, sempre negro, cada vez mais e mais minúsculo.
 
"Mas o que realmente acentua a intensidade é um novo pensamento que surge sempre que uma tensão aflora: como se pode suportar isto ao longo de uma vida inteira?"
Para aquele homem parecia não ser possível. Parecia cada vez mais distante da sua intenção: estar casado, ser pai, e ser feliz. Até então, o adultério seria esse renascer de intimidade com alguém. Diríamos, então, uma confirmação de que ainda é possível ser atraente e ser atraído por um rabo de saia que a ergue, resoluta, a pedir-lhe a confirmação de um pénis que, também ele, ainda se ergue.

Há, no entanto, um pesado sentimento de culpa e um amuo que se lhe acompanha. Há uma confirmação de ser promíscuo e de ter praticado o ato mais hediondo num casamento. Resta assim a dúvida: contar ou não contar? Na semelhança dos acesos debates em torno do suicídio: ato de coragem ou de cobardia? Também neste ponto Alain de Botton nos ajuda a encarar as próprias falhas e essa tendência de acionar um tubo de espace aos próprio erros. Contar ou não contar? Culpar a si mesmo, culpar o outro? Chega assim, o momento errante dos amuos escondidos.

"A própria necessidade de explicar constitui o âmago do insulto: se o parceiro precisa de uma explicação, ele ou ela não é digno claramente de a receber. Deveríamos acrescentar: é um privilégio ser destinatário de um amuo; significa que a outra pessoa nos respeita e confia em nós o suficiente para pensar que devíamos compreender a sua muda mágoa. É um dos mais estranhos dons do amor."

Entre amuos, culpas partilhadas, ressentimentos, mágoas e doses de nostalgia, o leitor continua a acompanhar este jovem casal, partilhando dores com um e com outro. A tendência de tomar um partido está bem longe, atirada para dentro de uma gaveta. Alain de Botton enfatiza, magistralmente, esse erro de tomar partidos numa relação, de assumirmos as nossas dores como não só as mais genuínas como, também, as mais certas. O amuo certo que o outro tem de, forçosamente, compreender e acalentar.
 
"É uma coisa maravilhosa viver num mundo onde tanta gente é amável para com as crianças. Seria ainda melhor se vivêssemos num mundo em que fôssemos um bocadinho mais amáveis para com os lados infantis de uns e outros entre nós."
 
Por fim, o autor aponta-nos o mais óbvio e menos fácil de alcançar: há uma espécie de segredo para o sucesso de uma relação. Sim, uma relação pode sobreviver, pode crescer, pode amadurecer. Pode viver condenada a um sucesso, cada vez maior, sim. O segredo, se é que é um segredo, é constatarmos a possibilidade de uma relação no momento em que nos desvinculamos da falsa ideia de perfeição. Um casamento torna-se perfeito no momento em que, a ambos, lhes cai a necessidade de cumprir um cardápio extenuante de provas do seu amor e de ser uma pessoa incólume, sem segredos ou defeitos. O seu amor é imperfeito e é, precisamente nessas imperfeições, no lado infantil que sempre aflorará um dia ou outro, que duas pessoas podem sentir-se, final e derradeiramente, unidas. Preparadas para mais um desafio. E outro que virá, amanhã ou depois.
 
"(...) o amor é uma arte, não apenas um entusiasmo."

Seja feliz,
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